Roteiros homiléticos

5º Domingo da Quaresma – 7 de abril

Por Aíla Luzia Pinheiro Andrade

O verdadeiro louvor é ajustar-se à vontade de Deus

I. Introdução geral

O termo justiça, na Bíblia, denota conformidade com um padrão. Significa amoldar-se à vontade de Deus com base na Escritura. Justiça, portanto, é a qualidade de estar conforme com o que Deus espera do ser humano. Basicamente, o justo é descrito como alguém que faz a vontade de Deus em relação ao outro. Os textos de hoje chamam a atenção sobre o que é a verdadeira justiça ou sobre o que agrada a Deus e lhe dá louvor.

II. Comentários aos textos bíblicos

1. Evangelho: Jo 8,1-11

Os fariseus querem uma prova concreta para incriminar e prender Jesus. Este retorna ao Templo para ensinar a multidão presente naquele lugar. Enquanto ensinava, os fariseus trouxeram-lhe uma mulher surpreendida em adultério e, recorrendo à Lei de Moisés, inquiriram-lhe sobre que sentença daria (cf. v. 6). Naquele tempo, o adultério não era considerado somente a relação sexual. Aquela mulher poderia apenas ter se insinuado para um homem, e isso já a identificava como adúltera. Nesse contexto, uma pessoa pode adulterar sozinha (cf. Mt 5,27; Jesus aplica essa lei também para o homem).

Os fariseus põem Jesus à prova, pois, de um lado, não poderia ficar contra a Lei, o que seria um pretexto para acusá-lo de blasfêmia, e, de outro, era de conhecimento público sua misericórdia para com os pecadores.

Jesus, de imediato, não responde, parece ignorá-los. Sabe que a preocupação de seus interlocutores, nesse momento, não é saber a vontade de Deus para ajustar-se a ela, mas apenas ter algo concreto para incriminá-lo. Quando insistem, Jesus responde de forma inesperada, modificando o enfoque da questão e envolvendo-os no assunto: “Quem dentre vós não tiver pecado atire a primeira pedra”. Nessa reviravolta, Jesus não recusa o juízo de Deus, mas deseja que os fariseus o apliquem primeiramente a si mesmos. Como o conceito de adultério era muito mais amplo naquela época que nos dias atuais, então os interlocutores já não têm como continuar com a acusação sobre a mulher, visto que também são culpados, ainda que não tenham sido surpreendidos anteriormente.

Não tendo como continuar, cada um vai embora, começando pelos mais velhos – os mais prudentes. Assim, Jesus fica a sós com a mulher e lhe dirige a palavra, perguntando se alguém a condenou. Diante da resposta dela, ele afirma que também não a condena. A mulher é despedida de forma imperativa por Jesus, que lhe ordena que não volte a pecar.

Jesus se revela, nesse episódio, como o enviado do alto que mostra o rosto misericordioso de Deus, mas também o seu juízo. A justiça do ser humano é, principalmente, condenatória, diferente do juízo de Deus. A justiça de Deus é feita de perdão e de orientação para a mudança de vida. Na atitude de Jesus para com a mulher pecadora, não transparece apenas a sua identidade messiânica e profética, posta em xeque pelos fariseus, mas, sobretudo, a fé da mulher, que confiou no seu juízo e por isso saiu justificada. Também transparece a incredulidade dos que se recusam a enxergar o testemunho de Jesus, o enviado do Pai.

2. I leitura: Is 43,16-21

O texto descreve o retorno do povo de Deus à terra prometida, depois do exílio na Babilônia, como um grande evento, comparável unicamente à travessia do mar durante a saída do Egito (cf. vv. 16-17). No mesmo texto, contudo, Deus promete fazer coisas maiores ainda (cf. vv. 18-19). O Senhor fará algo novo, e os eventos salvíficos do passado – embora não devam ser esquecidos, porque a revelação é progressiva – não devem ser lembrados numa perspectiva saudosista.

O Deus libertador que abriu um espaço no mar para o povo passar é o mesmo que fará um caminho no deserto. Isso não deve ser tomado ao pé da letra, mas compreendido como atos salvíficos de Deus em favor de seu povo.

Abrir um caminho no deserto, em vez de contorná-lo, significa que Deus tem urgência em fazer o povo voltar para a terra de sua herança. As caravanas que saíam da Babilônia em direção a Israel levavam muito tempo contornando o deserto.

Deus não se limitará a libertar o seu povo, mas cuidará dele como no passado, fazendo surgir rios no deserto, onde antes tinha feito brotar água da rocha. A repetição ampliada das maravilhas do êxodo do Egito é testemunha de que Deus escolheu e constituiu um povo (cf. v. 20) para o seu louvor (cf. v. 21).

Toda a criação é atingida pelos atos salvíficos de Deus em favor do ser humano. Isso é mostrado simbolicamente quando o autor afirma que os animais do deserto agradecem a Deus (cf. v. 20) porque, na sua infinita misericórdia, o Senhor supre a sede do povo durante a viagem de volta à terra prometida.

Esse simbolismo do louvor dos animais está em contraposição ao louvor do ser humano endereçado a Deus. Na concepção bíblica, o verdadeiro louvor consistia em um sacrifício de ação de graças (cf. Lv 7,12), cujo aspecto fundamental era uma conduta reta, ajustada à vontade de Deus (cf. Sl 50,23). Palavras bonitas endereçadas a Deus, mas unidas a obras injustas, faziam o louvor não ser aceito (cf. Sl 50,13.23b).

3. II leitura: Fl 3,8-14

Paulo dirige-se aos filipenses para exortá-los a configurar a vida deles à de Cristo, em perfeito ajustamento à vontade de Deus. Para reforçar suas palavras, o apóstolo usa sua história pessoal. Nos versículos anteriores ao texto da liturgia de hoje, ele faz uma lista de seus títulos dentro do judaísmo. A verdadeira intenção dessa postura do apóstolo é mostrar aos seus destinatários que a sua fé em Jesus Cristo o tinha levado a uma mudança radical de vida e de perspectiva. O encontro com o Ressuscitado o fez considerar de forma totalmente diferente tudo o que antes eram coisas importantes para ele.

Paulo descobriu que conhecer e agradar a Deus é o mesmo que entregar-se a Cristo, viver como ele viveu e, se necessário for, morrer como ele morreu. Essa é a verdadeira justiça, que vem da fé, não do legalismo.

Depois de ter se dado conta da riqueza que é a verdadeira justiça, ou seja, a configuração da própria vida à de Cristo, o apóstolo se conscientiza de que ainda há longo caminho a percorrer, pois ainda não chegou à perfeição, isto é, à maturidade cristã. Contudo, sua união com Cristo o leva a avançar, tendo em vista esse alvo almejado. Essa união inclui a participação nos sofrimentos de Jesus como parte do processo de maturidade cristã. Sofrimento é algo que todo ser humano experimenta, mas sofrer unido a Cristo significa ter participação também na sua ressurreição.

Trata-se de santidade ativa, ajustamento ao que Deus espera do ser humano por meio da configuração a Cristo. Não se trata de esforço para comprar a salvação mediante um relacionamento com Deus baseado na retribuição. Antes, significa uma resposta à salvação, dom de Deus, dada com a própria vida, fazendo dela um louvor agradável a Deus.

III. Pistas para reflexão

Aproxima-se a Páscoa, e Deus nos convida a mostrar em nossa conduta a conversão. Esse convite vem a nós, de forma especial, por meio do perdão e da misericórdia que nos são dados na eucaristia, o sacrifício de louvor que representa a totalidade da vida de Jesus em cumprimento da vontade do Pai. Comungar do Corpo e do Sangue de Cristo é comungar de sua vida, morte e ressurreição. Não podemos participar da eucaristia e viver em conformidade com valores diferentes dos assumidos pela existência terrestre de Jesus.

Aíla Luzia Pinheiro Andrade

Aíla Luzia Pinheiro Andrade, nj, é graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje – BH), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica e lecionou por alguns anos. Atualmente, leciona na Faculdade Católica de Fortaleza e na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). É autora do livro Eis que faço novas todas as coisas – teologia apocalíptica (Paulinas). E-mail: [email protected]