Roteiros homiléticos

Publicado em maio-junho de 2021 - ano 62 - número 339 - pág.: 39-41

5⁰ DOMINGO DA PÁSCOA – 2 de maio

Por Izabel Patuzzo

Cristo a videira, os discípulos os ramos

I. INTRODUÇÃO GERAL

As leituras deste domingo apontam para as questões da integridade e genuinidade do discipulado cristão. A verdadeira identidade missionária dos discípulos de Jesus se expressa com ações concretas. As leituras nos interrogam sobre como transformar todo aquele que acredita em Deus em verdadeiro discípulo de Jesus Cristo e como essa verdade se manifesta em sua vida. A figura de Paulo começa a ter um papel muito importante na comunidade primitiva, logo após sua conversão. Depois de se encontrar com o Senhor no caminho de Damasco, ele se dirige para Jerusalém. De perseguidor da Igreja, o apóstolo se transforma em evangelizador cheio de entusiasmo. Para isso, porém, ele teve de enfrentar o medo da comunidade e a dúvida sobre se sua conversão seria verdadeira. A comunidade de Jerusalém o conhecia como perseguidor, e custou-lhe acreditar que sua fé em Jesus Cristo era genuína. Foi necessário que Barnabé o apresentasse à comunidade dos discípulos. No entanto, quando Paulo se convenceu de que Jesus ressuscitado era o Senhor, converteu toda a convicção de sua fé judaica em uma vida totalmente dedicada ao anúncio do Evangelho de Jesus Cristo.

Na segunda leitura, João nos diz que devemos amar com as obras e com a verdade. É no amor fraterno, e não em palavras, que demonstramos ser participantes da verdade divina, pois o amor produz frutos, estabelecendo laços afetivos que conduzem ao cuidado com o outro, à solidariedade e à criação de comunidades de fé acolhedoras.

No Evangelho de João, Jesus é o verdadeiro maná, o verdadeiro pastor e a verdadeira vinha. A vinha, no Antigo Testamento, aplica-se a Israel. Os autores bíblicos usam essa imagem para expressar que Deus sempre cuidou de Israel com carinho, pois a vinha lhe pertence. No Evangelho deste domingo, a vinha é Jesus, e entre ele e seus discípulos se estabelece profunda comunhão, como o tronco da videira com seus ramos. No Novo Testamento, os ramos são símbolo das comunidades cristãs.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS 2. I leitura (At 9,26-31)

A primeira leitura continua a apresentar a história das primeiras comunidades cristãs. Lucas relata as primeiras atividades apostólicas de Paulo, seu contato com a comunidade apostólica de Jerusalém e o papel de Barnabé, que acolhe o apóstolo, apesar do passado deste como perseguidor. Paulo e Barnabé eram judeus que viviam na diáspora; eles realizam sua missão fora de Jerusalém, mas desenvolvem seus trabalhos apostólicos em comunhão com a Igreja ali presente.

A desconfiança da comunidade de Jerusalém em acolher Paulo tem fundamento histórico. Não obstante, o apóstolo se esforçou para superar essa desconfiança e se integrar na Igreja. As primeiras comunidades cristãs se desenvolveram em meio a muitas dificuldades e adversidades, porém o diálogo e a comunhão fraterna eram características marcantes entre os cristãos. Paulo foi acolhido, integrado na comunidade e participou ativamente das tarefas apostólicas de anunciar Jesus Cristo. Ele deu grande testemunho de sua fé, também em meio a muitas adversidades. Experimentou hostilidades e oposições, mas foi fiel ao chamado recebido. Ao encontrar-se com Jesus ressuscitado no caminho, dedicou-se inteiramente a anunciá-lo em todos os lugares. Nos Atos dos Apóstolos, Lucas evidencia que o caminho do discípulo de Jesus é marcado pela cruz, mas gera vida em plenitude. Anunciar Jesus não foi missão fácil para Paulo e para os demais apóstolos, pois o anúncio do Evangelho provoca conflitos com os poderes da morte, mas as primeiras comunidades cristãs tinham a certeza de que eram conduzidas pelo Espírito Santo e depositaram toda a esperança no Senhor ressuscitado.

2. II leitura (1Jo 3,18-24)

A primeira carta de João é dirigida às comunidades cristãs da Ásia Menor, que enfrentam problemas com as doutrinas advindas das seitas, particularmente com os gnósticos, contrários à doutrina da encarnação de Jesus Cristo. Para os gnósticos, a prática da caridade não era importante, pois, a seu ver, a fé era uma questão de comunhão espiritual com Deus e não necessitava ser expressa em gestos concretos. Nesse contexto, João mostra em que consiste a fé cristã: viver o mandamento novo do amor. Para João, conhecer Deus significa amar os irmãos, e quem não ama o irmão não conhece a Deus, porque Deus é amor. Ao apresentar a prática do amor fraterno como característica dos filhos de Deus, João faz referência à geração divina pelo batismo.

De acordo com o autor da primeira carta de João, a experiência de comunhão com Deus não é algo voltado apenas para o céu, mas tem como consequência o amor ao próximo. Como filhos de Deus, os discípulos são chamados a viver na santidade, guardando o mandamento do amor e orientando toda sua vida segundo a esperança da ressurreição futura.

3. Evangelho (Jo 15,1-8)

No evangelho, Jesus apresenta uma instrução sobre a identidade de sua comunidade de discípulos e qual sua missão no mundo. Essa comunidade instituída por Jesus é o verdadeiro povo de Deus, descrita como os ramos de uma videira. A vinha, no Antigo Testamento, era o símbolo do povo escolhido. Agora, porém, Jesus é a verdadeira vinha, e o novo povo de Deus é o que se constrói com fundamento em Jesus. Ele formou uma comunidade de discípulos para produzir frutos, por isso o ramo que não produz vida nova em comunhão com ele, o Pai irá cortar. O Pai cuida de sua vinha; corta o ramo que não pertence à sua videira.

No contexto do Quarto Evangelho, esse ensinamento representa as últimas instruções para continuar a missão de Jesus. A nova comunidade nasce com a força do Espírito Santo, alicerçada no serviço e no amor mútuo. O lugar dos discípulos, nessa nova vinha, é ser os ramos que produzem frutos, permanecendo em profunda comunhão com Jesus. O verbo “permanecer” é a palavra-chave desse texto. Supõe que o discípulo já tomou sua decisão de vida de ser fiel ao seu chamado e à sua vocação, isto é, de oferecer a vida a exemplo de Jesus.

Jesus exorta os discípulos a renovar a adesão a ele, em função dos frutos que irão produzir. A união com Jesus é condição para existir verdadeira comunidade de fé, e o discipulado supõe o pôr-se a serviço da Igreja. Aquele que se desliga de Jesus é como o ramo seco. Quem renuncia à prática do amor renuncia a ter a vida plena, que consiste em estar unido ao tronco. O texto conclui que o destino do ramo seco é ser queimado, porque não serve para mais nada. Assim, todo aquele que permanece em Jesus produz fruto e tem a vida em plenitude, e os que se desligam dele são condenados à morte.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Jesus é a verdadeira vinha de onde brotam os frutos da solidariedade, da acolhida, da caridade, da verdade e da paz. Ele forma uma comunidade que, à sua imagem, se deixa conduzir e cuidar pelo Pai; por isso, é frutífera e sempre se renova com as podas. O egoísmo, o isolamento, o afastar-se da comunidade levam os discípulos a se tornarem estéreis e até perder o sentido da vida. Por isso a proposta de Jesus é de uma vida autêntica, permanecendo fiel a ele.

No entanto, às vezes escolhemos nos distanciar de Jesus. O que é que nos leva a desligar-nos ou separar-nos da vinha verdadeira? O que nos impede de responder positivamente ao convite de estar sempre em comunhão com o Senhor? O que nos torna estéreis em sua comunidade? Quando conduzimos nossa vida pelos caminhos do egoísmo, da indiferença ao sofrimento dos irmãos, quando nos fechamos no comodismo, em nossos projetos pessoais, corremos o risco de não produzir frutos de justiça, secar e perder o vínculo com Jesus. Que ramos desejamos ser? De quais podas necessitamos para voltar a produzir os frutos de vida que Jesus espera de nós?

Como nos recorda o papa Francisco em sua Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, n. 23, o discipulado cristão é motivo de alegria para quem opta pelo seguimento de Jesus. A alegria cristã, porém, jamais exclui a cruz e o sofrimento. A alegria do discípulo resulta da capacidade de cumprir a vontade do Pai, permanecendo no amor. O mestre Jesus foi exemplo consumado de amor até as últimas consequências.

Izabel Patuzzo

pertence à Congregação Missionárias da Imaculada – PIME. É assessora nacional da Comissão Episcopal Pastoral para a Animação Bíblico-Catequética da CNBB. Mestre em Aconselhamento Social pela South Australian University e em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é licenciada em Filosofia e Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção,
em São Paulo. E-mail: [email protected]