Publicado em julho-agosto de 2025 - ano 66 - número 364 - pp. 42-44
6 de julho – 14° DOMINGO DO TEMPO COMUM
Por Gisele Canário*
O projeto do Deus da vida é permeado pela paz e consolação
As leituras de hoje nos convidam a adentrar no projeto do Deus da vida, para sermos instrumentos de paz, consolação e esperança no mundo. É interessante notar como Isaías celebra o consolo materno de Deus, enquanto Gálatas nos convoca a abraçar a nova criação em Cristo. No Evangelho, Jesus envia os discípulos a proclamarem a chegada do Reino, ressaltando a simplicidade e a confiança na providência que vem de Deus, puro amor.
E assim começamos a nos questionar sobre a forma como vivemos a nossa missão neste mundo tão fragmentado. As leituras de hoje apontam justamente para um caminho de serviço, simplicidade e reconciliação, com a paz como a grande marca e identidade dos seguidores de Jesus.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (Is 66,10-14c)
Esse trecho de Isaías está situado no contexto pós-exílio, quando Jerusalém começa a ser reconstruída. O profeta utiliza imagens maternas para retratar o cuidado divino. A paz é comparada a um rio abundante, trazendo conforto e prosperidade ao povo.
Nesse sentido, a arqueologia revela que a restauração de Jerusalém foi marcada por dificuldades econômicas e sociais, mas, por outro lado, também por uma forte esperança coletiva. O profeta convida os exilados a redescobrirem sua identidade no cuidado amoroso de Deus. Aqui, a paz não é apenas a ausência de conflito, mas a plenitude de vida e justiça.
2. II leitura (Gl 6,14-18)
Na segunda leitura, Paulo recorda que a cruz é o centro da nova criação. O apóstolo desvaloriza os rituais externos e não compactua com eles, como é o caso da circuncisão, manifestando-se em favor de uma transformação interior, atitudinal, que nos torna parte do “Israel de Deus”.
A exegese moderna reconhece que o termo “marcas de Jesus” pode referir-se tanto a sofrimentos físicos de Paulo quanto à sua identificação profunda com a cruz de Cristo. A cruz não é apenas sofrimento, mas a ruptura com valores opressivos e o nascimento de uma nova humanidade, reconciliada e livre.
3. Evangelho (Lc 10,1-12.17-20)
Nesse trecho de Lucas, Jesus envia os 72 discípulos em missão, reforçando a urgência do Reino de Deus. A instrução sobre viajar sem provisões aponta para a total dependência de Deus. Mas não é uma dependência baseada em uma espécie de providência cega e mágica, e sim alicerçada por um projeto real, do qual as estruturas de poder e exclusão não fazem parte.
Nessa perspectiva, a paz, proclamada pelos discípulos, é o sinal de que o Reino está próximo, e não é qualquer reino, é aquele que propugna por um universo humano e menos arbitrário para todos.
O número 72 pode ser uma quantidade simbólica e também pode aludir às nações da Terra mencionadas em Gênesis 10, sugerindo uma missão universal. É interessante notar que a arqueologia confirma a existência de comunidades judaico-cristãs itinerantes que viviam com simplicidade, confiando na hospitalidade alheia, como descrito nesse envio.
Os discípulos retornam alegres pelo sucesso na missão, mas Jesus os lembra de que a verdadeira alegria está na certeza de que pertencem a Deus, e esse pertencer é um programa de vida pautado na vida em comunidade e que não compactua com nenhuma forma de opressão.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
Deus é fonte de paz e consolação. A imagem de Deus como mãe que consola aponta para um amor incondicional e restaurador. Como podemos acolher essa paz em nossas vidas e oferecê-la a um mundo marcado por divisões?
A nova Criação em Cristo. A “Criação nova” em Gálatas nos desafia a repensar nossa fé como transformação interior e exterior. Quais práticas religiosas estão realmente nos aproximando do Reino de Deus e quais se tornaram apenas rituais vazios?
Missão como serviço e confiança. A simplicidade do envio dos discípulos no Evangelho nos chama a depender de Deus em nossa missão. Estamos dispostos a levar a mensagem do Reino com humildade, confiando na Providência divina?
Paz como sinal do Reino. A paz proclamada pelos discípulos não é passiva, mas ativa, reconciliando comunidades e promovendo a justiça. Como cristãos, como podemos ser promotores dessa paz, especialmente em contextos de conflito e injustiça?
IV. CONCLUSÃO
As leituras de hoje nos convidam a ser portadores de um mundo pacífico que não tolera as injustiças e todas as consequências do ódio tão presente em nossa sociedade atual. Somos testemunhas da nova criação inaugurada por Jesus.
Que possamos, como os discípulos enviados por Jesus, proclamar o Reino com simplicidade, coragem e confiança, sempre pautada no respeito às diferentes culturas espalhadas pelo mundo.
Inspirados pelo consolo maternal de Deus e pela força da cruz como Projeto, somos chamados a transformar o mundo, sendo sinais de esperança e reconciliação. Que nossas vidas sejam a própria paz e alegria de pertencermos ao Reino de Deus, contribuindo para um mundo mais justo e pleno.
Gisele Canário*
*é mestra em Teologia (Exegese Bíblica Antigo Testamento) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Possui graduação em Teologia pela Instituição São Paulo de Estudos Superiores e licenciatura em Geografia pela Universidade Cruzeiro do Sul. É assessora no Centro Bíblico Verbo onde atua com a orientação de comunidades eclesiais e cursos bíblicos, para estudos bíblicos, gravação de vídeos, formação em material para leitura online desde 2011.