Roteiros homiléticos

21º DOMINGO DO TEMPO COMUM – 27 de agosto

Por Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj

“Altíssimo é o Senhor, mas olha os pobres” (Sl 137,6)

  1. Introdução geral

Nas leituras de hoje está em foco a identidade de Jesus e de seu Pai. Como nos relacionamos com Deus? O que sabemos sobre ele? É um Deus castigador, preocupado em favorecer alguns em prejuízo de outros? Quem é Jesus? É alguém que barganha comigo, que quer o meu dinheiro em troca de milagres? É alguém que atende aos meus pedidos porque estou engajado na Igreja e que deixa pessoas de outras religiões morrerem por causa da fome, da guerra e da violência?

Hoje, mais do que antes, devemos fazer perguntar quem é Jesus. E a resposta a essa pergunta não pode ser dada a partir de fórmulas decoradas. A resposta sobre a identidade de Jesus, e do Deus Uno e Trino, tem de ser uma resposta prática, não teórica. A minha vida deve dizer quem é Cristo para mim. Somente a vivência da fé, desde o mais íntimo do coração, até se traduzir em doação e serviço ao próximo, pode mostrar o que significa, para mim, Jesus como manifestação de Deus. Somente quando nos identificarmos com Jesus, termos para com o Pai a mesma atitude que ele teve e nos deixarmos conduzir pelo Espírito Santo é que poderemos compreender quem é Jesus.

      II - Comentário dos textos bíblicos
  1. Evangelho (Mt 16,13-20): eu te darei as chaves do Reino

O trecho do evangelho nos diz que Jesus se retirou com os discípulos para um território pagão. Com essa atitude, ele quer demonstrar a missão de Jesus estendida a todos os povos. É necessário que os discípulos saibam com clareza quem é Jesus e qual missão ele veio realizar, porque os discípulos serão os continuadores de Jesus.

A pergunta “quem dizem que eu sou?” trouxe uma diversidade de respostas da opinião popular que foram ouvidas pelos discípulos ao longo do ministério público de Jesus. As pessoas demonstram respeito e gratidão para com a pessoa de Jesus, mas compreendem a identidade dele a partir do Antigo Testamento, como um grande profeta, e não se dão conta da novidade que ele veio trazer.

Os discípulos, representados por Pedro, dão um passo além na interpretação da vida de Jesus. Ele é o Messias ou o Cristo, mas os discípulos têm ainda uma concepção nacionalista e triunfante sobre o Messias. À primeira vista, Pedro respondeu de maneira acertada à pergunta de Jesus, mas, assim como o povo, não percebe nenhuma novidade a respeito da forma como Jesus vive a messianidade. A resposta que Pedro deu é a resposta dos discípulos, que disseram o mesmo ao ver Jesus andar sobre as águas (Mt 14,33).

No entanto, mesmo que Jesus ainda tenha de corrigir a resposta de Pedro e dos discípulos, essa profissão de fé na messianidade de Jesus não é mérito de Pedro, mas um dom de Deus. E é o bastante para que Pedro seja investido de autoridade perante os demais apóstolos, autoridade que é serviço.

Aqui encontramos pela primeira vez nos evangelhos o termo “Igreja” para designar a comunidade cristã, porque a Igreja é alicerçada na pedra que é a confissão de fé feita por Pedro e pelos discípulos. Aqui surge a Igreja como comunidade que professa a fé em Jesus, o Cristo, o Filho de Deus.

Por isso Pedro recebe as chaves, quer dizer, recebe o serviço de agir como um pai que em tudo procura o bem dos filhos, um pai que age à maneira do Pai de Jesus. Dessa forma, sobre a base firme e irremovível da confissão de fé, sobre a qual se edifica a Igreja, Pedro recebe o encargo de cuidar da casa e fazer com que todos os povos sejam acolhidos nessa família espiritual de Jesus.

  1. I leitura (Is 22,19-23): a chave da casa de Davi

A primeira leitura refere-se a um episódio da vida do palácio real no Reino de Judá. Um alto funcionário detentor “das chaves do palácio”, quer dizer, que tem encargo de administração, é substituído nas suas funções. Esse episódio mostra a função do mordomo do palácio: em seu poder estão as chaves do palácio real; ele decide a quem ajudar com os bens do soberano e define quem é atendido em audiência pelo rei. Mas aquele que possui “as chaves” do palácio foi demitido de suas funções, despojado das insígnias de sua autoridade (a túnica e a chave do palácio). Foi destituído de suas funções porque esqueceu que autoridade é serviço, que estava nessa função para que todos pudessem ficar bem, ter a partilha, os bens que supririam necessidades básicas e o acesso à justiça.

Essa leitura nos ajuda a entender a passagem do evangelho na qual Jesus dá a Pedro as chaves do reino de Deus.

  1. II leitura (Rm 11,33-36): “Tudo é dele, por ele e para ele” (Rm 11,36)

Na segunda leitura, Paulo nos encanta com um belo hino de louvor, no qual o Apóstolo adora a Deus, reconhecendo quão misterioso é o projeto divino da salvação. Após refletir sobre o projeto salvífico, Paulo chega à conclusão de que os desígnios misteriosos de Deus ultrapassam a capacidade humana de compreensão. Deus é desconcertante, a lógica divina é completamente diferente da lógica humana. Nesse sentido é que o verdadeiro cristão é aquele que, mesmo sem entender o alcance do projeto de Deus, se abandona confiantemente em suas mãos.

Mas esse abandono confiante somente é possível quando conhecemos, por experiência de vida, que Deus é um Pai amoroso, quando não nos fechamos no orgulho e na autossuficiência e acolhemos, com gratidão, os seus dons. Sem termos experimentado um pouco que seja da identidade de Deus, não teremos coragem de nos abandonarmos em suas mãos para ter a vida e a morte que ele quiser para nós.

III. Pistas para reflexão

Ser cristão significa responder à pergunta de Jesus quanto à identidade dele. Uma resposta que não seja dada de maneira teórica, pois é insuficiente, mas uma resposta com atitudes de vida que ele exige de mim hoje.

A resposta correta acerca de “quem é Jesus” somente será possível quando eu descobrir em Jesus a presença de um Deus misericordioso e quando eu fizer com que as demais pessoas descubram, em meu modo de viver o cristianismo, a identidade de Jesus. Essa é a tarefa primordial do cristão.

A comunidade celebrante deve ser exortada a tomar cuidado com as noções de Deus que são apresentadas às pessoas – isso pode afastá-las mais que aproximá-las de Deus. Nossa grande tentação é fazer Deus parecido conosco, ranzinza como nós somos, justiceiro e vingativo como gostamos de ser. Deus não se encaixa em teorias ou padrões humanos, não age conforme nossa lógica. Ele é o Altíssimo que se abaixa até o pobre e o tira do monturo (Sl 113,7).

O cristão não é aquele que “sabe” tudo sobre Deus, mas aquele que sabe que jamais será desamparado por Deus e se entrega confiantemente nas mãos dele.

Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj

Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj, é graduada em Filosofia e em Teologia. Cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, FAJE (MG). Atualmente, leciona na pós-graduação em Teologia na Universidade Católica de Pernambuco, UNICAP. É autora do livro Eis que faço novas todas as coisas – teologia apocalíptica (Paulinas). E-mail: [email protected]