Roteiros homiléticos

27º DOMINGO DO TEMPO COMUM – 8 de outubro

Por Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj

Trabalhar na vinha do Senhor

  1. Introdução geral

O tema da vinha é predominante na liturgia de hoje. Trata-se de parábola comum ao Antigo e ao Novo Testamento, da qual primeiro os profetas e, depois, Jesus se serviram para falar do amor de Deus e da ingratidão do ser humano. Na primeira leitura, Isaías descreve a história de Israel como a história da vinha que o Senhor plantou e à qual deu condições para que produzisse bons frutos. O evangelho resume a metáfora de Isaías e a desenvolve, falando de outros imensos benefícios realizados por Deus, primeiramente o envio dos profetas e, enfim, o envio do Filho como prova suprema de amor. A segunda leitura pode ser tomada como um convite à gratidão para com Deus e como compromisso de nossa parte para darmos abundantes frutos de boas obras.

      II - Comentário aos textos bíblicos
  1. Evangelho (Mt 21,33-43): Entregarão os frutos no tempo certo

Numa releitura do texto de Isaías, o evangelho de hoje vem acentuar a importância dos líderes religiosos no exercício de sua missão na comunidade: cuidar da vinha.

O cultivo da vinha exige muita dedicação, porque ela representa frequentemente os escolhidos de Deus, muito valiosos para ele. O dono da vinha esteve distante até o tempo em que ela deveria dar frutos e a confiou a “empregados”. Jesus está dizendo a seus interlocutores que eles são apenas servos de Deus, que a função deles é entregar os frutos ao verdadeiro dono, mas quiseram fazer as coisas do seu próprio jeito.

Os servos quiseram a parte que pertencia a Deus. Mas somente o Senhor tem a última palavra na condução do povo. E somente a Deus pertence o louvor, não aos líderes religiosos. Então a liderança religiosa já não estará com aquele grupo; ela caberá a quem fizer a vinha produzir frutos para Deus.

Essa realidade criticada pelo evangelho está presente na Igreja em todos os tempos, porque o ser humano é sempre tentado a usurpar o lugar de Deus. Para aprendermos a assumir nosso papel na liderança da comunidade, basta olhar para Jesus, que não se apegou a seu ser igual a Deus, mas assumiu a condição de servo (cf. Fl 2,6-7). E ele é o herdeiro da vinha. Por isso, Jesus é o caminho a ser seguido, não somente pelos líderes religiosos, mas também por todos os que queiram realizar, na sua vida, a vocação humana e cristã: ser para Deus. Se realizarmos essa vocação, certamente a vinha do Senhor dará muitos frutos no seu tempo.

  1. I leitura (Is 5,1-7): Esperava que produzisse uvas boas

O poeta canta em versos a história de amor entre seu amigo e a vinha. Primeiro destaca o cuidado que seu amigo teve para com ela: preparou a terra, plantou mudas selecionadas; deu-lhe proteção permanente com vigias, construindo uma torre; evitou que as uvas estragassem, fazendo um tanque de amassar uvas. Esses cuidados fizeram dela uma “vinha preciosa” (Jr 2,21). Contudo, a vinha não correspondeu às expectativas de seu proprietário. Para Isaías, a vinha é Israel, e Judá, a totalidade do povo de Deus. Que expectativas não foram correspondidas? O exercício da justiça e do direito.

O poeta afirma que seu amigo, o proprietário da vinha, identificado com o Senhor dos exércitos, convoca os moradores de Jerusalém para julgar a vinha. O proprietário faz duas perguntas: a primeira sobre as próprias atividades; a segunda sobre a produção da vinha. No final, o proprietário dá uma sentença, anunciando o que fará. E suas atividades para com a vinha serão o oposto dos cuidados iniciais. O ápice é o v. 7, no qual há o contraste entre as expectativas de Deus e a resposta negativa do povo.

A vinha não produz os frutos esperados, o povo não realiza obras que agradam a Deus, especificamente a justiça e o direito. Essas palavras da primeira leitura são bem atuais; hoje elas se dirigem a nós, que somos povo de Deus em Jesus Cristo.

  1. II leitura (Fl 4,6-9): Ocupai-vos com tudo o que é bom

O texto da segunda leitura traça um itinerário para que o cristão possa ter uma práxis que seja fruto de seu relacionamento com Deus.

Primeiro diz: “Não vos preocupeis com coisa alguma”. Isso não significa ser irresponsáveis nas tarefas, nas atribuições, nas profissões, nos relacionamentos familiares etc., e sim que as preocupações com o cotidiano não devem tomar demasiado espaço em nossa vida. Quanto mais se confia em Deus, tanto mais os pensamentos ficam livres de aflições e ansiedades (cf. Mt 6,25 e 1Tm 5,8).

Se alguma situação se torna muito difícil para nós, devemos nos reportar a Deus com orações e súplicas. A palavra “súplica”, no idioma em que o texto foi escrito, denota algo de que necessitamos muito, alguma coisa vital para nós. Mas as orações e súplicas devem estar unidas à ação de graças, porque devemos agradecer a Deus antes mesmo de receber a resposta para os nossos pedidos. Talvez Deus não realize exatamente o que esperamos, mas sabemos que ele sempre responde às nossas orações, e por isso devemos agradecer imediatamente.

Em seguida, após depositarmos nossas dificuldades nas mãos de Deus, já não estaremos tão estressados como antes e poderemos saborear “a paz que supera todo entendimento” (v. 7). Sentimos paz não porque a situação foi resolvida, mas porque ela já não nos sufoca – afinal, somos a vinha bem cuidada de Deus.

E como nossa mente já não está sobrecarregada com preocupações e ansiedades, podemos nos ocupar com o que é essencial (v. 8): levar uma vida exemplar no mundo (dar testemunho), sendo verdadeiros, sabendo respeitar a dignidade do outro, sendo amáveis, sendo puros, enfim, praticando as virtudes.

Paulo termina dizendo que os filipenses aprenderam esse comportamento observando o modo pelo qual ele se comportava. Quem dera as pessoas pudessem também aprender essas coisas pelo testemunho dos cristãos. Então o mundo inteiro seria uma vinha que produz frutos agradáveis para Deus.

      III. Pistas para reflexão

Também para os membros da Igreja valem as palavras de Isaías e de Jesus; por isso a homilia deve evitar estabelecer contraposição entre Israel e Igreja, para não deixar os cristãos numa posição muito confortável. Se a vinha, que é a vida de cada fiel na Igreja, não der frutos, Jesus dirá hoje as mesmas palavras que dirigiu aos líderes religiosos da sua época.

Este mês missionário nos recorda que todo batizado deve ser “vinha do Senhor”, dar frutos e evitar o comodismo que freia a missão. Esta não deve ser entendida como atividade individual e fruto de recursos e capacidades humanas, mas sempre como colaboração com a obra missionária de Cristo, pois ele é origem e fonte de toda atividade missionária na Igreja.

Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj


Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj, é graduada em Filosofia e em Teologia. Cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, FAJE (MG). Atualmente, leciona na pós-graduação em Teologia na Universidade Católica de Pernambuco, UNICAP. É autora do livro Eis que faço novas todas as coisas – teologia apocalíptica (Paulinas). E-mail: [email protected]