Roteiros homiléticos

Publicado em julho-agosto de 2025 - ano 66 - número 364 - pp. 44-46

13 de julho – 15° DOMINGO DO TEMPO COMUM

Por Gisele Canário*

O projeto: amar a Deus e ao próximo como fonte de vida e justiça

I. INTRODUÇÃO GERAL

As leituras de hoje nos desafiam a adentrar na profundidade do amor a Deus e ao próximo como base do projeto de Deus para a humanidade. Este projeto não está distante ou inalcançável; pelo contrário, como nos mostra o Deuteronômio, a Palavra está próxima, gravada em nossos corações e pronta para ser vivida. Em Colossenses, Paulo nos apresenta Cristo como o centro de todas as coisas, reconciliando-nos com Deus e com o mundo. Por fim, o Evangelho nos oferece a parábola do bom samaritano, que rompe barreiras culturais e religiosas para revelar que a misericórdia é o verdadeiro caminho da vida eterna.

As leituras deste domingo nos convidam a refletir sobre nossa própria disposição de viver o amor de maneira concreta, especialmente em um mundo repleto de indiferenças, violência e exclusões. Que a paz e a justiça anunciadas no projeto do Deus da vida sejam o alicerce de nossa existência e a identidade de nossa missão cristã.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (Dt 30,10-14)

O texto situa-se no discurso final de Moisés, antes da entrada do povo na Terra Prometida. Moisés ressalta que o mandamento de Deus não é difícil ou distante; é acessível e está inscrito no coração humano. A ética dessa mensagem aponta para a conversão como um movimento interno e voluntário.

A arqueologia nos oferece uma compreensão mais ampla do contexto: no Antigo Oriente Próximo, as leis eram vistas como imposições divinas que precisavam ser obedecidas rigidamente. Aqui, entretanto, há uma abordagem diferente: a Palavra de Deus não está em templos distantes ou nos céus inalcançáveis, mas é próxima, viva e transformadora.

O texto também possui uma dimensão linguística rica: o termo hebraico para “coração” (lev) não se refere apenas às emoções, mas também à inteligência e à vontade, mostrando que o amor a Deus exige uma entrega completa e racional.

2. II leitura (Cl 1,15-20)

Neste hino cristológico, Paulo apresenta Cristo como a imagem do Deus invisível e o centro da criação. Ele é o princípio e o fim de todas as coisas, reconciliando o céu e a terra por meio de seu sacrifício.

A exegese destaca a expressão “primogênito de toda a criação” como um título que denota a prioridade temporal, mas que também enfatiza a supremacia de Cristo sobre tudo o que existe. A palavra grega eikōn é carregada de significado: em um mundo greco-romano onde imagens de deuses eram comuns, afirmar que Cristo é a “imagem do Deus invisível” é uma declaração ousada sobre sua divindade.

É interessante notar como as comunidades cristãs primitivas desenvolveram a ideia de Cristo como reconciliador em um contexto de divisões sociais e políticas. Para Paulo, a paz que vem da cruz não é meramente espiritual; é uma nova ordem que desafia poderes e dominações injustas.

3. Evangelho (Lc 10,25-37)

A parábola do bom samaritano é uma resposta à pergunta do mestre da Lei: “Quem é o meu próximo?”. Jesus, em vez de dar uma definição direta, oferece uma história que desestabiliza expectativas sociais e religiosas profundamente arraigadas.

O caminho de Jerusalém a Jericó, arqueologicamente documentado, era conhecido por ser perigoso, frequentemente associado a assaltos devido à sua geografia montanhosa e isolada. Esse cenário reflete os riscos da vida cotidiana e a necessidade de solidariedade em meio a um contexto hostil.

Os personagens apresentados revelam as tensões sociais da época: o sacerdote e o levita, figuras religiosas que deveriam simbolizar o cuidado e a justiça, optam por ignorar o ferido. Por outro lado, o samaritano, membro de um grupo marginalizado e hostilizado pelos judeus, é quem age com compaixão e misericórdia.

A exegese do texto sugere que o verbo grego splagchnízomai, traduzido como “compaixão”, implica um sentimento; uma emoção visceral que leva à ação concreta. Nessa narrativa, a verdadeira proximidade não está definida por categorias étnicas, culturais ou religiosas, mas pela capacidade de amar ativamente, rompendo barreiras de preconceito e exclusão.

É relevante notar que a arqueologia e os estudos culturais apontam para a existência de relações tensas entre judeus e samaritanos. Essa tensão dá à história um impacto ainda maior, pois destaca a radicalidade da mensagem de Jesus: o próximo é aquele que age com amor, independentemente de quem seja o destinatário de sua ação.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

A Palavra é viva e transformadora. O Deuteronômio nos lembra que a Palavra de Deus está ao nosso alcance, pronta para ser vivida. Em um mundo onde tantas vozes geram divisão e incerteza, como podemos tornar essa Palavra presente em nossas escolhas diárias e ser luz nas trevas?

Cristo como centro e reconciliação. Cristo reconcilia todas as coisas. Em tempos de guerra, desastres ambientais e polarizações, como nós, indivíduos e comunidade, podemos ser agentes dessa reconciliação, promovendo a paz e a solidariedade?

Compaixão como caminho para a vida eterna. A parábola do bom samaritano nos ajuda a expandir nossa compreensão de “próximo”. Estamos dispostos a romper barreiras, acolher os marginalizados e amar como Deus ama, mesmo diante de tantas desigualdades e conflitos no mundo?

IV. CONCLUSÃO

As leituras de hoje nos chamam a viver o projeto de Deus amor com profundidade e entrega. A Palavra de Deus não é um ideal distante; é uma possibilidade à ação concreta, à compaixão e à reconciliação.

Que possamos, inspirados pela lei inscrita em nossos corações, por Jesus reconciliador e pela compaixão de quem acolhe o samaritano, ser sinais vivos do Reino de Deus. Que sejamos resposta ao sofrimento do mundo atual, construindo pontes em vez de muros, promovendo a paz em tempos de guerra e acolhendo os que sofrem. Assim, testemunharemos que o amor a Deus e ao próximo é o caminho para um mundo mais justo, humano e pleno de esperança.

Gisele Canário*

*é mestra em Teologia (Exegese Bíblica Antigo Testamento) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Possui graduação em Teologia pela Instituição São Paulo de Estudos Superiores e licenciatura em Geografia pela Universidade Cruzeiro do Sul. É assessora no Centro Bíblico Verbo onde atua com a orientação de comunidades eclesiais e cursos bíblicos, para estudos bíblicos, gravação de vídeos, formação em material para leitura online desde 2011.