Roteiros homiléticos

4º Domingo da Páscoa – 22 de abril

Por Luiz Alexandre Solano Rossi

I. Introdução geral – O Bom Pastor, imagem da ressurreição

O quarto domingo da Páscoa é tradicionalmente dedicado à figura do Bom Pastor. Essa imagem é bastante fecunda, pois o pastor conduz as suas ovelhas para as verdes pastagens, para que sejam nutridas e se mantenham vivas. Ele as conduz, protege e nutre para que atinjam a estatura do Pastor, apesar de serem fracas (cf. oração do dia). A imagem do Bom Pastor é profundamente pascal, pois Jesus ressuscitado, doando sua vida, conduz a humanidade para a vitória sobre a morte.

II. Comentário dos textos bíblicos – De Pai para Filho, do Filho para os irmãos

O Bom Pastor dá a vida pelas suas ovelhas, realiza a vontade do Pai. Essa dádiva de amor se prolonga na vida da Igreja, que experimenta e vive do mesmo amor (segunda leitura), mas também testemunha e distribui o amor que recebe (primeira leitura). Marcados pelo conhecimento do Pastor que revela o grande amor de Deus, somos movidos a exercitar nosso conhecimento de Cristo e do Pai por meio da obediência e da fidelidade ao seu mandamento.

  1. I leitura: At 4,8-12 – A pedra rejeitada que se tornou angular

Pedro responde às acusações de ter curado um enfermo em nome de Jesus. A acusação revela a frivolidade dos acusadores, pois não lhes importa a cura ou o bem-estar do enfermo, mas o fato de ter-se usado o nome de Jesus, que eles crucificaram. Isto equivale a dizer que Jesus está vivo, pois em nome de um morto não seriam realizados esses sinais pelas mãos dos apóstolos. A cura denuncia a inoperância da maldade humana: não adiantou matar Jesus, pois os seus discípulos carregam o seu nome e, tal como o Mestre, realizam curas. Neste sentido, a cura representa algo mais ameaçador para os chefes do povo e anciãos. Jesus, que eles mataram, continua agindo por meio de seus discípulos. Sua morte e ressurreição disseminaram a sua atividade entre os seus seguidores, que passam a agir como ele e em seu nome.

Pedro não recua diante de seus acusadores, pois está investido da força do Espírito Santo. Ele diz com clareza em nome de quem o enfermo foi curado: daquele que os judeus crucificaram, mas foi ressuscitado por Deus, Jesus Cristo. Essa coragem traz ainda outra mensagem subliminar: Deus não compactuou com a maldade dos judeus que mataram Jesus, pedra rejeitada pelos construtores; outrossim, fez de Jesus a pedra angular. É uma referência explícita ao Salmo 117(118),22, cantado neste domingo (salmo responsorial). Isto é, Jesus passa a ser, no plano salvífico, o fundamento estabelecido por Deus ao qual todos vão se integrando para nele encontrar salvação. Baseado nessa referência, Pedro declara a primazia de Jesus como salvador (v. 12).

  1. Evangelho: Jo 10,11-18 – Um verdadeiro Pastor

O discurso do Bom Pastor pertence ao décimo capítulo do Evangelho de João. Trata-se de discurso realizado junto ao pórtico de Salomão (cf. Jo 10,23), por onde adentravam os peregrinos que subiam ao Templo de Jerusalém. O pórtico, como porta de entrada do Templo, dava acesso aos lugares sagrados. O referido discurso, assim situado, permite perceber a alusão aos líderes religiosos daquele tempo. Eles são os mercenários, os que abandonam as ovelhas sob a ameaça de seus predadores. Jesus, ao contrário, apresenta-se como o Bom Pastor. O adjetivo “bom” é tradução possível para o grego kálos. Contudo, a palavra traz conotações morais. Alguns estudiosos argumentam ser preferível aludir a outra possibilidade de tradução da mesma palavra, que resultaria em “belo”. Contudo, o conceito de belo em português pode ainda resultar em alguma confusão de gosto estético. Não se trata disso. O belo aqui está associado a verdadeiro, autêntico, no sentido daquilo que se opõe aos falsos pastores e mercenários que Jesus menciona.

E por que Jesus é o verdadeiro Pastor? As afirmações que levam a entender a autenticidade desse Pastor que ele é são muitas: ele dá a vida pelas suas ovelhas (v. 11.15b); ele conhece as suas ovelhas e elas lhe pertencem e o conhecem (v. 14); seu rebanho ultrapassa as ovelhas do redil (v. 16a) e ele reunirá todas as ovelhas, dispersadas pelas ações dos lobos e pela omissão dos mercenários (v. 16b.12). À diferença dos mercenários, que se preocupam só consigo e não protegem as ovelhas, pois não são seus donos, o Bom Pastor se preocupa com as ovelhas e dedica a elas sua vida. O contraste é grande e vincula o discurso de Jesus à sua morte e ressurreição, quando realmente ele, como Bom Pastor, entra em conflito com os mercenários e os lobos.

No evangelho, o verbo conhecer aparece quatro vezes, sem contar a aclamação ao evangelho, na qual ocorre duas vezes. O conhecimento de que fala João não tem que ver com um esforço mental, de tipo racional. É algo bem superior a isso. Trata-se de conhecimento pessoal, íntimo, que supõe a relação de escuta da Palavra (cf. Jo 10,3-5). É conhecimento calcado no amor e na relação que o próprio Jesus tem com o Pai (v. 15). Esse conhecimento está fundado na fidelidade: Jesus obedece ao Pai porque está atento à ordem que dele recebeu: dar a vida por suas ovelhas (v. 18). É esta a conclusão da alegoria apresentada por Jesus: o Bom Pastor tem autonomia para fazer a vontade do Pai, dando a vida voluntariamente (na sua morte) para poder retomá-la (ressurreição). E essa conclusão elucida o vínculo entre a figura do Bom Pastor e o tempo pascal.

  1. II leitura: 1Jo 3,1-2 – Conhecer a Deus em Jesus, o Filho

A primeira carta de João tem como pano de fundo a negativa influência gnóstica que valoriza em demasia o esforço pessoal e o mérito, solapando a experiência de ser comunidade. O primeiro fundamento da vida cristã está na própria relação filial de Jesus com o Pai. Em Jesus, o discípulo experimenta essa mesma relação com Deus, pois a ele se assemelha (v. 2). Por isso, o apóstolo fala de “um grande presente de amor” (v. 1). Trata-se do mesmo amor que o Pai dedica a seu Filho, Jesus.

No evangelho, o conhecimento de Deus tem que ver com a escuta da Palavra de Jesus, o Bom Pastor. Aparentados de Jesus, os discípulos são diferentes daqueles que não conhecem o Pai, isto é, daqueles que se colocam de fora da relação filial que é própria de Jesus. Preferem a autonomia em relação a Deus e, nessa postura arrogante, não chegam ao verdadeiro conhecimento que é dado aos cristãos por Jesus.

III. Dicas para reflexão

A comunidade de fé prolonga as ações de Jesus. Agindo em nome de Cristo, ela leva a salvação a todos aqueles que encontram em Jesus fundamento para a vida. Prolongar a atividade de Jesus comporta riscos. Assim como ele, os discípulos poderão sofrer perseguições e questionamentos. Contudo, contam com a assistência do Espírito Santo.

O Bom Pastor, Jesus, ao contrário de outros, não se autopreserva, mas doa a vida livremente. Ele conhece as suas ovelhas ao modo do seu conhecimento de Deus, fundamentado na obediência e na fidelidade. A comunidade que vive não para si mesma, mas para os que necessitam, se assemelha a Jesus, o Bom Pastor, que dá a vida pelas ovelhas.

O conhecimento de Deus tem que ver com a obediência à Palavra e com a sua escuta. Só isso poderá nos inserir naquilo que é próprio da relação filial de Jesus. Mas não se trata de mérito ou conquista pessoal. Antes, é uma experiência do amor de Deus que se revelou em Jesus.

O amor do Bom Pastor experimentado pelos discípulos se comprova quando expandimos esse mesmo amor. Amar como Jesus – isto é, superar as situações de morte, injustiça e exclusão – equivale a agir em seu nome e testemunhar que ele se tornou fundamento de nossa vida.

Luiz Alexandre Solano Rossi

Doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (Umesp) e pós-doutor em História Antiga pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e em Teologia pelo Fuller Theological Seminary (Califórnia, EUA). É professor no programa de Mestrado e Doutorado em Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Publicou diversos livros, a maioria pela PAULUS, entre os quais: A falsa religião e a amizade enganadora: o livro de Jó; Como ler o livro de Jeremias; Como ler o livro de Abdias; Como ler o livro de Joel; Como ler o livro de Zacarias; Como ler o livro das Lamentações; A arte de viver e ser feliz; Deus se revela em gestos de solidariedade; A origem do sofrimento do pobre. E-mail: [email protected]