Roteiros homiléticos

5 de julho – 14º DOMINGO DO TEMPO COMUM

Por Aíla Luzia Pinheiro Andrade, nj

Enviados por Deus e rejeitados pelos seus

I. Introdução geral

O tema da liturgia de hoje é a rejeição à palavra de Deus. No evangelho, os contemporâneos de Jesus não lhe dão crédito porque não conseguem ver nele nada mais que um carpinteiro. Mas isso não é fato pontual, já havia incredulidade no tempo dos profetas. A primeira leitura menciona a falta de fé dos contemporâneos de Ezequiel, porque têm um coração insensível. O profeta é orientado a insistir na proclamação da palavra de Deus mesmo que seus contemporâneos não queiram ouvi-la. Assim também agiu Paulo, que, em vez de desanimar com as dificuldades, continuou com o anúncio do evangelho e nos ensinou a dizer: “quando sou fraco, então é que sou forte”.

II. Comentário dos textos bíblicos

  1. Evangelho (Mc 6,1-6): O profeta é desprezado na própria terra

Passando novamente por sua própria terra, Jesus encontrou dificuldade para operar milagres por causa da falta de fé. Ele se dirigiu à sinagoga no dia de sábado, como todo judeu adulto, e tomou a palavra para ensinar. Não se tratava de qualquer instrução, pois o lugar e o dia faziam disso um ensino oficial e litúrgico.

O ensino de Jesus causa duas reações contrárias: admiração e recusa. Essa disposição para com Jesus marca todo o Evangelho de Marcos, tendo como principais protagonistas dessa recusa os líderes religiosos de seu próprio povo, Israel.

A admiração diante do ensinamento de Jesus estava relacionada com sua autoridade, que não vinha de sua profissão. Ele não tinha a profissão de rabino (mestre), mas de artesão da madeira. O fato de ser carpinteiro não era desonra, pois se tratava de profissão bem considerada. Essa afirmação apenas prova que os seus compatriotas o conheciam bem e se admiravam que fosse sábio e fizesse milagres, quando o normal seria apenas trabalhar com a madeira. O objetivo aqui é mostrar que a sabedoria e o poder de Jesus não vêm das pessoas, não são adquiridos como uma profissão, mas vêm de Deus.

Em seguida, a admiração inicial transformou-se em hostilidade, sinal da incredulidade ante as obras de Jesus. O episódio retrata que os galileus estavam marcados pelo preconceito: admiravam as obras de Jesus, mas não o acolheram. Essa falta de acolhimento o impossibilitou de fazer milagres em sua própria terra, uma vez que os milagres significavam o avanço do reino de Deus e o retrocesso do antirreino, e isso só era possível onde havia fé em Jesus como Messias/Cristo. O preconceito fechou os corações, e os galileus não perceberam a ação de Deus em Jesus. 

  1. I leitura (Ez 2,2-5): O profeta anuncia, quer escutem, quer não

O texto diz que o sopro de Deus entrou em Ezequiel: isso significa que agora ele é inspirado e movido pelo dom da profecia e o que vai anunciar é palavra de Deus. O Espírito põe o profeta de pé, em atitude de prontidão, para anunciar ao povo a profecia que vai receber.

Ezequiel é enviado aos filhos de Israel. Algo fora do comum acontece no v. 3: em vez de Israel ser chamado “povo de Deus”, como geralmente acontece na Bíblia, é chamado de “nação rebelde”, literalmente “gentio rebelde”. Na Bíblia, “gentio” está sempre em oposição a Israel, que é sempre referido como “o povo”. Isso significa que, quando Israel rejeita a palavra de Deus, se torna igual aos gentios.

A rebeldia dos contemporâneos de Ezequiel vinha de longa data, as gerações passadas se comportaram da mesma forma. As perspectivas da recepção da profecia por parte dos destinatários não são nada animadoras para Ezequiel, pois eles têm a face endurecida e o coração obstinado. Quer escutem, quer não, saberão que “houve um profeta entre eles”. Essa expressão significa que Deus é misericordioso e os advertiu e que eles já não têm desculpas para o erro. 

  1. II leitura (2Cor 12,7-10): Prefiro gloriar-me de minhas fraquezas

Paulo afirma que tem um “espinho na carne”; de maneira geral, essa expressão significa algo que provoca grande angústia. Uma alusão a Ez 28,24, quando se refere aos povos vizinhos (e inimigos) de Israel como espinhos e abrolhos. Com a expressão “espinho na carne”, o apóstolo pode estar se referindo, entre outras coisas, às angústias que tinha suportado com a oposição à sua pessoa e à sua autoridade por parte dos coríntios. A rebeldia da comunidade de Corinto contra Paulo foi tão dolorosa, que o compeliu a escrever uma “carta entre lágrimas”: “foi levado por grande aflição e angústias de coração que vos escrevi, em meio a muitas lágrimas” (2Cor 2,4).

A expressão “mensageiro de satanás” é equivalente a “espinho na carne” e significa que, mesmo sofrendo rejeição por parte dos coríntios, o apóstolo não desanimou da missão de exortá-los a viver conforme o evangelho. Paulo aceitou as angústias como uma motivação para exercer a humildade e vencer o orgulho. O apóstolo deixou que Deus se utilizasse da fraqueza humana para mostrar a grandeza do agir divino.

III. Pistas para reflexão

- A homilia deve levar a comunidade a refletir sobre as graves consequências da rejeição à palavra de Deus. Ainda hoje Deus nos fala por meio de pessoas humildes e modestas. Às vezes a palavra que nos é anunciada questiona nosso agir, e por isso é muito mais fácil rejeitá-la que sair do nosso estado de comodismo ou de pecado. Não raro nos tornamos um espinho na carne, não raro provocamos grandes angústias a quem somente deseja o bem da comunidade e a vivência mais autêntica da mensagem de Jesus.

Aíla Luzia Pinheiro Andrade, nj

Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje – BH), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica. Atualmente, leciona na Faculdade Católica de Fortaleza. É autora do livro Eis que faço novas todas as coisas – teologia apocalíptica (Paulinas). E-mail: [email protected]