Roteiros homiléticos

8 de janeiro – Epifania do Senhor

Por Pe. Ivonil Parraz

A manifestação de Deus

I. Introdução geral

Deus manifesta a todos os povos o seu plano de Amor. Jesus é a concretude do desígnio de salvação do Pai. Ninguém está excluído! Mas para entender esse misterioso plano, necessário se faz entender o modo como Deus se manifesta. Deus é Salvador, mas se manifesta na fragilidade de um recém-nascido! Deus é luz, mas se apresenta no meio de nós na escuridão de uma manjedoura! Só podemos nos incluir no projeto do Pai se aprendermos a amar. Somente assim a luz brilhará em nós. Nossas comunidades acenderão suas luzes de fraternidade e justiça quando acolherem a luz!

II. Comentário dos textos bíblicos

  1. Evangelho: Mt 2,1-12

Os magos do Oriente que vêm adorar o menino Jesus são pagãos. Conhecem as estrelas, mas não a Sagrada Escritura. Não sabem onde haveria de nascer o “Rei dos Judeus”. Seguem a estrela, ou seja, deixam-se guiar pelo mistério. Buscam sinceramente a verdade e não medem esforços para encontrá-la. Eles querem adorar um recém-nascido!

Estranho rei: anunciado pelas estrelas, ignorado pelos homens. Não é romano nem designado por Roma. Que rei é esse? Herodes, o rei dos judeus nomeado e enviado pelo império, é pego de surpresa! Mas não só: também a liderança religiosa entra em confusão! Ela, que tinha todo o controle dos desígnios de Deus, pois julgava conhecê-los profundamente, pois era a autoridade na interpretação da Sagrada Escritura, conhece o lugar do nascimento do Menino, mas desconhece que ele já se faz presente na humanidade. Não se interessa por ele, não vai adorá-lo. Ao contrário, os magos desconhecem o lugar do nascimento, mas sentem a presença de Deus, se interessam por ele e vão adorá-lo! O que fazer com esse rei intruso? Um recém-nascido ameaça os poderosos! A solução que Herodes conhece diante da ameaça é o extermínio.

Nessa narrativa de Mateus encontra-se em resumo tudo o que Jesus vai enfrentar ao longo de sua vida: fúria e perseguição do poder político; indiferença e rejeição do poder religioso. Quem acolherá Jesus? Todos aqueles que buscam sinceramente Deus! Pois se o buscam é porque já o possuem!

Os magos seguem a estrela. Em Jerusalém, ela deixa de brilhar. Talvez porque no centro do poder o que predomina são as trevas: perseguição, morte, corrupção, toda espécie de falcatruas. Tudo vale para não perder o poder! Mas podemos ver a estrela como símbolo da fé. Quando nos deixamos guiar pela   fé, encontramos Jesus, pois ela sempre nos conduz a ele. Quando passamos por Jerusalém (centro do poder), deixando a fé de lado, perdemos-nos em meio à escuridão! Fora de Jerusalém, a estrela volta a brilhar e enche de alegre esperança os magos. Eles encontram o menino. De joelhos, eles o adoram e a ele oferecem seus presentes: ouro, incenso e mirra.

A simbologia dos presentes apresenta-se particularmente interessante: o ouro representa a riqueza. Toda riqueza que existe deve ser posta a serviço da felicidade do ser humano. Ao oferecer ouro ao menino, os magos reconhecem, assim, a dignidade da pessoa humana. Tudo deve ser subordinado a ela, e jamais ela ser subordina à riqueza! O incenso indica que o ser humano não se limita à sua existência aqui e agora, ele ultrapassa esse mundo e desemboca no divino; ou seja, o ser humano é chamado a participar da própria vida divina. Assim, o humano é sobre-humano, ou, como afirmara Pascal: “O homem ultrapassa infinitamente o homem” (Pensamentos, 434). A mirra era usada para a cura, para aliviar as dores. Assim, o ser humano precisa de cuidado, de consolo para os seus sofrimentos. Violência e agressão opõem-se ao humano: são desumanos!

O mundo do poder parece-nos grandioso: nada pode destruí-lo. Alega ser necessário se impor sobre a nossa imaginação como o único a estabelecer a ordem e a justiça, e a defendê-la. Mas sua fraqueza é gritante: não suporta o inocente e o justo, “busca sempre o menino para matá-lo” (PAGOLA, O caminho aberto por Jesus, p. 25).

A estrela (fé) nos propõe outro caminho, para a periferia de Jerusalém (centro do poder), oposto ao caminho de Herodes! Deus nos convida a ver a força num recém-nascido e a fragilidade no soberano. Somente com essa visão se pode descobrir a presença de Deus na pessoa humana.

O recém-nascido é rei. Ele introduzirá no mundo o Amor: único poder que nem mesmo a morte poderá vencer! Sem violência, ele destrói todas as armas dos poderosos. Eis o Deus que se manifesta ao mundo! Eis a luz que afugenta todas as trevas! Deus se mostra às claras ao ser humano e mostra o ser humano às claras para si mesmo!

Por mais que o mundo esteja dilacerado pela violência, por mais que presenciemos a maldade, o amor existe e sempre tem a última palavra. Se o amor existe, Deus, portanto, existe, pois é Amor (1Jo 4,8). Ora, esse Deus se oferece a nós, manifesta-se a nós! Diante desse Deus Amor, só pode brotar do nosso ser mais profundo a verdadeira alegria, a adoração contemplativa, a admiração silenciosa! Já não há lugar para as trevas, tudo é luz!

“Avisados em sonhos”, os magos retornam por outro caminho (v. 12). “Caminho” na Sagrada Escritura é símbolo de opção de vida. Os magos, que retornam por outro caminho, optaram por Jesus, pobre e indefeso, portanto modelo do não poder. Ao optar por aquele destituído de todo poder, colocam-se contra todos aqueles que rejeitam o menino: Herodes que mata vida inocente; lideranças religiosas indiferentes aos fragilizados!

  1. I leitura: Is 60,1-6

O povo de Judá, de volta do exílio, trabalha para reconstruir a cidade e o templo. Isaías busca suscitar no povo repatriado a reconstrução não somente da cidade, mas também da sociedade. Que esta seja reconstruída segundo os liames da fraternidade e da justiça, seguindo os ensinamentos dos profetas antigos. Somente assim brilhará em Jerusalém uma nova glória!

“Levanta-te, Jerusalém, acenda as luzes, porque chegou a tua luz” (v. 1). As luzes que Jerusalém deve acender são exatamente a fraternidade e a justiça, porque o Senhor, a tua luz, está perto! Todos os teus filhos serão devolvidos! Serão atraídos pela luz! Pois somente Deus salva o seu povo eleito.

“Teus filhos vêm chegando de longe” (v.4). Os Magos que vêm do Oriente para adorar Jesus representam todos os povos dispersos que voltam em busca da luz! Eles realizam a profecia de Isaías.

  1. II leitura: Ef 3,2-3a.5-6

Nesse capítulo de sua carta aos cristãos de Éfeso, Paulo fala do projeto de salvação “secreto” e “revelado”, ou seja, de revelação e mistério. Pela graça, Deus revela a Paulo o seu misterioso plano. Paulo o concebe na seguinte perspectiva: a revelação parte de Deus. Esta se concretiza em Cristo Jesus. Seu prolongamento dá-se na Igreja (povo de Deus).

O mistério de Cristo (concretude do “misterioso plano de Deus”), na visão de Paulo, traduz-se como a salvação universal da humanidade e de todo o cosmo. Mistério que é a manifestação da realidade divina transmitida a todos!

Paulo concebe a Igreja como um corpo cuja cabeça é Cristo: todos “são membros do mesmo corpo” (v. 6). Com efeito, Cristo está no meio de nós, sua Igreja! Ele, ressuscitado e na glória do Pai, volta a nós não como um enviado poderoso, mas nas relações fraternas e na prática caritativa de um povo que vive a comunhão, ou seja, numa Igreja que é espaço de misericórdia! Nesta há lugar para todos. Pois, em Cristo, todos os povos, judeus e gentios, são associados “à mesma promessa”, “à mesma herança” (v. 6).

A Igreja – prolongamento do plano amoroso do Pai – manifesta o Cristo presente em nosso meio! Ela, portanto, é luz que brilha no meio da humanidade. Todos os povos a ela acorrem e tornam-se um único povo: o povo eleito do Pai! Sob o domínio de Cristo, cabeça da Igreja, obedecendo à sua Palavra e a praticando, o mundo é salvo.

III. Pistas para reflexão

Em nossa vida e na vida de nossas comunidades, manifestamos o Senhor ou as nossas “luzes” ofuscam a verdadeira luz? Elas são verdadeiramente prolongamento do plano salvífico do Pai ou mais se parecem com um clube de amigos no qual não há mais lugar para ninguém? Como podemos deixar que o Senhor se manifeste no meio de nós se nos comportamos como barreiras — com preconceitos, rivalidades, sendo os donos da verdade, os puros... — entre os irmãos e ele? A nossa fé guia-se pela luz ou às vezes nos deixamos seduzir pelas luzes do poder, do dinheiro, das ilusões de uma sociedade do espetáculo? Nosso encontro com o Deus Salvador faz-nos optar por outro caminho, como fez aos magos? Caminho que condena todos os sistemas que matam os inocentes e fazem dos pobres – aqueles que não têm como responder aos apelos do consumo – estranhos na sociedade que, por isso, devem ser excluídos? A manifestação do Senhor nos faz profetas? Caso contrário, será apenas mais uma luz, uma boa luz, a brilhar no grande palco montado pela “sociedade do espetáculo” para nos divertir, ou seja, alienar-nos da nossa transcendência e nos asfixiar nessa imanência!

Pe. Ivonil Parraz