Roteiros homiléticos

SAGRADA FAMÍLIA: JESUS, MARIA E JOSÉ – 31 de dezembro

Por Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj

      I- Introdução geral

A liturgia de hoje põe em relevo o fato de que o Filho se inseriu na humanidade, numa família, ele não é um mito. Ele fez o mesmo caminho de cada ser humano, pertenceu a um lar, a uma pátria e a uma cultura. Os percalços vividos pela família de Jesus não são muito diferentes dos que são experimentados por muitas pessoas ainda hoje. A família é a base dos valores; as atitudes de José e de Maria se tornam modelo de vida para os pais e mães hoje, animando-os a percorrer sua trajetória em atenção à vontade de Deus. Os demais textos são um desdobramento do quarto mandamento da Lei de Deus.

        II- Comentário aos textos bíblicos
  1. Evangelho (Lc 2,22-40): Jesus, Maria e José no templo de Jerusalém

A sagrada família chega ao templo de Jerusalém para os ritos de purificação da mãe e a apresentação do recém-nascido. Jesus é apresentado no templo porque ele é primogênito, e os ritos próprios da apresentação celebravam a libertação dos primogênitos dos hebreus no Egito e a passagem da escravidão para a liberdade (Ex 13,11ss). Coisas extraordinárias são ditas a respeito do menino pelo velho Simeão. Também uma viúva chamada Ana fala sobre o menino a toda a gente. José e Maria se admiram com essas palavras e gestos.

Temos aqui a sagrada família diante de Deus, no templo de Jerusalém, para concluir o tempo da promessa feita a Israel e iniciar o tempo da salvação e da divulgação da pessoa e da mensagem de Jesus. Esse relato nos faz pensar sobre o papel atual da família. Nem sequer estamos seguros para definir o que vem a ser a família hoje. A família passa por uma crise de identidade, e mesmo assim ela ainda é uma das poucas instituições pelas quais alguém ainda se disporia a morrer. Não mais pela pátria, não mais pela Igreja ou por qualquer instituição as pessoas arriscariam a própria vida, mas sim por seus familiares.

A crise na família é, em parte, derivada das modernas concessões que transferem para outrem as responsabilidades que são dos pais e dos filhos. Muitas crianças são órfãs de pais vivos, passam o dia nas praças e nos sinais de trânsito, quando seus pais deveriam cuidar para que estivessem na escola, com acesso a educação e aprendizado sobre cidadania. Outras são entregues aos avós, que, apesar da velhice e das enfermidades, têm de assumir a responsabilidade pelos netos. Da mesma forma, filhos abandonam os pais idosos em asilos e abrigos filantrópicos, pois não aprenderam o significado do mandamento de honrar pai e mãe.

A família estável, fundamentada no amor do casal, que acolhem os filhos como dons de Deus, é a única viável e possível. Somente o amor fiel e verdadeiro entre o casal pode acolher e educar filhos como verdadeiros seres humanos, na transmissão dos valores que nos foram legados por Cristo. Além disso, a verdadeira família não é fechada em si mesma, mas age em interação com outras famílias, formando comunidades que difundem a responsabilidade e o cuidado de uns para com os outros. Por meio da interação comunitária também se corrigem posturas retrógradas e egoístas, fazendo com que o bem progrida na sociedade humana.

Seria bom dizer sobre a família o mesmo que é dito sobre Jesus no texto do evangelho de hoje: “crescia e tornava-se forte, cheio de sabedoria e da graça de Deus”.

  1. I leitura (Eclo 3,3-7.14-17a): Quem ama o Senhor honra pai e mãe

A fidelidade para com o Deus da aliança exige o amor ao próximo. Isso implica numerosas exigências éticas. Entre elas, o livro do Eclesiástico dá referência ao amor que deve ser dispensado ao pai e à mãe.

O texto que foi proclamado hoje é um comentário ao mandamento de Ex 20,12. Não há desculpa alguma para o não cumprimento dessa norma. Na época em que o livro do Eclesiástico foi escrito, as motivações para seguir uma norma se baseavam num elenco de recompensas e de castigos decorrentes do cumprimento ou não do mandamento. Por isso, o texto adverte que Deus não atenderá às orações de quem não cuidar dos próprios pais. Da mesma forma, enumera as vantagens para aqueles que dão especial atenção ao pai e à mãe.

A recompensa para quem honrasse pai e mãe seria uma vida longa e próspera, porque naquela época as pessoas ainda não tinham clareza sobre a ressurreição dos mortos; portanto, a longevidade e a prosperidade eram o que de melhor poderia acontecer a uma pessoa.

Para o cristão, esse elenco de bênçãos e castigos não é necessário. Cristo nos deu o exemplo quando decidiu nascer numa família, e nós nos sentimos motivados pela ação do Espírito Santo a configurar nossa vida à vida de Cristo.

  1. II leitura (Cl 3,12-21): O amor é o vínculo da perfeição

O texto da segunda leitura faz uma descrição da vida na comunidade cristã dos primórdios.

O emprego dos termos “eleito, santo, amado”, que antigamente se referiam a Israel, sublinha o fato de que os cristãos estavam conscientes de formar uma nova comunidade como povo de Deus, e isso devia se refletir em suas mútuas relações.

Segue-se uma lista de virtudes que destacam a transformação interna necessária para adquirir um novo comportamento, uma vida nova configurada à de Cristo, com humildade, mansidão, paciência etc.

A expressão “uns aos outros”, repetida duas vezes (v. 13.16), sublinha que as responsabilidades são mútuas. A obediência ao Senhor será demonstrada através do modo como as responsabilidades comunitárias e familiares são assumidas por todos como testemunho para o mundo. O elenco das regras familiares acentua muito mais as responsabilidades que os direitos de cada um. Isso é um testemunho para nossa época, na qual as pessoas geralmente colocam a exigência dos direitos em primeiro lugar, seja no ambiente eclesial ou familiar.

 

III. Pistas para reflexão

O presidente da celebração deverá destacar alguns problemas da família na atualidade sem, contudo, cair no sermão moralista e ofensivo. Não se trata de mencionar assuntos polêmicos, mas de orientar as famílias nas luzes do Espírito Santo. Destacar que Jesus está empenhado em resgatar o valor da família, pois ele mesmo quis pertencer a uma.

Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj

Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj, é graduada em Filosofia e em Teologia. Cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, FAJE (MG). Atualmente, leciona na pós-graduação em Teologia na Universidade Católica de Pernambuco, UNICAP. É autora do livro Eis que faço novas todas as coisas – teologia apocalíptica (Paulinas). E-mail: [email protected]