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Publicado em número 240 - (pp. 24-26)

Amazônia: riqueza a ser preservada

Por D. Jayme Henrique Chemello

1. Amazônia — a grande questão

A Amazônia tem sido ultimamente palco de atenção de muitas pessoas — especialmente de ambientalistas e cientistas — que estudam as consequências da sua devastação para a humanidade, se as indústrias, as madeireiras, os agricultores, os criadores de bois, os garimpeiros e as empresas multinacionais continuarem com a ação depredatória da natureza, com o único intuito de explorar e extrair as matérias-primas e desocupar a área com queimadas para a pastagem ou plantio de soja.

A Amazônia é “a última área natural do planeta que está sendo comida por nós. Sim, comida! A carne bovina e a soja, presentes no nosso cotidiano, têm o papel relevante na promoção deste caos. As nossas decisões de consumo estão levando embora a mais rica floresta do planeta, cujas consequências afetam a humanidade toda. A biodiversidade, o clima e a perda de nações indígenas são questões planetárias e irreversíveis”[1].

O progresso, o desenvolvimento, o conceito de civilização criaram a cultura da produção, promovendo a sociedade de consumo na lógica da compra e venda e esquecendo que nem tudo tem a duração eterna. O futuro da Terra não é tão promissor, sobretudo para uma maioria. As chamadas constantes alertam o governo e a sociedade brasileira para uma medida que contenha o desmatamento: O Brasil já derrubou 16,3% da Amazônia — área equivalente aos territórios da França e de Portugal. Os pesquisadores e cientistas nos advertem de que, se continuar o ritmo atual de desmatamento, bastarão 50 anos para transformar a Amazônia em cerrado, comprometido pelo aquecimento global. A desertificação do norte do País pode afetar drasticamente o sistema hidrológico do continente, criando grandes áreas secas nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil.

 

2. Nova compreensão da Amazônia

A Amazônia não precisa seguir o destino da mata atlântica, da caatinga e do cerrado. Nova forma de compreensão da Amazônia por todos os brasileiros, mas, sobretudo, pelas comunidades da Amazônia, e pelo amazônido na organização e decisão de suas prioridades, poderia reverter a situação.

É preciso descobrir e encarar a Amazônia como fonte inesgotável de vida, como herança verdadeira e viva. A história dos últimos 500 anos aponta para o que devemos evitar a fim de que a VIDA não pereça. Acabamos com as florestas do Nordeste. Mais de 95% da mata desapareceu no Rio Grande do Sul. Grandes matas de araucárias, cedros, angicos, ipês e timbaúvas tombaram para dar lugar a grandes lavouras e pastagens para bois. Depois foi a vez do Paraná, com a derrubada da floresta de pinheiros, seguido do Mato Grosso e de Santa Catarina. A partir de 1970, foi a vez do Norte. Um milhão de brasileiros peregrinou pela BR 364 em direção ao Acre e a Rondônia, martirizando índios e derrubando florestas — sem falar do Pará, considerado, hoje, uma das regiões mais dilaceradas e devoradas por alguns estrangeiros e brasileiros.

“É preciso desmobilizar a bomba-relógio que causa o desmatamento e a queimada, o contrabando, o tráfico de drogas e de animais, o roubo do mito, do sonho, do solo, do peixe, do ouro e da madeira”[2].

 

3. A vida em perigo

Há muito ouvimos: o planeta Terra está gravemente enfermo, a vida está em perigo. A devastação da Amazônia, o maior conjunto contínuo de florestas tropicais do planeta, mesmo que parcialmente destruído, pode acarretar desequilíbrio total do ecossistema, ameaçando a sobrevivência da própria espécie humana. No entanto, a maioria dos homens e mulheres não conseguiu acordar diante do desastre iminente, prestes a acontecer, caso não haja mobilização por parte de todos[3]. Não será apenas um grupo a salvar o planeta Terra, mas a consciência de todos, despertados para a necessidade de mudar de atitude, instaurando nova plataforma de relação com Deus e com a natureza, entendendo a humanidade como parte de um vasto universo em evolução e a Terra como nosso lar. Sentir, afinal, que somos um com ela. Nesse sentido, urge nova ética e nova espiritualidade que nos ajudem a construir novo pensamento e nova atitude existencial. Nossa filosofia foi longamente dominada pelo antropocentrismo, segundo o qual o ser humano seria o dono absoluto e sem limites da criação, jogando-se na exploração desenfreada dos recursos naturais, na ilusão de que durassem eternamente.

 

4. Missão da Comissão Episcopal para a Amazônia

A Comissão Episcopal para a Amazônia preocupa-se com a dimensão religiosa e missionária da Amazônia, bem como com a questão da soberania, da brasilidade, do patrimônio que deve constituir a Amazônia preservada, com seus benefícios que podem se estender à humanidade. Urge, por isso, uma ação que alerte todos os brasileiros para a questão do meio ambiente e da ecologia. A Igreja tem a missão de dar a sua contribuição, somando assim a sua voz à de todos os grupos, ONGs e instituições que lutam pela preservação daquilo que Deus criou para todos os seres vivos como fonte de vida.

As Igrejas amazônicas buscam o seu rosto amazônico, conscientes de que a Amazônia é constituída por muitas Amazônias. A inculturação da fé passa por diversas culturas: indígenas, dos negros, seringueiros, lavradores, ribeirinhos, pescadores e migrantes, além da moderna.

É a opção da Igreja, que se faz cada vez mais clara na organização e apoio às várias iniciativas de realização como verdadeira participação e solidariedade. Considerando que essa região é um lugar onde as injustiças são gritantes —exploração do latifúndio, negação dos direitos dos índios, assassinatos, violência da polícia e conivência do Judiciário —, o valor dessa atuação é ainda maior.

Sinal visível de que a presença do evangelho é semente nas várias comunidades são as iniciativas e organizações como a dos ribeirinhos na luta pela preservação dos rios e dos lagos — forma concreta de preservar a vida; a organização das comunidades indígenas, mediante o CIMI, na luta pela demarcação de suas terras, pelos seus direitos e pelo resgate de suas identidades culturais; os povos indígenas e trabalhadores do campo e da cidade, que se dão as mãos, buscando reverter a situação de ilegalidade e impunidade; a presença missionária dos religiosos e das religiosas, como testemunho e profecia, introduzindo a todos na comunidade dos seguidores de Cristo, a serviço da vida.

Entre outros traços, a Comissão Episcopal para a Amazônia se solidariza com as Igrejas da Amazônia na busca de seu rosto: “Igreja: Irmã da Criação”, unindo-se aos povos da floresta em sua contemplação do Deus da vida, que manifesta o seu amor maternal na terra, no céu estrelado, no mistério das matas e dos rios[4]. Acredita que toda a criação, sacramento vivo da presença e do amor de Deus, participa da redenção do Cristo que, por sua Páscoa, reconcilia o universo. Convoca todos os homens e mulheres a cuidar do planeta como sua casa comum. Denuncia, com as Igrejas da Amazônia, todos os fatores que provocam a destruição da natureza, causando a injustiça social e a dependência econômica, e une a defesa da justiça social à salvaguarda da criação[5].

 

5. Olhar retrospectivo em vista do futuro

O passado dos homens e das mulheres foi escrito pela dominação da natureza. O ser humano primitivo tinha medo das forças naturais. Sabemos de mitos que povoaram, por tantos séculos, o imaginário das populações com seus deuses, invocados como mediadores para aplacar as forças incontroláveis da natureza, as quais limitavam os espaços de liberdade. Por milhares de anos, a humanidade conseguiu viver no planeta Terra sem prejudicá-lo ou destruí-lo. Mais recentemente, no entanto, poucos séculos foram suficientes para que a ordem das coisas se invertesse. As pessoas, aos poucos, passaram à condição de dominadoras — mas não no sentido da Bíblia, que atribui ao ser humano a filiação de Deus, feito à sua imagem e semelhança, com a missão de ser seu colaborador por meio do zelo e do cuidado com toda a criação[6].

A lógica do sistema que domina a produção é dispor de todas as formas de tecnologia para produzir, custe o que custar, avançando na perigosa escalada da exploração da terra, supondo que os recursos são inesgotáveis. O domínio da natureza se transforma em risco de destruição da natureza. O ser humano tem hoje o poder sinistro de destruir o lar que Deus preparara para seus filhos e filhas e cuja preservação lhes confiara.

A Campanha da Fraternidade de 2004 refletiu sobre a água, fonte de vida. Notícias sobre nossos rios e lagoas registraram a morte de toneladas de peixes em consequência de dejetos industriais. Enquanto algumas regiões são assoladas pelas estiagens, outras são arrasadas por inundações. Falou-se sobremaneira sobre a qualidade da água, sobre a escassez iminente, caso não haja os devidos cuidados com a sua preservação mediante a economia racional.

O ar dos centros urbanos atinge níveis alarmantes e quase insuportáveis de poluição, gerando doenças de pulmão, câncer de pele etc.

Mais de dois terços da área florestal do mundo foram sacrificados em favor da produção. Em 1850, ainda havia 80% da floresta brasileira. Em 1935 baixava para 26%. Em 1962 contava apenas com 13%. Hoje, restam menos de 3%.

E a preocupação com a extinção das espécies animais? De 1600 até hoje, 162 espécies de aves foram exterminadas pelo ser humano. Uma centena de espécies de mamíferos desapareceu e 225 estão em via de desaparecimento. Cerca de mil espécies de animais selvagens são consideradas raras e em via de extinção[7].

 

6. À guisa de conclusão

Tudo o que existe e vive precisa ser cuidado para continuar a existir e viver: uma planta, um animal, uma criança, um idoso, o planeta Terra.

Os agricultores precisam ser criativos sem ferir a terra. Os técnicos devem ser educadores, cultivando no povo o amor à Terra. As comunidades agradecidas e alegres, celebrando a liturgia fora dos templos, à sombra das árvores, animadas pelo canto dos pássaros, com muito cheiro de terra, devem devotar-lhe todo o cuidado. Nesse processo de nova relação com o universo, o homem e a mulher são chamados a conviver com as outras criaturas com a missão de defendê-las na harmonia do todo.

Somos convocados por Deus, em nome da vida, a selar uma aliança de fraternidade para defender a criação agonizante e trabalhar para resgatar o respeito e o cuidado pela Terra, gestando uma nova civilização planetária, que coloque em primeiro lugar apenas um princípio absoluto: a vida. Mais do que preocupar-se com o desenvolvimento sustentável da Amazônia, importa construir uma vida sustentável.



[1] Meirelles Filho, Amazônia, mitos e verdades sobre a região mais cobiçada do mundo, Ediouro, Rio de Janeiro, 2004.

[2] Idem.

[3] “A terra é um planeta que está morrendo!… Dramática e alarmante, essa afirmação; lamentavelmente, não é fruto da ficção científica; ao contrário, baseia-se em fatos amplamente discutidos e divulgados, em escala mundial, durante os últimos trinta anos. Na sua fúria para adquirir alimentos, morada, proteções as mais diversas e toda a sorte de confortos materiais, o ser humano vem, há milhares de anos, transformando e desequilibrando a biosfera, uma tênue — e até agora única — película de vida deste imenso universo, da qual também faz parte como espécie animal” (Prof. José Maria de Almeida Júnior).

[4] Cf. A Igreja se faz carne e arma sua tenda na Amazônia, Documento de Manaus (1997).

[5] Cf. idem.

[6] Gn 2,15.

[7] O ser humano não está em paz nem mesmo com a natureza e nisso ele está destinado a sofrer desastrosa derrota em termos de hábitat — saúde e qualidade de vida. O principal problema não é, como geralmente se acredita, o esgotamento dos recursos não renováveis (petróleo e carvão); os perigos mais graves dizem respeito aos tão falados recursos renováveis, e a questão prioritária está na degradação progressiva da biomassa. Um exemplo é a destruição inconsciente das florestas tropicais. Outro é a acelerada extinção de plantas e animais… Motivados por gula, capricho, negligência ou ignorância, o ser humano emprega sua ciência e poder para matar e corromper tudo o que a vida levou bilhões de anos para criar e aperfeiçoar.

D. Jayme Henrique Chemello