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Publicado em número 111

Ainda uma Igreja de clérigos e leigos? – II

Por João Rezende Costa

I. INTRODUÇÃO

Em contribuição anterior na Vida Pastoral (ano 24, nº 110, 1983, pp. 7-15), em idêntico título, tratei dos parâmetros teológico-doutrinais para se superar a divisão de clérigos e leigos no seio da Igreja, ao mesmo tempo que anunciava a intenção de abordar o tema sob o ponto de vista de propostas viáveis na prática pastoral.

Ocupo agora o espaço para cumprir com este propósito. É artigo inteiramente ligado ao anterior, pressupondo-o e tencionando tirar conclusões a partir dele.

Lá dividimos a tratação em: I. Introdução; II. Parâmetros teológico-doutrinais; aqui continuamos com um terceiro ponto: Sugestões viáveis para se superar a divisão de clérigos e leigos na Igreja.

Note-se que falo de sugestões “viáveis” no âmbito da disciplina a que me dedico, ou seja, da Teologia Sistemática ou Dogmática, na medida em que essas sugestões, enquanto o vejo, não ferem nenhum dogma ou doutrina estabelecida. Considero-as “viáveis” também quanto à prática pastoral, contanto que haja, entre outras coisas, maleabilidade mental suficiente para se assimilar uma nova eclesiologia como abordamos no artigo anterior e também não se tenha medo de tentar formas e organicidade de ministérios ainda não institucionalizadas no Direito Canônico. Pois, se a este nos ativermos às suas fórmulas, só haveremos de repetir a ênfase nos processos acabados e fixados, com pouquíssima área para se superar a clericalização e o marasmo imperantes.

As minhas propostas poderão parecer ineficazes, pois não contam com o apoio do Direito e Poder estabelecidos, e vão contra hábitos inveterados de pensar e agir. Contudo, uma vez que falo em termos de achar vias de maior plasticidade e maleabilidade para os instrumentos que devem portar o evangelho e a missão da Igreja, capazes de rejuvenescer a obra evangelizadora (cf. Evangelii Nuntiandi 73) — emperrada por velhas e morosas instituições, por Compromissos e mentalidades estarrecidas —, lanço as minhas sugestões na esperança de fazer pensar e no desejo de contribuir para que o presente seja encaminhado para um futuro melhor de Igreja e (por que não dizer?) acreditando que o futuro poderá me dar alguma razão. Contando que para ele não acordemos tarde! Por isso o quanto aqui escrevo pretende ser sugestões que ajudem a pensar.

No quadro dos princípios que estabeleci — sobre uma Igreja de iguais na dignidade básica cristã a animar uma grande circulação de serviços fraternos alicerçados nas diferenças entre os membros, cada qual e todos dando a sua contribuição pessoal e original e recebendo a dos outros —, restrinjo bastante o âmbito da presente contribuição por motivos de estreiteza de espaço gráfico: trato no momento apenas de uma reconsideração do papel do presbítero na nova visão.

Divido o tema do seguinte modo: 1º) a proposta; 2º) uma nova feição para o seminário; 3º) uma nova feição do problema vocacional; 4º) vantagens dessa proposta.

Oportunamente espero tratar de outros ministérios, do episcopado e papado, sob o prisma da koinonia e sinodalidade, que devem sempre se expressar em qualquer exercício de ministério.

II. REDISTRIBUIÇÃO DOS SERVIÇOS,

HOJE CONCENTRADOS NO PRESBÍTERO PELA COMUNIDADE

1. A proposta

Falou-se e fala-se muito de crise da identidade sacerdotal. De repente o padre de corte tradicional sentiu-se sem feição e rosto próprios, como que figura esdrúxula a assambarcar serviços que lhe advêm da sucção em duas direções:

a) Assume serviços do bispo, o qual, pela grande extensão geográfica e demográfica da diocese, torna-se como que um burocrata ausente da sua Igreja, com frequência não conseguindo manter contato assíduo sequer com os seus padres (e há os que nem sequer podem conhecer pessoalmente os padres que trabalham e moram em sua diocese!); assim os párocos acumulam e exercem de fato muito serviço cessante do bispo, sendo — para usar expressão jocosa — bispos de trompas da fecundidade amarradas quanto à ordem e à jurisdição, exercendo contudo o único pastoreio real que existe na diocese, pois o bispo raramente mal chega a se anunciar. São eles de fato que reúnem o povo de Deus em torno da palavra, da eucaristia e do serviço fraterno. A função do bispo tornou-se mera denominação jurídica extrínseca. E pode haver pastoreio por mera denominação extrínseca e jurídica, sem achego às bases?

b) E, no outro polo, o padre atual suga, como atribuições próprias e específicas, serviços que seriam atribuições e responsabilidades de toda a comunidade do povo de Deus, despossuindo-o e apassivando-o.

Quanto a essa última observação, bastaria listar os vários serviços dos atuais presbíteros para se ver que quase todos podem na verdade ser exercidos por ministros não ordenados. Assim, para a competência baseada no sacramento da ordem propriamente só restam, de fato, a confecção da eucaristia, penitência sacramental e unção dos doentes (havendo dúvidas sobre a necessidade do sacramento da ordem para capacitar a este último ministério). Tudo o mais que hoje se adscreve aos presbíteros, congestionando a sua agenda, pode-se exercer sem a base do sacramento da ordem, como, por exemplo, batizar, assistir aos matrimônios, coordenar pastorais dos diversos tipos, suscitar e coordenar serviços da caridade e assistência social, e até mesmo pregar e ser pároco. (E pensar que ainda encontramos párocos que continuam a acumular o papel de administrador e contador!)

Com base em listagem semelhante (que não pretende ser completa, é claro, mas que pode servir de ponto de partida para se verem possibilidades novas, ficando o campo aberto para considerar ainda outros ministérios não ordenados), eu proporia o seguinte:

1.1. Repassar de imediato para vários membros na comunidade — quanto maior o seu número, tanto melhor — todos os serviços que se acumulam hoje no atual presbítero e que não precisam do pressuposto do sacramento da ordem para se exercerem, descongestionando a agenda hoje carregada dos padres e libertando-os para tarefas mais importantes na comunidade e para as quais estejam mais capacitados, como, por exemplo, a pregação, o atendimento e aconselhamento espiritual etc. Agindo nessa linha, haveríamos de:

1.1.1. Encarregar grupos de cristãos na comunidade que cuidem do ministério da Oração pelos falecidos (velórios e encomendações) e do concomitante conforto e visitas a suas famílias, representando o interesse e atenção da comunidade para com elas.

1.1.2. Constituir ministros não ordenados ordinários para batizar, que poderiam ser eventualmente os próprios pais ou padrinhos, seguindo um ritual de liturgia doméstica.

1.1.3. Delegar a ministros não ordenados a assistência canônica aos matrimônios, eventualmente a celebrar-se em liturgia doméstica presidida pelos próprios pais ou padrinhos dos noivos, após processo normal no escritório paroquial.

1.1.4. Suscitar e capacitar o maior número possível de pregadores da Palavra de Deus no culto litúrgico e paralitúrgico da Igreja na comunidade; assumir os catequistas como pregadores qualificados no seio da comunidade.

1.1.5. Assumir corajosa e juridicamente não ordenados para dirigir uma paróquia, os diversos tipos da pastoral, em koinonia íntima e colaboração com todos os outros ministérios, inclusive os ministérios ordenados.

1.2. Desdobrar, para serem exercidos por pessoas diversas, também os ministérios do próprio sacramento da ordem, que hoje se acham acumulados nos atuais padres, ordenando:

1.2.1. Ministros só da celebração da eucaristia, sem que simultaneamente recebam a ordem para a penitência sacramental e unção dos doentes.

1.2.2. Ordenar, respectivamente, ministros só da penitência sacramental, escolhendo pessoas com o carisma de suscitar o progresso espiritual da comunidade.

1.2.3. Ordenar ministros só para a unção sacramental dos doentes, escolhendo pessoas que tenham demonstrado o carisma do consolo e assistência aos doentes.

Assim como a Igreja desmembrou os ministérios concentrados em plenitude no apostolado, dividindo-o em episcopado, presbiterato, diaconato e outros ministérios, com certeza assiste hoje à Igreja a mesma capacitação para operar novos desdobramentos e parcelamentos.

Atente-se para a conveniência de esses ministros ordenados, com parcelamento dos serviços do padre atual, não se chamarem de “padres” (e de fato não são!).

Isso é importante por duas razões: em primeiro lugar, para que não se recaia na clericalização, transmitindo aos novos ministros toda a imagem e expectativa sociológica ligada aos atuais “padres”; em segundo lugar, para não incidir na lei do celibato, que ficaria restrita apenas aos presbíteros do antigo feitio.

Considero essa posição tão segura, que julgo que os bispos poderiam passar de imediato a ordenar nessa forma parcelada do sacramento da ordem, sem incidir em qualquer transgressão jurídica quer no que concerne à ordem quer no que concerne ao celibato. As ordenações seriam atos meramente “praeter legem”, simplesmente não considerados no Direito vigente.

2. Uma nova feição para o seminário

Com essa distribuição dos ministérios hoje concentrados apenas no presbítero, modificar-se-ia sensivelmente o conceito do seminário como sistema de formação para os ministérios, incluindo os ministérios ordenados de acordo com a proposta que apresentei acima. O seminário não seria mais um seminário “presbiteral” onde se entrasse somente para ficar padre (e celibatário!), mas instituição aberta para preparar todo o amplo leque de ministérios de que necessitam as comunidades, podendo abarcar pessoas que optam pelo celibato como carisma de serviço à comunidade, pessoas que não optam pelo celibato, inclusive pessoas casadas, casais e mulheres. O ambiente deste novo instituto de formação reproduziria a convivência na koinonia e colaboração dos vários ministérios em uma situação realista que refletiria a realidade comunitária. E dessa forma o perigo de clericalizar e exagerar o valor de determinado ministério ficaria eliminado, resultando maior equilíbrio.

Além dessa reformulação do conceito de seminário como instituição de formação especializada para os diversos ministérios (e não para “padres”), seria de se imaginar criativamente uma segunda modalidade, em que a formação se daria no seio da própria comunidade em que se exercem os vários ministérios e no próprio exercício dos ministérios. Pensaria na possibilidade de se assumir imediatamente para os diversos ministérios aqueles cristãos que já deram provas de bom senso, fé viva, espiritualidade, prudência e disponibilidade para servir, ordenando-os de imediato (na forma parcelada defendida acima) para os serviços que requerem a ordem, é cooptando-se, também de imediato, para os ministérios não ordenados.

O seminário começaria com o ato da ordenação ou cooptação para o ministério, e se faria na prática pastoral acompanhada de reuniões semanais de espiritualidade, estudos e revisão, bem como de cursos intensivos de férias e discussões dos problemas encontrados na própria prática ministerial. Manter-se-ia a maior maleabilidade possível no exercício desses ministérios, de tal forma que alguém poderia assumir temporariamente, depois retornar a exercer o ministério, afastar-se de novo etc., inclusive quanto aos ministérios ordenados na forma proposta acima.

O padre atual, de ministério e tempo integrais, passaria a exercer outro tipo de ministério: de forma ordinária, não trabalharia mais diretamente com o povo, mas dedicar-se-ia à animação e formação deste novo sistema de ministérios, que, por sua vez, multiplicariam os serviços para as comunidades cristãs de porte menor.

Com um novo sistema desse tipo, bem mais aberto e maleável, não perderíamos para o serviço eclesial personalidades ricas e preciosas, pois, se não conseguimos formá-las para as atribuições do presbiterato na plenitude atual e com o rigor do celibato, que diminui enormemente a perseverança, não precisamos desistir de formá-las para outros importantes ministérios, como, por exemplo, o ministério da pregação. Uma vez diversificada a formação dos seminários, aberta para o amplo leque dos ministérios diversos, estaríamos fazendo mais produtivo o nosso processo de formação e nossos dispêndios onerosos com ele.

3. Uma nova feição do problema vocacional

É evidente que Deus não suscita vocações para aquilo que ele não quer, para um sistema enrijecido por arte humana. Com certeza, para o clericalismo, as vocações não podem vir de Deus; serão vocações do sistema e dos interessados no sistema e a recusa pode significar recusa do sistema montado e seus interesses. Julgo que a chamada crise numérica de vocações para “padre” provém da montagem com rigidez do sistema eclesial e clerical e não do fato de faltarem de fato vocações e carismas ministeriais por dom de Deus. Então, o grito de que faltam vocações (lugar-comum inócuo de sermões e propagandas vocacionais) é um grito “clericalizado”, porque se suga do povo de Deus a possibilidade de encontrar e exercer o seu carisma e ministério.

Conexa com isso, está também a chamada crise da identidade do “padre”: com certeza, com tudo o que ele surripia da comunidade do Povo de Deus só pode dar-se uma cara falsa ou uma máscara. Essas chamadas crises podem muito bem ser sinal dos tempos e indicar que a vontade do Senhor da Igreja está (e já há muito tempo esteve) pedindo criatividade na direção de novos rumos. O que importa não seria desmontar as falsas identidades do “padre”, fazendo-o não monopolizar responsabilidades que pertencem aos cristãos em geral e pelo fato de se ser cristão? Não seria desmontar sua apropriação indébita, diversificando os ministérios e redistribuindo-os por mais membros da comunidade? Vale a pena sonhar com uma Igreja não clerical e, com isso mesmo, mais fiel ao Senhor e mais rica dos seus dons, dos dons do serviço do “Servo de Iahweh” para a Igreja e o mundo!

Ademais, a crise vocacional e da identidade do padre nasceria também do fato de se privilegiarem e supervalorizarem os “ministérios ordenados” (e, em maior estreiteza ainda, o “sacerdócio ministerial” em seu velho feitio), descuidando-se da vitalidade básica da Igreja, que constitui propriamente o canteiro de onde brotam todos os ministérios. É preciso trabalhar mais para formar os batizados em vez de se limitar a cultivar os padres. Imaginem se cuidássemos, com o mesmo empenho e dispêndio econômico, com que nos dedicamos às chamadas “vocações sacerdotais”, de todas as “vocações ministeriais”, ou que fosse apenas das “vocações matrimoniais”!

A importância que se atribui aos ministérios determinam as energias que se dispendem na formação para eles. E ninguém ignora quão cara é a montagem para a atual formação de seminaristas para serem “padres” e com resultados pífios para a comunidade mesma, que em nada participa na responsabilidade da formação, a não ser contribuindo economicamente, muitas vezes sem nem saber disso, e ouvindo convites patéticos para se “rezar” para as vocações, porque (eis o lugar-comum!) há tão poucos padres no Brasil; e nunca se acorda para a responsabilidade de assumir-se a si própria, sempre a esperar e a pedir às cúpulas clericalizadas que lhes deem “padres”, quando esses faltam para a realização de seus ritos.

E o problema vocacional não se põe de fato nessas dimensões diminutas. Ele consiste em que cada membro e todos os membros dos grupos cristãos encontrem o seu serviço ou ministério especial, na medida de suas diferenças de estado, talentos e habilitações, para a vida e missão do grupo. Refere-se, pois, a todos os ministérios, inclusive o “ministério do matrimônio”, tão desvalorizado por uma direção clericalizada celibatária e pela ideologia dos “estados de perfeição” (explico-me: todas as diferenças se situam do lado da “instituição” ou do instrumental — também o voto de castidade — que por isso devem servir à essência do ser-Igreja; a graça ou a koinonia; se a tanto não servir, de nada servem; “estado de perfeição” é expressão inadequada para dizer a “vida religiosa”, pois é um dos termos que surripiam o que é e deve ser comum a todos os cristãos, despossuindo-os em favor de um só grupo; cf. o meu artigo, citado acima).

De mais a mais, cada comunidade há de fazer com que emerjam do seu próprio seio as vocações para os serviços e ministérios de que necessita. Os ministros não devem provir de agências encarregadas de arrancar do seio do povo os candidatos, formá-los longe das comunidades e depois de certa sorte “emprestá-los”, por intermédio da agência central, a comunidades fracas de vitalidade, incapazes de prover-se a si mesmas. Confesso que isso não seria bela expressão e bom serviço à catolicidade e universalidade da Igreja, uma vez que leva as comunidades ao esvaziamento do seu ser-Igreja. Os grupos cristãos são induzidos a acomodar-se na inconsciência e na irresponsabilidade até por si próprios, uma vez que há funcionários, e agências encarregados para tanto e sempre recebem de fora os seus ministros, como ocorre hoje em dia.

No Brasil, esse tipo de busca de ministros de fora dos grupos cristãos levou a uma espécie de “colonização missionária” da Igreja e de tal natureza que há muito tempo, segundo a reta missiologia, já não se aplica sequer a lugares de primeira implantação do cristianismo na Ásia e África. Significa na realidade (sem deixar de reconhecer o heroísmo pessoal dos “missionários”) a exacerbação desse modelo de Igreja com grupos reduzidos à imaturidade e não participação eclesial. Chegamos — pasme-se perante a exacerbação! — a ter mais bispos estrangeiros no Brasil do que a maioria dos países da Europa têm bispos em números globais. Acredito que o fator básico desse encaminhamento esdrúxulo e anômalo têm sido a rigidez da institucionalização do “sacerdócio ministerial” e do consequente sistema atual de formação “para ser padre”.

Se rodar nos trâmites atuais por mais tempo, com o sistema enrijecido, complicado, exigente e demorado de produzir e “emprestar” padres às comunidades, perpetuar-se-á sem fim a rede das comunidades passivas e inconscientes de suas próprias energias, dons e responsabilidades.

4. Vantagens dessa proposta

A primeira é sem dúvida o fato da distribuição da responsabilidade pela Igreja e sua missão por todo o corpo dos fiéis e não somente reservada a determinado grupo, que passa a ser considerado pelos outros quase que como funcionários especializados em Igreja. E, com isso, a desclericalização caminhará a passos largos. Nenhum grupo mais de Igreja haverá de assambarcar o que quer que seja que foi entregue por Jesus a todos os cristãos e pelo fato de ser cristão.

Abre espaços imensos à participação ativa e eficaz de sempre maior número de cristãos. Imagine o “padre” de hoje numa paróquia onde ele tenha a colaboração de algumas dezenas de ministros ordenados da celebração eucarística, outras dezenas de pregadores qualificados da Palavra etc. Seitas caminham à nossa frente na maleabilidade das estruturas comunitárias e consequente facilitação do preparo e acesso aos ministérios. Toda capacidade de liderança é logo assumida e se passa a exercer. E nós, com imensas comunidades (ou rebanhos disperses, é mais exato), com tanta gente preparada em todos os campos da competência humana, agimos de tal sorte que os cristãos de nossas paróquias se habituaram a achar normal não exercerem ministérios em sua Igreja, tudo deixando aos funcionários especializados.

Há vinte anos encontrei-me em uma cidade do interior com um senhor, homem de fé e de bom senso, exercendo liderança admirável no seu meio, querido e ouvido, que me falou, com uma ponta de orgulho e satisfação, que ele era “puxador de terço” na Igreja. Foi a primeira vez que o clericalismo me fez doer o coração! Só restou ao bom do homem esse papel em sua Igreja!

Descongestiona a agenda do “padre” atual, liberando para novas formas de ministérios, de que o novo modelo mais vai necessitar (cf. At 6,1-6; 1Cor 1,7). Dedicar-se-ia mais ao serviço pastoral de orientação e formação dos novos ministros, multiplicando, através deles, a eficácia da sua ação.

A unidade básica de organização comunitária poderia ser de menores proporções, encarnando-se a Igreja em pequenos grupos ministerialmente autossuficientes na medida do possível, de estruturas mais simples e consequente facilitação de acesso e exercício dos ministérios. Envolveria o aproveitamento de todos os seminaristas, de celibatários e não celibatários, como também mulheres para os ministérios, com a introdução do novo tipo de seminário. O culto poderia realizar-se em comunidades menores (missa, batismo, matrimônio).

Os ministros ordenados seriam induzidos a inserirem o exercício do seu ministério na organicidade de todos os outros ministros, dos quais também eles necessitam. Fariam a experiência do limite do próprio ministério e carisma, abrindo e criando espaço para os dos outros. Assim expressar-se-ia, no exercício dos ministérios, a koinonia como essência do ser-Igreja, bem como a sinodalidade ou coatuação de todos os ministérios conjuntamente, que faz parte da essência mesma dos ministérios na koinonia eclesial.

Em uma assembleia litúrgica, à guisa de exemplo, podem ser exercidos por pessoas distintas vários dos ministérios que hoje se ligam ao “padre” conjuntamente com ministérios que hoje se exercem por outros: assim se o pároco for um cristão não ordenado, ele poderá estar no meio dos fiéis não ordenados, recebendo o serviço dos outros; pode haver um presidente da liturgia da palavra, distinto do ministro da pregação, e, por sua vez, um outro que espiritualiza ou encaminha a oração comum despertando à prece; haverá os cantores, e, depois, o ministro ordenado da eucaristia confeccionará o sacramento para os outros; virão os ministros da distribuição da comunhão; eventualmente intervirá o ministro encarregado dos irmãos pobres e das oferendas por eles, o ministro dos doentes com suas preocupações etc. Como se pode ver, o ministro ordenado seria apenas um dos membros da assembleia litúrgica, que inseriria o seu serviço entre os outros, recebendo ao mesmo tempo o serviço dos outros.

O novo modelo, com a soma dos esforços de muitos em prol da construção da Igreja e do serviço de sua missão, haveria de posteriormente indicar a conveniência futura de que nenhum ministro mais ganhasse o seu sustento da Igreja, todo o trabalho da Igreja fosse voluntário e não remunerado, o que ajudaria a eliminar o conceito de “funcionários” da Igreja, inserindo todos os ministros também nas estruturas seculares do mundo, superando a diferença, de valor meramente histórico-sociológico, de cristãos que se dedicam à edificação da Igreja mesma (os clérigos) e os que imediatamente estão a serviço no mundo (os leigos). E com a vantagem a mais de que todos os membros da Igreja, ministros ordenados e não ordenados, haveriam de participar da aventura humana comum, que sempre ocorre no tecido das estruturas seculares do mundo, tornando-se mais abertos ainda para o imenso leque dos ministérios que a Igreja deve assumir na vertente de sua diakonia ao mundo no testemunho de Cristo, ministérios de que nem sequer tratamos, no presente e que mal se vislumbram por uma Igreja muito ensimesmada e ruidosa de si.

João Rezende Costa