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Publicado em número 129 - (pp. 26-33)

Caminhos para uma Igreja mais fraterna

Por Dr. Renold J. Blank

I. O DESAFIO PELO SUCESSO DAS SEITAS

O crescimento impressionante das seitas é um fato.

Fala-se que o número de adeptos das várias Igrejas pentecostais no Brasil atinge os doze milhões de pessoas.

Dentro da própria Igreja católica, o pentecostalismo cresce, através do movimento da Renovação Carismática.

Além disso, nascem muitos novos grupos ao lado das Igrejas pentecostais já conhecidas. A influência deles cresce de maneira considerável na população, sobretudo dentro das camadas mais pobres do povo.

É esta a realidade: Cada vez mais pessoas estão buscando respostas para as suas inquietações e os seus anseios, através de “experimentação direta” de Deus. Experimentação esta, que se propõe e se tenta realizar exatamente na maioria dos grupos mencionados acima.

Não adianta negar os fatos!

Mas também não adianta queixar-se, jogando toda a culpa nessas seitas e nas suas práticas de propaganda, às vezes até agressivas. Se elas estão crescendo tanto — e se tantos católicos aderem a elas —, isto deve, antes de tudo, nos levar a uma reflexão sobre a nossa própria situação.

Quais são as causas desta inegável atração das seitas em nosso povo? Será que seus adeptos acham nelas alguns elementos essenciais que não estão encontrando nas reuniões de nossas próprias comunidades? Existe algo de importante, vital; de tão vital que aquilo lhes parece justificar uma “conversão”?

Em vez de criticá-los, devemos olhar para eles e estudar de maneira mais profunda as razões de seu sucesso. E em seguida, devemos mudar talvez o rumo da caminhada de muitas de nossas próprias comunidades. Pois, se o nosso povo as deixa, em massa, então algo está errado. Se o povo as deixa, então não acha nelas respostas satisfatórias às suas angústias, desejos, anseios e aspirações.

Vale então a pena fazer uma primeira reflexão sobre aquilo que o homem de hoje espera da religião, e sobretudo sobre aquilo que uma comunidade religiosa pode dar a este homem que em muitos e muitos casos vive numa situação econômica difícil.

 

II. O QUE É QUE O HOMEM DE HOJE ESPERA DE SUA COMUNIDADE RELIGIOSA?

É um fato provado que a maioria dos adeptos às seitas vivem dentro dos perímetros urbanos, formando sobretudo as classes mais exploradas e humilhadas de nossa população. São pessoas simples e humildes, marginalizadas, vivendo muitas vezes em situações de miséria e de desespero, à margem da vida econômica e excluídas de seus lucros. São pessoas que se perderam na massa anônima das grandes cidades.

Nas suas experiências predomina de maneira acentuada aquilo que marca hoje em dia a vivência da maioria dos habitantes de nossas metrópoles: o anonimato e a massificação.

Num artigo recente na Folha de S. Paulo, a situação dessas pessoas foi caracterizada de maneira bem exata pelas seguintes palavras: “O homem da tecnópole, desconfiado, sem tempo para conversar, dependente de si mesmo ou do patrão, secularizado, perdido na massa urbana e frustrado nas suas expectativas de consumo”.

Tal homem, porém, marcado pelo perigo de perder a sua própria identidade, encarcerado no sistema funcional de mil e uma necessidades estruturais, esse homem, quando entra numa das nossas Igrejas, encontra aí, em muitos casos, exatamente aquilo do qual ele tentou fugir: o anonimato e a massificação.

Em vez de encontrar amigos, ele se vê confrontado com pessoas estranhas. Em vez de achar alívio e conforto emocional, ele ouve homilias intelectualizadas. Em vez de ser valorizado como pessoa, ele se vê de novo reduzido ao papel do espectador que não tem voz.

Aquele homem que já foi condenado — pelas estruturas da sociedade — a se calar, deve calar-se também no culto religioso. Também aí, pois, aqueles que têm a palavra são aqueles que têm o poder, o que faz os outros calarem-se.

Fica claro que a situação aqui descrita muda profundamente quando se vive a experiência de uma comunidade eclesial de base. Eis exatamente uma das razões do grande sucesso daquela nova maneira de viver a Igreja. Nas CEBs se superou o anonimato e a massificação. Nelas se vive comunidade, e também por causa disso, elas vão ser com certeza uma das formas fundamentais de uma Igreja do futuro.

É interessante, porém, constatar que nelas se podem verificar certas características que constam também nas seitas, características essenciais para o bem-estar do homem moderno. Por causa disso, a promoção das CEBs será uma das soluções para a superação da crise. Apesar disso, porém, haverá sempre um grande contingente de católicos que não fará parte de uma comunidade de base. Muitas pessoas, como antes, estarão remetidas às comunidades tradicionais. Nessas comunidades e paróquias, porém, permanece o problema do anonimato e da massificação. Se nós queremos realmente enfrentar o problema do crescimento das seitas a partir de sua raiz, devemos começar aqui: devemos transformar as nossas comunidades paroquiais rumo a uma Igreja mais fraterna, isto quer dizer, rumo a uma Igreja de comunhão e participação.

Já produzimos textos e documentos muito bonitos sobre esta nova Igreja. Mas em tantos e tantos casos, os documentos ficam na teoria e nunca se realizaram na prática.

Hoje, porém, se exige coragem e fantasia, muita criatividade e às vezes também a ousadia de superar as antigas tradições. Devemos abrir caminhos para que em nossas comunidades se possa realizar a fraternidade. Muitas vezes só falamos dela, mas na prática, estamos longe de uma comunidade realmente fraterna, de uma Igreja de verdadeira comunhão e participação.

 

III. PASSOS RUMO A UMA COMUNIDADE MAIS FRATERNA

1. O homem deve sentir calor humano

É fato provado que a maioria daqueles que abandonaram nossas comunidades e se tornaram adeptos de uma seita, buscaram nesta seita, afinal, aquele calor humano que não sentiram na sociedade e também não acharam nos cultos religiosos da Igreja. O calor humano, porém, se torna uma necessidade vital, sobretudo para todos aqueles que se sentem esmagados pelas estruturas anônimas da vida urbana. Tantas e tantas de nossas missas, contudo, permanecem acontecimentos anônimos, onde um grupo de animadores canta e fala, mas a maioria fica isolada e calada. Em muitos casos, aquele que participa da missa nem conhece o seu vizinho, muito menos o cumprimentou, quando entrou. E no momento de sua entrada na Igreja, também não foi cumprimentado por ninguém. Ninguém o chamou pelo nome. Mas é exatamente isto que falta a tantas pessoas: ser chamado pelo nome.

Por que não formamos equipes para acolher os fiéis que entram na Igreja? Por que aqueles que participam pela primeira vez da missa numa paróquia não têm a oportunidade de se apresentar à comunidade? Por que o padre não deixa um minuto de tempo para que novos membros da comunidade e até os antigos que o quiserem, possam se apresentar e falar?

Infelizmente perdem-se tantas boas oportunidades para estabelecer laços mais íntimos e pessoais. Na ocasião de um batismo, por exemplo: apresentar o novo cristão à comunidade, bater palmas para ele e para os pais, cantar os parabéns, tudo isso cria um ambiente mais íntimo, mais humano. Ninguém vai reclamar porque a missa demorou alguns minutos a mais. E se alguém se queixar, é uma boa ocasião para mostrar a ele que não compreendeu ainda o que é comunidade.

Há também aquelas Igrejas onde se exige um silêncio rígido antes do início da missa. Por que isso? Não é verdade que comunidade significa comunicação? — Isso não supõe cumprimentar um ao outro com a troca de pelo menos algumas palavras? Tenho certeza de que o nosso Deus vai gostar disso muito mais do que de um silêncio frio e constrangedor.

 

2. Valorizar o nível emocional da religião

Numa sexta-feira santa, o povo deveria chorar dentro da Igreja, e na noite do sábado de Páscoa, quando se celebra a ressurreição de Nosso Senhor, deveria dançar.

Deveria sentir e exprimir aquela alegria profunda de um povo salvo. Deveriam se abraçar um ao outro, dando “vivas” ao Cristo ressuscitado. Por que não?

Mas tantas vezes, as nossas celebrações de Páscoa, de Natal e de Pentecostes, e também do domingo comum, estão todas iguais, todas muito sérias, e o padre anuncia a ressurreição de Jesus Cristo com a mesma voz e a mesma seriedade com a qual anuncia a morte dele, ou o resultado de uma coleta.

Deveríamos lembrar-nos das festas da Religiosidade Popular. Deveríamos valorizar as manifestações religiosas de nosso povo, em vez de suprimi-las. Nessas festas, exprime-se a alma do povo, e elas não são tão alienantes como às vezes se diz, muito pelo contrário. Devemos redescobrir e valorizar a força contestadora que se esconde na Religiosidade Popular.

Em quantas Igrejas se realizam ainda teatros litúrgicos? Em que comunidade se estudam as possibilidades de criar um ambiente religioso a partir da utilização de luz, de som ou de imagens? Quem já usou um projetor de slides ou retroprojetor para a sua homilia?

Quem, em vez de pronunciar mais uma homilia, já tentou fazer com a sua comunidade uma espécie de meditação sobre o tema do Evangelho dado na missa?

Não podemos subestimar todas essas coisas, pois apesar de toda racionalização, o ser humano permanece um ser sensível, tocado por aquilo que sente, não somente por aquilo que compreende. O grande sucesso do movimento da Renovação Carismática é devido à redescoberta da emocionalidade humana.

Atingir essa emocionalidade de maneira conscientizadora, e não de maneira alienadora, eis a grande tarefa para todos os atos religiosos. Uma cerimônia de batismo, por exemplo, onde o padre batiza 35 crianças de uma só vez, só pode despertar lembranças às montadoras da indústria automobilística.

E a cerimônia de uma confissão comunitária com vinte padres desconhecidos, atendendo filas de pecadores para obedecer às letras do direito canônico, tal cerimônia desobedece com certeza à exigência de Jesus, que, como todos sabemos, colocou o homem acima da letra morta de qualquer lei.

Que oportunidade maravilhosa, porém, poderia ser uma confissão comunitária, realizada várias vezes ao ano, onde a comunidade se reúne com o seu padre em torno da cruz, refletindo sobre o verdadeiro sentido daquilo que é pecado, descobrindo assim não somente os pecados pessoais, mas também as dimensões comunitárias desse pecado, e sua dimensão estrutural; percebendo que aquilo que se chama pecado superou de longe o círculo pequeno do próprio indivíduo.

Que novo sentido de pecado poderia surgir assim! E que experiência maravilhosa daquilo que significa o perdão, quando o padre, depois, dá a absolvição sacramental à comunidade presente, e todos estão conscientes e sentem que, agora, o nosso Deus perdoou.

É consequência lógica de que, agora, vão perdoar também uns aos outros. Que alegria quando essa comunidade se dá as mãos para cantar as maravilhas de um Deus que perdoa sem restrições, até sem exigir que os coitados dos peca­dores se apresentem outra vez para uma confissão pessoal. Perdoado fica perdoado, é assim que Deus faz!

Depois de tal cerimônia, por que não organizar uma festa? Uma ceia comunitária, onde todos se sentam juntos e festejam o perdão de Deus também com um jantar gostoso, bem ao exemplo da parábola do filho pródigo. Aliás, por, que não representar, em tal celebração, a história daquele filho pródigo? Por que não integrar a cerimônia do perdão nesse teatro mesmo, onde todos participam, onde todos representam o papel do filho perdido? Um pequeno psicodrama, por que não? Afinal, não é exatamente isto que acontece, um psicodrama com dimensões muito mais amplas do que o psiquismo individual?

 

3. Descentralização e preparação

Fica claro para todos que tudo isso exige muita preparação. Mas, afinal, essa preparação não faz parte da profissão de todos aqueles que se dizem pastores religiosos? Todo professor deve preparar-se para que a sua aula seja boa e responda às exigências e à situação psicoemocional de seus alunos.

Liturgia também precisa de preparação! Além disso, vamos encontrar também com certeza muitos leigos que trabalhariam nisso com entusiasmo e que até entendem dessas coisas. A atuação do leigo deve enfim superar o espaço da organização do próximo bazar beneficente. Devemos dar a eles mais espaço também na liturgia.

Sei muito bem que com essa exigência se toca no delicado assunto dos poderes. Muitos e muitos padres têm medo de perder o seu poder, quan­do a participação do leigo atinge a dimensão assim chamada “sacramental”. E muitos leigos querem se tornar “pequenos padres”, porque não compreenderam ainda o papel fundamental do serviço conforme os carismas próprios de cada um. Com tudo isso, porém, já tocamos uma quarta exigência para uma Igreja fraterna do futuro.

 

4. Dar mais espaço ao leigo

Na seita, o fulano que participa, sai de imediato de seu anonimato e se torna alguém. Todos o conhecem e todos aceitam os seus carismas. A mulher, ainda hoje proibida em muitas paróquias de pronunciar uma homilia ou de exercer qualquer outra atividade decisiva na liturgia, essa mesma mulher se torna, em muitas seitas, a figura central do culto.

Nas cerimônias dos cultos afro-brasileiros ela até dirige o culto, sendo assim valorizada e aceita como pessoa. Em muitas comunidades católicas, porém, a discriminação latente permanece.

Os melhores corais, formados de mulheres, e as mais bonitas leitoras não podem enganar ninguém acerca de uma rejeição profunda, experimentada por muitas mulheres dentro da Igreja católica.

A essa experiência se acrescenta, para a mulher mais humilde, outra constatação não menos frustrante: as leitoras e cantoras mencionadas, da mesma maneira como as mulheres que distribuem a comunhão, representam em geral um grupo socialmente elevado, fazem parte da classe média ou pelo menos da classe daquelas que sabem ler. Onde ficam as outras? Onde fica o lugar de todas as mulheres humildes de nosso povo, que também têm os seus carismas? Qual é o espaço reservado para a multidão daqueles leigos que na sociedade não têm vez? Onde é que eles têm o seu lugar? Não é verdade que eles devem calar também nas Igrejas? Não é que também aí, estão reduzidos ao papel de espectadores mudos e de membros passivos?

Repito de novo, nessas perguntas não me refiro à experiência das comunidades eclesiais de base. Estou falando dos tantos casos de paróquias do nosso país, das quais surge potencial para o aumento das adesões às seitas.

Para vencer esse desafio, devemos promover aqueles inúmeros leigos que sempre tiveram que ficar calados. Devemos criar espaços para que eles possam aparecer. Eis mais uma das grandes tarefas para cada comunidade religiosa.

Por que, em tantas e tantas missas, a palavra permanece unicamente aos padres? Será que o leigo é apenas capaz de falar da situação financeira da paróquia e de anunciar as próximas promoções sócias? Porque se realizam tão poucos diálogos por ocasião da homilia? Ficar calado perante alguém que fala nisso o nosso povo já está acostumado pela televisão. E da mesma maneira como acontece aí, quando se levanta da cadeira já esqueceu aquilo que foi dito. Quem não acreditar que a situação é realmente assim, basta interrogar algumas pessoas depois da missa sobre o conteúdo da homilia…

Em vez de só falar de uma maneira unilateral, seria muito mais proveitoso que, de vez em quando, se fizesse da homilia uma conversa. Uma conversa da qual participam tantas pessoas quantas possíveis. O padre seria então muito mais um coordenador do debate, buscando em comunhão com a sua comunidade os caminhos do Reino de Deus. Estou convencido de que o povo vai sair valorizado de tal homilia. Não vai esquecer tão logo, por que ele participou. A teoria da comunicação conhece há anos tais mecanismos de aproveitamento e de não esquecimento. Devemos aplicar pelo menos alguns elementos daquilo que se sabe sobre a dinâmica de grupos.

Não tem fundamento a objeção de que comunicações bilaterais não são viáveis em nossas igrejas de 400 ou 800 lugares. São possíveis sim! E as dificuldades de estabelecer um contato pessoal e humano nessas igrejas é um dos mais fortes motivos para mudá-las.

Em vez de multidões anônimas em igrejas imensas, precisamos hoje de pequenas comunidades. Devemos transformar a paróquia em multidões de centros comunitários. É nelas que se pode estabelecer aquele contato humano que o homem hoje tanto necessita.

Não é nada válida a objeção de que, com essa diversificação, irão faltar padre para rezar as missas. Se é assim, então vamos formar mais agentes da pastoral, vamos formar ministros da Eucaristia, leigos que celebram junto com as pequenas comunidades os grandes ministérios da presença de Deus entre os homens. Em vez de lamentar, é necessário mudar nossos esquemas, para que eles estejam a serviço do homem e não a serviço de exigências legalistas superadas.

O nosso povo, hoje em dia, precisa de pastores, de líderes, de homens e mulheres a seu serviço. É só isto que conta; e se o contexto sócio-histórico exigir hoje em dia outro tipo de servidor, diversamente do que aconteceu nos séculos passados, então é o nosso Senhor Jesus Cristo que, mais uma vez, exige de nós não fazermos o homem servir à lei, mas de mudarmos a lei pra que ela sirva ao homem. Palavra de Jesus.

O contingente de leigos capazes de tais serviços é grande. Nós nos tornaremos culpados perante de Deus, caso deixarmos todos esses carismas se perderem em vão, enquanto milhares e milhares de pessoas precisariam deles.

Criar pequenos centros comunitários e deixar mais espaço para ministros leigos devidamente preparados, eis os grandes sinais dos tempos que devemos reconhecer.

Resolvendo assim o problema de nossas comunidades, vamos resolver ao mesmo tempo a questão vocacional, assim como o formulou de maneira bem clara o Cardeal Dom Aloísio Lorscheider. Diz ele: “O problema consiste muito mais em criar pequenas comunidades eclesiais vivas e apostólicas, do que arrebanhar gente para conventos e seminários. Das pequenas comunidades eclesiais vão brotar os vários ministérios e serviços que o povo de Deus necessita” (Concilium, 196, p. 65).

 

5. Mudar o hábito dos padres e dos agentes de pastoral

Nessa nova visão comunitária, deve mudar também a maneira de agir de muitos padres e agentes de pastoral. Para muitos deles, as instituições, a administração da comunidade como corpo jurídico, é mais importante do que os homens concretos. Em tal visão, porém, até as reuniões de grupos ou as missas dominicais se tornam acontecimentos administrativos a serem organizados de maneira administrativa. A consequência disso é que se organiza tão bem que mais uma vez desaparece o rosto concreto do ser humano atrás da organização. Em vez de criar laços concretos com pessoas concretas, com as suas dores e as suas alegrias, criam-se instituições. Delas, contudo, o homem moderno da cidade já está saturado. O que ele busca é o contato fraterno com os irmãos. O que ele busca são pessoas humanas que se interessam por ele como pessoa. Tudo isso, uma instituição, ainda que primando pela administração, não é capaz de realizar. Isso pode ser percebido em muitas secretarias de nossas paróquias que se tornaram centros de administração, não mais centros de atendimento a pessoas humanas ansiosas, humildes, às vezes desorientadas ou simplesmente pessoas em busca de um atendimento pessoal.

Mais uma vez, devemos insistir que a objeção da falta de padres não é válida em tudo isso. Existem leigos em abundância, que também têm o carisma de poder abrir-se aos seus irmãos, de poder responder às suas dúvidas e de dar um testemunho fraterno de fé.

As pessoas que frequentam as nossas igrejas devem de novo sentir e perceber que nelas encontram outros irmãos. Irmãos que também dedicam o seu tempo a eles. Irmãos que têm tempo para ouvir. Eis a palavra-chave!

Tantos de nossos padres e agentes de pastoral estão preocupados em liderar, em organizar, em ensinar e mandar. Mas por causa de tanta liderança, estão esquecendo a prática de ouvir aquilo que o outro diz. Uma Igreja de comunhão e participação, porém deve praticar basicamente estas duas coisas: ouvir aquilo que outros dizem, quer dizer, deixar falar; e depois também o segundo: deixar agir, abrir espaço para que todos possam agir.

Nesse sentido, os nossos padres deveriam muito mais se tornar ouvintes, e não sempre falantes. A liderança deles e a autoridade que eles têm sem qualquer dúvida, não mais se pode mostrar hoje da mesma maneira como se exprimiu numa Igreja hierárquica de poder. Construindo uma Igreja a serviço do povo, uma Igreja que serve e que não quer mandar, devemos deixar de lado a atitude de ditar ao povo o que ele deve fazer ou não fazer. Não se trata mais de ditar e de mandar! Mas em compensação, o padre poderia aprender muito da maneira como age um curandeiro sério nas religiões afro-brasileiras. Escutando, ele poderia servir de mediador. Ele poderia realizar o grande serviço de mediação entre o homem e Deus; um serviço, não um poder! E através desse serviço poderiam realizar-se as curas espirituais; as curas de que nós todos precisamos; aquelas curas que não se realizam através de mandamentos e de ditados, mas pelo dialogo e pelo escutar.

Ter mais tempo para escutar, eis a antiga e sempre nova exigência para todos aqueles que trabalham no campo humano. Hoje em dia, ela é mais urgente do que nunca.

 

 

6. Educar para a liberdade

A situação de grande contingente de nosso povo é marcada pela desorientação e pela insegurança. São milhões as pessoas ansiosas e desorientadas, sobretudo nos grandes centros urbanos. Tudo está em mudança e até as tradições e doutrinas tradicionais parecem ter perdido seu valor. Em tal situação, o homem busca apoio e segurança. E, aparentemente, as seitas parecem responder a esse anseio, pois nelas tudo fica claro: o bem ainda é o bem e o mal é o mal, e até o fogo do inferno chameja como sempre.

Essa busca de segurança e apoio garantido é legítima. Ela reflete um problema de muitos de nossos irmãos. Mas, ao mesmo tempo, ela nos desafia.

No esforço de criar segurança, nunca podemos cair na tentação de dar respostas alienantes, de criar falsos apoios que alienam as pessoas em vez de ajudar a sua emancipação.

Eis o problema, aliás, de muitas seitas, e também de certos grupos dentro da própria Igreja católica.

Nunca podemos tornar-nos instrumentos de fuga perante a responsabilidade que a liberdade sempre traz consigo. Também não podemos reduzir essa liberdade, como aconteceu no estilo autoritário de uma Igreja tradicional.

A tarefa para uma pastoral fraterna e atual deve ser formulada de maneira bem diferente: Devemos buscar caminhos para educar a nossa gente. Mas essa educação nunca pode se orientar em direção ao educarmos pessoas sem vontade própria. Nunca mais podemos educar ouvintes calados! Devemos formar pessoas emancipadas, capazes de formular juízos próprios. Mas, para que isso se realize, devemos dar espaço a essas pessoas! Espaço onde se sintam aceitas. Espaço onde possam exprimir e discutir as suas ideias, anseios e dúvidas. Espaço onde elas mesmas possam buscar soluções para as dúvidas, à luz da fé e num clima de fraternidade. Espaço onde elas mesmas possam agir.

Se tal espaço não existir em nossas reuniões e em nossos cultos, então é exigência de nosso tempo que o criemos. A partir do momento em que o nosso povo se sentir aceito como interlocutor de valor, num clima de fraternidade, não mais irá abandonar nossas comunidades. A partir do momento em que o nosso povo perceber que se responde aos seus anseios, dúvidas, dores e alegrias, esse povo vai voltar aos nossos cultos.

A partir do momento em que o homem isolado encontrar em nossas comunidades irmãos que o aceitem como irmão, que se interessem por ele como pessoa e que têm tempo para escutar aquilo que ele diz, a partir desse momento, o desafio formado pelo crescimento desproporcional das seitas irá desaparecer.

 

Dr. Renold J. Blank