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Publicado em número 118

Ajudando o povo e Celebrar a Eucaristia

Por Pe. Darci Luiz Marin

Pe. Virgílio Ciaccio, 57 anos, veio da Itália para o Brasil em 1965. Em 1973 assumia efetivamente a redação do Semanário Litúrgico-catequético O Domingo.

Com satisfação Vida Pastoral apresenta neste espaço alguns pontos de vista do redator de alguns periódicos Litúrgicos que semanalmente alcançam mais de 2 milhões de leitores diretos, como é o caso de O Domingo.

Perfeitamente integrado em nossa cultura brasileira — e com um amor muito grande ao povo desta Nação — e na dinâmica suscitada pelo Espírito à Igreja nesses últimos anos, Pe. Virgílio apresenta, com a linguagem envolvente que o caracteriza, qual sua percepção com referência à experiência evangélica vivencial que desempenha. Refaz a caminhada percorrida pelo periódico O Domingo, desde as origens até o estágio de engajamento atual com a história e a luta de nosso povo.

Na oportunidade em que os Paulinos lembram com especial afeto o centenário de nascimento de seu Fundador, Pe. Tiago Alberione; apresentamos aqui, nas palavras do Pe. Virgílio, que também é padre Paulino, a sequência desta herança traduzida em audição cotidiana aos apelos que emanam do Evangelho.

VIDA PASTORAL (VP): Qual foi a ideia-raiz para que surgisse o Semanário Litúrgico-catequético O Domingo?

Pe. VIRGÍLIO: O Domingo veio à luz na Itália, fundado pelo Pe. Tiago Alberione, com a finalidade de oferecer aos Vigários um subsídio concreto no campo da Liturgia e da Catequese.

Como a Liturgia da época não era participada, mas sempre fixa e imóvel, o Folheto limitava-se a apresentar matérias que, de qualquer forma, ilustrassem a palavra de Deus, como: fatos da vida, anedotas, gravuras, vidas de santos e até leituras amenas — ajudando o celebrante a enriquecer a homilia. A parte catequética também limitava-se a apresentar matérias que tornassem mais acessível o Catecismo de Pio X.

VP: E no Brasil, quais foram as perspectivas ao se lançar o mesmo periódico, em 1932?

Pe. VIRGÍLIO: Francamente, desconheço as perspectivas dos nossos “bandeirantes”. Mas, folheando as primeiras coleções, percebe-se que O Domingo brasileiro apresenta as mesmas características de O Domingo italiano. Aliás, fica evidente que muitas matérias do “brasileiro” não passam de mera tradução do “italiano”. Características que foram religiosamente respeitadas até o advento da Liturgia Renovada — e que formavam a delícia dos antigos, simpáticos leitores, alguns dos quais ainda guardam delas saudosas lembranças…

VP: Com o Concílio Vaticano II as comunidades formadoras da Igreja recebem novo estímulo para os destinos de sua história. O espaço e o tempo, antes reservados às “coisas espirituais” e ao “sustento da alma”, a partir do Concílio abrem-se também para a comunhão e participação. Como O Domingo acompanhou esta passagem tão importante na Igreja, que se firmou entre nós originalmente com Medellín e Puebla?

Pe. VIRGÍLIO: Os primeiros passos no caminho da renovação foram dados com extrema cautela. Inicialmente, não sei por que, olhava-se com certo receio para as “novidades” proclamadas pelo Concílio. O pessoal achava até incrível poder celebrar a Missa em língua “vulgar”, entregar aos fiéis a tarefa de proclamar a palavra de Deus, ceder o microfone para quem desejasse lançar uma mensagem ou fazer um coração.

O Folheto, na verdade, procurou entrar na pontas dos pés pelos novos caminhos, quase que com medo de fazer barulho e perturbar a tranquilidade pública, e achando uma traição romper de uma vez com seu ilustre passado. De qualquer forma, começou a dinamizar a Liturgia eucarística, criando mais espaço par a ação dos fiéis. Seu cunho, porém, continuou ainda meio “espiritualista” e pouco ou nada engajado. Inclusive, a Diretoria fez questão de manter o mesmo cabeçalho das origens, de estilo barroco e de gosto muito discutível.

Em 1973, recebemos como herança um O Domingo ainda a engatinhar pelas sendas da transformação, mas bem vivo e com muita vontade de crescer. Como primeiro gesto, trocamos o antigo cabeçalho por outro mais moderno e funcional por ocupar espaço menor. A seguir, modificamos a apresentação tipográfica; eliminamos a matéria anedótica em busca de maior respiro para a Liturgia; elaboramos comentários, preces e atos penitenciais mais dinâmicos e um pouco mais engajados; começamos a apresentar dois breves artigos: o primeiro, ilustrando a mensagem bíblica do dia e servindo como ponto de partida para uma reflexão profunda; o segundo, de tipo catequético, explicando aos fiéis os valores mais preciosos da vida cristã (Sacramentos, Liturgia, Bíblia…). Como subsídios suplementares, eis também os “Discos de O Domingo” para facilitar o ensaio dos cantos publicados no Folheto — e os cartazes, que visualizam a mensagem central do Evangelho do dia e que são oferecidos de graça aos assinantes.

Muito apostamos no artigo-mensagem, que foi (e é) pensado como parte integrante da Liturgia, servindo como “recado” final a conscientizar o povo e a motivá-lo para assumir seus compromissos. No começo, este artigo apresentava-se num tom mais pacato, mais calmo e tranquilo; com o passar do tempo foi assumindo um jeito de forte denúncia, achando nós que não vale a pena escrever coisas que não cheguem a incomodar ninguém. Partimos de uma reflexão evangélica para abordarmos a realidade presente, contestando tudo aquilo que não bate com o Evangelho (injustiças, desigualdades, violência, aborto, imoralidades…). Nossa única preocupação é com a verdade e com as exigências do Evangelho.

Ao elaborarmos este artigo bem como os comentários litúrgicos, além dos textos bíblicos fazemos questão de manter ao alcance de nossas mãos também as “Conclusões da Conferência de Puebla”. Temos por certo que estas “Conclusões” nos apontam com clareza e espírito profundamente cristão a maneira certa de como interpretar o Evangelho hoje, e como aplicá-lo à realidade da América Latina. Assim procedendo, não corremos o risco de celebrar uma Liturgia desencarnada, virando as costas aos irmãos mais sofredores, espoliados de seus direitos fundamentais, roubados de sua dignidade de filhos de Deus.

VP: Em 1976 surgiu também “O Domingo-Culto Dominical” e, em 1978, “O Domingo das Crianças”: com que finalidade?

Pe. VIRGÍLIO: O “Culto Dominical” nasceu em benefício das Comunidades que, por falta de padre, não têm como se reunir para celebrar a Eucaristia. Dom Clemente Isnard, na época responsável pelo Setor da Liturgia junto à CNBB, animou com todo carinho nossa iniciativa e nos orientou na preparação do esquema do Folheto.

Inúmeras são as Comunidades do interior e das periferias que apenas raramente podem contar com a presença de um padre e que, mesmo assim, sentem o desejo de ouvir e refletir em grupo a palavra de Deus. A elas o Folheto leva as Leituras bíblicas de acordo com os Tempos Litúrgicos; proporciona comentários e orientações para a correta interpretação dos textos sagrados; exorta o grupo a trocar ideias experiências, a compartilhar com todos alegrias e tristezas, lutas e problemáticas da vida; convida a unir as forças para se enfrentar com sucesso a dura realidade; aponta os compromissos de cada um e mostra o caminho da fé e da esperança em Jesus Cristo, o Salvador.

O “Culto Dominical” apresenta o roteiro completo da celebração da Palavra. Roteiro, porém, que é propositalmente diferenciado ao máximo do roteiro da Missa. De forma que o povo não venha a pensar que está celebrando a Eucaristia, dispensando de uma vez a presença do padre.

O “Domingo das Crianças” veio completar nosso trabalho de apoio à Liturgia, visando a preparar uma celebração eucarística de acordo com a mentalidade da criança. Sabedores de que a criança vive num universo próprio, precisa de uma escola própria e tem em tudo exigências próprias, achamos que também tem direito a uma Liturgia própria. E foi assim que pensamos neste Folheto. As solicitações que a este respeito nos foram encaminhadas de várias partes do Brasil, nos animaram a dar início ao novo trabalho.

O “Domingo das Crianças”, embora bastante divulgado, está encontrando certa resistência por não trazer os mesmos textos bíblicos apresentados na Liturgia dos adultos. Depois de muita insistência junto aos órgãos competentes da CNBB, agora obtivemos a permissão de usar, também na Missa com crianças, as Leituras da Liturgia normal. Começaremos a publicá-las a partir do próximo Advento.

VP: Há agentes de pastoral achando que os Folhetos litúrgicos impedem a criatividade das Comunidades. Qual sua opinião a respeito disso, sobretudo espelhada nas centenas de cartas mensais que recebe?

Pe. VIRGÍLIO: A finalidade do Folheto é ajudar, não atrapalhar a Liturgia; deve apresentar opções, não impor um produto já preparado. Mensagens, preces, comentários e atos penitenciais podem muito bem ser substituídos por outros, elaborados de acordo com a realidade local. Nós cansamos de colocar rubricas convidando as Equipes de Liturgia a se movimentarem neste sentido.

Com efeito, muitas Comunidades usam o Folheto só por causa das Leituras bíblicas, dos cantos, das Orações Eucarísticas e dos artigos finais. O resto é quase sempre “feito em casa”. Mas outras Comunidades — a maioria — preferem seguir fielmente o Folheto, da primeira à última palavra. Não tanto por serem fanáticos dos produtos “enlatados”, quanto porque, pelos mais variados motivos, encontram enormes dificuldades em preparar a Liturgia dominical.

Há ainda quem diga ter chegado a hora de queimarmos os Folhetos litúrgicos, “obrigando” as Comunidades a celebrar com a maior espontaneidade, sem nada na mão. Profetas assim são acostumados a celebrar com grupos pequenos e selecionados, evidentemente. Mas, celebrar com grupos de quinhentas ou mil pessoas, sem o auxílio do Folheto, é outra coisa. Ainda por cima, quando os microfones funcionam tão mal que nem a palavra de Deus dá para ser captada…

Sim, bem que podemos tirar o Folheto da mão da Comunidade. Mas tudo voltaria como nos tempos de outrora: o padre debruçado em seu Missal, lá no meio do altar; e o povo, ao longe e em silêncio (se é que fica em silêncio… ), sem nada ouvir e entender, e sem participar.

O povo procura o Folheto porque precisa, uma vez que o ajuda a participar mais. Tirá-lo dele, não passa de um gesto de autoritarismo. O mínimo que podemos fazer é deixar que o povo decida se e quando o Folheto deve ser dispensado. O Folheto deve morrer por si, de morte natural. Não temos o direito de condená-lo a uma morte violenta.

VP: Qual a importância destes periódicos para uma autêntica libertação do povo sofredor que busca ansiosamente viver, sem resposta às suas buscas?

Pe. VIRGÍLIO: O Folheto litúrgico não é uma arma automática para acabar com a violência, a injustiça e a opressão; nem pretende libertar os povos sofredores. Quem liberta é Deus. O Folheto pode e deve conscientizar o povo de que a libertação é possível, desde que ele procure o verdadeiro Libertador e colabore com ele. Porque, na medida em que o povo se afasta de Deus, afasta-se também da libertação; na medida em que se aproxima de Deus, caminha para a libertação.

A missão do Folheto litúrgico é ajudar o povo a celebrar a Eucaristia. Eucaristia que é memória da morte e ressurreição do Senhor; também memória daquilo que o Senhor realizou em função da libertação do seu povo. O povo que escuta a palavra de Deus e as mensagens que o Folheto traz, toma conhecimento de que Deus o ama e o quer livre, seja do pecado pessoal como do pecado social. Consciente disso, o povo não mais se conforma com seu pecado e com a situação de injustiça em que foi jogado. Clama por Deus, e Deus ouve seu clamor. É nesta hora que o povo começa a sair do seu “Egito”: a sua libertação está em andamento.

Se o Folheto litúrgico for capaz de levar o povo a celebrar uma Eucaristia completa: memória da ressurreição de Cristo e promessa da libertação do homem — então cumpriu com sua missão.

Temos provas de sobra de que o nosso Folheto está ajudando muito neste sentido. O povo aprecia o nosso trabalho. Aprecia principalmente as palavras claras e corajosas, quando elas refletem a própria palavra de Deus, que só pode dar a resposta certa para quem ansiosamente busca a verdadeira vida.

Pe. Darci Luiz Marin