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Publicado em número 144 - (pp. 35-37)

Comunicação — base para uma nova sociedade

Por Por Pe. Darci Luiz Marin

(Entrevista com D. Paulo Evaristo Arns)

D. Paulo Evaristo Arns nasceu em 14 de setembro de 1921, na localidade de Forquilhinha, município de Criciúma, Estado de Santa Catarina. Fez seus estudos de filosofia em Curitiba e teologia em Petrópolis, no Instituto dos Franciscanos. Foi ordenado sacerdote em 30 de novembro de 1945. Em 1947 foi para Paris, onde cursou letras na Sorbonne, doutorando-se em 1952. De volta ao Brasil, dedicou-se ao magistério e, simultaneamente, por mais de dez anos, exerceu seu ministério sacerdotal entre os pobres dos morros de Petrópolis. Em 1963 foi sagrado bispo. Por quatro anos exerceu o trabalho de Vigário Episcopal da Região Norte da Arquidiocese de São Paulo, cargo que ocupava quando da nomeação para Arcebispo Metropolitano de São Paulo em outubro de 1970. No Consistório de 5 de março de 1973, Paulo VI nomeou-o Cardeal. É membro da Sagrada Congregação para os Sacramentos, Coordenador da pastoral dos meios de comunicação social, Grão-Chanceler da Pontifícia Universidade Católica e da Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção em São Paulo, e presidente do Regional Sul 1 da CNBB.

D. Paulo aceitou prontamente ao convite em deixar-nos sua mensagem de Pastor, por ocasião da Campanha da Fraternidade deste ano. Com alegria partilhamos neste espaço o que ele nos disse.

 

VIDA PASTORAL (VP): Quais as pistas que o senhor daria aos sacerdotes e agentes de pastoral para vivenciarem e transmitirem em profundidade a Campanha da Fraternidade de 1989?

D. Paulo: Relembro que a comunicação é uma prioridade em nosso plano de pastoral. Isto significa que se trata de um problema urgente, que exige resposta com a participação de todos. Um ponto inicial neste trabalho com a comunicação é fazer dele um elemento multiplicador e de presença evangelizadora dos cristãos em meio aos problemas que afligem a vida do povo.

É preciso que os agentes de pastoral ajudem o povo a entender de maneira prática e direta a importância da comunicação para a sua vida. A comunicação é tão importante quanto os problemas da moradia e da defesa dos direitos humanos. A comunicação é a alma democrática para a defesa e organização do povo.

A própria Campanha da Fraternidade deve mostrar de que maneira essa força da comunicação penetra na vida do povo trazendo-lhe tantos elementos negativos, mas, sobretudo, elementos positivos. Redescobrir a importância da comunicação e dedicar-lhe tempo e projetos é um grande serviço que estaremos prestando à tarefa evangelizadora da Igreja. Pois o Evangelho é comunicação da Boa-Nova da vida e da liberdade partilhada.

 

VP: Tendo presente a realidade na qual o país se encontra, de que maneira os cristãos poderiam ser mais incisivos na construção de uma “comunicação para a verdade e a paz”?

D. Paulo: A situação atual apresenta muitas possibilidades novas. É preciso que a comunicação e os comunicadores em todos os níveis tragam a sua contribuição para refazer a vida nacional.

A comunicação tem a responsabilidade de tornar conhecida e de levar à ampla discussão da opinião pública a real situação econômica do país. As notícias e a divulgação não podem ficar centralizadas nos interesses do poder e dos atos do governo. Têm que abrir-se para os reais interesses e resistência populares.

A defesa dos interesses do movimento popular e o estímulo de suas lutas e reivindicações são tarefas urgentes para a comunicação, como um elemento importante na reestruturação da nação.

A defesa da democracia é o serviço político mais urgente que se espera dos comunicadores. A construção de uma nova sociedade brasileira passará por este compromisso libertador da comunicação. É a democracia como opção primordial de transformação do país em todos os seus aspectos e níveis. Esta nova sociedade só poderá ser feita através da participação consciente. E por isso a comunicação deve estar presente e comprometer-se com os grupos sociais dominados e excluídos. A comunicação tem sua contribuição importante, para fazer desses setores sociais forças imprescindíveis de um novo sujeito histórico transformador da vida nacional.

Os organismos de proteção e de defesa da sociedade civil, as escolas e as universidades têm, no momento atual, um papel importante para a reconstrução nacional. O afastamento do autoritarismo político, a implantação das reformas urgentes (reforma agrária, e reforma urbana nas grandes cidades e metrópoles) passarão também por um empenho desses órgãos e desses universitários e profissionais, na elaboração e na implantação de um projeto de sociedade civil, que os poderes constituídos não estão sendo capazes de realizar.

 

VP: Há quem diga que, com tantas carências materiais presentes na realidade cotidiana da grande maioria de nossos irmãos e irmãs que buscam a vida pelo Brasil afora, dedicar toda uma Campanha da Fraternidade à causa da comunicação é, no mínimo, questionável. Como o senhor vê isso?

D. Paulo: Pelo que dissemos, vê-se que a comunicação não é um problema secundário. Não é luxo. É uma emergência para a defesa dos interesses e melhoria da vida popular. O importante é perceber que a alma e a força dinâmica da comunicação é a lógica da maioria, e não os privilégios e interesses de uma pequena minoria. O povo tem direito à informação e nela encontrará uma forte arma para sua luta.

A informação não pode ser manipulada pelo governo, por partidos políticos nem por grupos econômicos e por grandes empresas jornalísticas.

Um dos desafios atuais da comunicação é deixar de estar servilmente atrelada aos interesses do Estado, e colocar-se corajosamente ao serviço da vida do povo.

Atualmente, não é mais suficiente ser a voz dos que não têm voz. É preciso fazer o próprio povo falar, reivindicar e organizar-se de maneira eficaz. É o povo, falando e defendendo sua cidadania, que será o caminho mais rápido e mais eficaz para a recomposição da democracia em nosso país. Na vida civil, está na hora de desenvolver a consciência e as consequências da cidadania livre e democrática. Na vida eclesial, está na hora de reanimar e de revigorar ainda mais o papel e a responsabilidade dos Leigos, e seu papel na evangelização. Na vida pastoral, estamos sendo chamados a dar passos mais decisivos para a evangelização. A vida das CEBs mostrou sua importância: elas são focos de esperança para a vida dos grupos e constroem a comunhão na base da vida popular. A ativação da religião na vida e nas lutas das massas populares é o desafio. O trabalho de massa visa a atingir, de uma só vez, um grande número de pessoas e grupos sociais, para animá-los e orientá-los praticamente em suas opções políticas, civis e também religiosas.

A comunicação tem papel importante nessa tarefa, pelo uso e divulgação dos símbolos, atos e gestos que farão da cultura popular a alma da luta do povo, em prol de um futuro mais livre e promissor.

 

VP: No aspecto social: Os grandes meios de comunicação costumam descaracterizar a realidade conforme interesses, sobretudo econômicos. Ao povo, em sua grande maioria, foi e está sendo negada a informação para um aparato crítico às mensagens que lhe são transmitidas. De que maneira mudar esse quadro ideológico, mantenedor de profundas desigualdades sociais?

D. Paulo: A luta contra ideologias e interesses não tem eficácia, quando não se apresentam novas ideias que enfrentarão tais ideologias. As ideologias de dominação se vencem por uma persistente resistência da prática e da pressão popular. É um dos aspectos da pedagogia dos oprimidos que devemos reanimar e incentivar por todos os meios.

Estar a serviço da consciência e das opções críticas do povo. Neste particular, por exemplo, seria possível e desejável multiplicar programas (de rádio e de TV) ou assembleias populares com a participação ativa do povo. Não basta falar para o povo, ou apenas falar com o povo. Faz-se urgente levar o próprio povo a falar e a dizer os seus problemas e, principalmente, os caminhos de solução.

Também seria bom intensificar e multiplicar os quadros e meios alternativos de comunicação popular. E o aparato de comunicação que possuem as Igrejas — a Igreja católica e as outras Igrejas — seja usado e ativado com eficiência e com competência para uma real evangelização, que se colocará a serviço dos interesses e da consciência crítica popular.

 

VP: Para a Igreja católica: a) É viável levar a termo um projeto mundial de comunicação? b) Como fazer para respeitar as culturas locais nos métodos empregados pelos meios de comunicação de que a Igreja se serve?

D. Paulo: A nível da comunicação da mensagem, Paulo VI fala da necessidade de encarnar o ensinamento do Evangelho nas culturas e realidades locais. O atual Papa João Paulo II insiste na necessidade de a Igreja ser um sinal realmente universal, “católico”, para todas as culturas.

A realização técnica de projetos globais de comunicação deverá respeitar os princípios éticos de relacionamento entre as nações e as culturas. Deverão favorecer o diálogo e o intercâmbio, principalmente entre o Norte e o Sul, tendo em vista uma nova qualidade de crescimento e da libertação das culturas e dos povos ainda dominados.

Não podemos fazer de uma nação ou de uma cultura regional — por mais valiosa e veneranda que seja — a fonte e a medida para a vida, cultura e política de outras nações e culturas do mundo. Isso seria nova face e novo aspecto do colonialismo e do imperialismo dominador.

 

VP: Há muitos anos o senhor vem contribuindo pessoalmente no serviço ao Evangelho através dos meios de comunicação, sobretudo dirigindo-se à população mais pobre. O que mais o tem animado neste importante trabalho à Igreja, notadamente do ponto de vista pastoral?

D. Paulo: Como cristãos, temos de estar sempre conscientes de que o Evangelho é Palavra, é comunicação. Por isso, nossa vida tem por centro o projeto da comunicação da Palavra que liberta e que dá vida.

Devo dizer que sempre tive uma alma de jornalista. Sinto-me muito bem e à vontade nos meios jornalísticos, e fico muito feliz com a amizade e os serviços que os jornalistas prestam à Igreja e à defesa da vida e dos interesses do povo. Através da Rádio procuro estabelecer uma comunicação direta e pessoal com este povo: a palavra da comunicação é um encontro direto com o Pastor que procura levar a caminhada “de esperança em esperança”.

 

VP: Qual a mensagem que o senhor gostaria de deixar aos milhares de sacerdotes e agentes de pastoral que nos acompanham em todo o Brasil, nesta Campanha da Fraternidade de 1989?

D. Paulo: A comunicação é um outro aspecto da evangelização. Esta é a manifestação da Palavra que comunica o Espírito de Vida e de Amor. Espero que, nesta Campanha da Fraternidade, descubramos a comunicação como a manifestação e o dom do Espírito de Jesus Cristo. O Espírito Santo é o Dom Transcendente. Ele é Deus, como o Pai e como o Filho. Ele é a força e o dinamismo da Palavra que liberta. Trabalhar pela comunicação é colocar-se à escuta e ao serviço daquilo que o Espírito Santo está falando ao mundo e às Igrejas. Que o Espírito Santo nos ilumine e nos encoraje para realizar uma obra de evangelização, necessária para este final de século e prenúncio de um caminho para o século novo, cujas luzes já despontam brilhantes em nosso horizonte!

Por Pe. Darci Luiz Marin