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Publicado em número 162 - (pp. 2-5)

Juventude: sinal de esperança

Por Pe. Darci Luiz Marin

(Entrevista com D. Antônio Celso de Queiroz)

D. Antônio Celso de Queiroz nasceu em Pirassununga (SP), em 1933. Foi ordenado sacerdote em Comillas, Espanha, a 17/4/1960. Recebeu a ordenação episcopal a 14/12/1975. Desde então é bispo auxiliar da arquidiocese de São Paulo (região Ipiranga). Membro do CEP da CNBB de 1979 a 1987. Encarregado da Linha 1: Vocações e Ministérios (CNBB nacional). Eleito secretário-geral da CNBB para o período 1987 a 1991 e reeleito para o período 1991 a 1994. Gentilmente D. Celso, como é chamado, nos concedeu esta entrevista em preparação à Campanha da Fraternidade de 1992 que, a seguir, reproduzimos.

 

VIDA PASTORAL (VP): Conte-nos como e por que se deu a escolha do tema JUVENTUDE para a Campanha da Fraternidade (CF) 92.

D. Celso: A cada ano a Igreja no Brasil tem escolhido um assunto de especial gravidade ou oportunidade para tema da Campanha da Fraternidade. Essa escolha, definida em última instância pelos bispos que dirigem a CNBB, é feita a partir de propostas que vêm das dioceses, comunidades e grupos. Os jovens fizeram um grande movimento já em 1989 para pedir esse tema. Foram 120 mil assinaturas de todo o Brasil. Mas 1991 era o centenário da Rerum Novarum e o tema escolhido foi “Mundo do Trabalho”. Houve, porém, um compromisso dos bispos para 1992. Assim mesmo os jovens fizeram nova mobilização e recolheram mais de 450 mil assinaturas solicitando a indicação de “juventude” como tema da Campanha.

 

VP: Mudando a temática da CF a cada ano corre-se o risco de ficar na superfície do que se busca alcançar. Por que não dar mais tempo para a reflexão dos temas (a serem projetados e atuados conjuntamente pelas linhas ou dimensões da CNBB) nas próximas Campanhas?

D. Celso: A CF não é toda nem a mais significativa parte da ação pastoral da Igreja. Ela é uma Campanha dentro do esforço global de evangelização. Como Campanha ela tem seus aspectos fortes e suas fragilidades. Toda Campanha é passageira, é um momento forte, mas fugaz. O importante é que ela lance raízes e tenha desdobramentos significativos. Ao definir um tema para cada ano, respeitamos sua natureza de Campanha. Ao definir temas que sempre se ligam diretamente ao campo e conteúdo da Evangelização, garantimos sua continuidade orgânica. Tomando o conjunto dos temas das Campanhas percebemos claramente como a Igreja no Brasil entende e realiza a sua missão de anunciar a Boa-Nova no contexto concreto da realidade brasileira. O objetivo da CF não é encontrar cada ano soluções particulares para os problemas abordados. Seu objetivo é colocar a Igreja toda a caminho da conversão, da grande e radical mudança que a torne sempre mais apta para responder evangelicamente ao grande desafio da evangelização.

 

VP: Quais os símbolos mais expressivos emergentes do material da CF/92 para estimular um trabalho de evangelização junto aos jovens?

D. Celso: O grande sinal é a própria realização da Campanha, como marca da preocupação que a Igreja no Brasil tem para com os jovens. Afinal é a única e grande Campanha anual, realizada no tempo mais próprio da vida das comunidades.

O lema é particularmente sugestivo: “Juventude, caminho aberto”. É um lema dinâmico que impulsiona para a frente. Convida os jovens a avançar e obriga a Igreja e a sociedade a abrir espaços. O tema do caminho é muito rico na espiritualidade cristã. “Vem e segue-me”. Seguir o Mestre é realizar a própria vocação, crescendo na fé até chegar à “plena estatura de Cristo”. “Caminhamos na estrada de Jesus”, em comunidade, em grupo, lutando para transformar a sociedade.

O cartaz, em sua simplicidade, expressa plasticamente o impulso do jovem que vai em direção ao mundo, envolto na neblina que não consegue extinguir a luminosidade de Cristo.

A Campanha está, igualmente, repleta do apelo ao “novo”. Renovação de vida, Igreja e comunidade renovadas, novos símbolos, nova linguagem, nova sociedade, novo mundo. Ela se insere assim na mensagem de renovada evangelização lançada pela Igreja em suas Diretrizes Pastorais. Para os jovens esse apelo forte ao “novo” representa um incentivo à criatividade e uma afirmação de confiança. O importante é que, ao menos, nossas comunidades o percebam e abram possibilidades concretas para a juventude realizá-lo.

 

VP: O senhor falou de “Diretrizes Pastorais”. O que são e qual o eixo central das Diretrizes Gerais da Ação Pastoral da Igreja no Brasil (91/94) e como os agentes de pastoral podem traduzi-las no dia a dia de sua missão?

D. Celso: As Diretrizes Gerais constituem, por assim dizer, a grande usina geradora da ação pastoral. Essa ação é múltipla em sua forma concreta, em seu instrumental, em suas atividades e métodos. As Diretrizes são a energia, a luz, o grande caminho que a Igreja se propõe a percorrer.

Nas atuais diretrizes — todas elas foram sempre um grande projeto global de evangelização — sobressai em primeiro lugar o impulso renovador. É o “evangelizar com renovado ardor missionário”, três palavras cheias de dinamismo. A pessoa de Cristo domina toda ação, pelo testemunho de sua vida, pelo lugar central dado ao amor fraterno e pela imitação de seu amor preferencial pelos pobres. É a partir de Cristo que se forma o povo cristão e se assume a presença atuante na reconstrução de um mundo segundo os desígnios de Deus, a serviço da vida e da esperança.

As atuais diretrizes estão muito voltadas para a realidade injusta e marginalizada vivida pelo povo brasileiro em busca de libertação. A referência à realidade cultural com sua atenção ao pluralismo e ao cuidado com as pessoas são um forte apelo a uma pastoral mais diferenciada e personalizada. Por fim a consciência da necessidade de maior formação e atualização dos agentes indica que nossa pastoral percebe bem os desafios que as novas realidades, a modernidade, a urbanização, as transformações culturais colocam diante da missão.

 

VP: As condições de vida para a maior parte da juventude brasileira são precárias: falta de moradia, falta de trabalho, subemprego, baixos salários, não há como estudar, o latifúndio expulsa o jovem do campo… Qual a missão da Igreja diante dessa realidade?

D. Celso: As condições de vida da maior parte da juventude brasileira refletem as condições de vida da grande maioria do povo. Os jovens são vítimas da escandalosa concentração de renda — um dos campos em que o Brasil detém uma marca digna de medalha no conjunto das nações. Sobre os jovens, porém, pesam ainda aspectos particularmente perversos dessa situa­ção. Eles são obrigados a viver desenraizados, seja do ambiente em que nasceram, seja dos valores em que foram educados. Além disso, continuam sem possibilidade de estudo e preparação para a vida profissional num mundo cada vez mais competitivo. E, como se não bastasse, são grandes vítimas da recessão que nega oportunidade de emprego ou avilta os salários sobretudo para quem está chegando ao mercado.

Diante dessa situação, a Igreja prossegue em sua luta por uma sociedade justa e solidária, atuando nas causas geradoras da situação. Essa urgente luta que, deve estar presente em toda a ação pastoral não leva a esquecer, porém, aquelas ações que visam presença e apoio junto à juventude em suas necessidades de desenvolvimento pessoal e crescimento na fé.

 

VP: A fase jovem da vida tende a se caracterizar pelos horizontes de esperança. Em nossa realidade atual esses horizontes não são tão promissores… O senhor vislumbra caminhos de esperança para nossos jovens (sobre os quais os agentes de pastoral poderiam insistir mais)?

D. Celso: Nossa realidade é dura e difícil. Ela não se presta a sonhos baratos ou veleidades. Mas, por isso mesmo, ela é uma realidade onde só a esperança pode nos sustentar. É nos tempos difíceis que a esperança encontra lugar. A juventude foi sempre um sinal de esperança para a humanidade que, apesar de seus desatinos, não consegue impedir que a história continue e seja refeita pela geração seguinte. Sinal de esperança também porque a juventude é o tempo do novo, tempo de fortes impulsos do Espírito do Ressuscitado que vence o mal e a morte. Penso sempre, e cada vez com maior convicção, que ainda estamos no início da era cristã. Cada geração de jovens tem a chance de vivenciar aspectos da Boa-Nova que ainda nos são obscuros. Cada nova “onda” jovem leva a criatividade humana mais longe, mais adiante. Por mais duro que seja o caminho, sustentados pela esperança, os jovens de hoje estão preparando um mundo melhor para seus irmãos.

 

VP: Como o senhor vê a Pastoral da Juventude desenvolvida no Brasil nesses últimos anos?

D. Celso: É preciso distinguir a Pastoral da Juventude em sentido amplo e em sentido específico. Esta segunda constitui a Pastoral da Juventude em seu sentido mais restrito, tal qual é organizada em nível de base, diocesano, regional e nacional. A primeira abarca todo o trabalho pastoral da Igreja junto à juventude. Essa ação é muito ampla. Basta considerar o trabalho de educação realizado nas escolas católicas de nível médio e universitário. Há depois os movimentos. São de natureza muito variada, mas todos preocupados em criar clima e oferecer instrumental sobretudo para a educação na fé. Há ainda os grupos das paróquias e comunidades, além da catequese, sobretudo por oca­sião da crisma.

Ao lado de tudo isso e ligada às vezes a uma ou várias dessas iniciativas está a Pastoral da Juventude em seu sentido mais específico. Ela visa formar jovens dentro da pastoral orgânica, integrada nas várias dimensões e áreas da pastoral global e inserida na Igreja particular. Ela é organizada a partir dos jovens e por eles mesmos assumida. Dentro das atuais Diretrizes Gerais da Ação Pastoral da Igreja no Brasil ela oferece oportunidade de formação de novas lideranças que levam ao engajamento social como testemunho da fé. É uma realidade ainda bastante limitada, repetindo, com relação à juventude, a dificuldade da Igreja no Brasil na formação de lideranças leigas.

 

VP: Tendo presente o grande número de jovens que compõem nossa população, por que tão poucos participam das celebrações litúrgicas e iniciativas da Igreja (nas paróquias, CEBs etc.), preferindo se reunir em outros locais para a partilha e a confraternização? Não estaria havendo defasagem entre o discurso da Igreja e a realidade vivida pelos jovens (exemplo: no campo da afetividade…)?

D. Celso: O problema do número dos participantes nas comunidades eclesiais não é, certamente, um problema específico da juventude. É uma realidade negativa da Igreja católica em nosso país. Descontado aquele afastamento temporal da adolescência e juventude, constatado em toda parte, a prática religiosa dos jovens corresponde, em princípio, ao conjunto dos católicos. Mas há, certamente, comunidades e paróquias onde essa participação é visualmente mais numerosa ou quase inexistente. Aí existe ou falta o cuidado pastoral maior, a preocupação ou não em oferecer espaço adequado, o incentivo ou o impedimento a uma maior participação. A frequência com que ocorre nas comunidades a incapacidade de compreensão dos anseios dos jovens faz certamente temer que a presença dos jovens hoje, e dos adultos amanhã, decresça progressivamente. Aí está, sem dúvida, um grande desafio para os agentes de pastoral, sobretudo os padres.

 

VP: Dê-nos algumas pistas para alcançar os jovens nos programas de pastoral urbana que hoje vêm sendo realizados por dezenas de dioceses em todo o Brasil.

D. Celso: Certamente a pastoral urbana é um desafio imenso para a Igreja. Mais ainda, o urbano, constitui um desafio para todos. Como governar uma megalópole? Como garantir qualidade de vida, mora­dia, transporte, escola e saúde etc. para uma população que ontem se achava dispersa em vastos territórios e hoje se concentra no espaço apertado da cidade grande? Não é só a Igreja que se interroga. São os governos, as famílias, os educadores. O urbano não é um espaço criado por nós. O urbano nos assaltou por força de transformações culturais da sociedade e, certamente, por força da não realização de transformações sociais profundas, devido à incapacidade ou descaso dos responsáveis.

A vida nas grandes cidades brasileiras acrescenta as mudanças culturais dos valores tradicionais à miséria e à marginalização anteriores. Nesse quadro, os jovens são os mais atingidos. Nosso esforço de criatividade com relação à pastoral urbana é um duro aprendizado dessa nova situação. É necessário levar em consideração a cultura urbana e, dentro dela, a cultura jovem, seu modo próprio de interpretar a vida, seus valores, sua linguagem. Certamente a atenção deve estar voltada para o pluralismo das situações religiosas vivenciadas pelos jovens, bem como para a necessidade de atenção à pessoa que busca valoriza­ção, segurança e valores perenes numa sociedade profundamente instável.

 

VP: Uma mensagem aos sacerdotes, religiosos(as) e agentes de pastoral a partir desta CF/92.

D. Celso: Minha palavra é uma só. A Igreja precisa de padres, religiosas e agentes que tenham amor e entusiasmo para trabalhar com os jovens. Gente que se prepare para isso e assuma o trabalho com competência e dedicação. Longos anos de vida de meu ministério eu os dediquei à juventude. Lucrei mais do que consegui dar. A esse trabalho devo muito do que carrego comigo como ministro do evangelho. Com os jovens aprendi a acreditar mais na semeadura do que na colheita. Com eles aprendi muito do diálogo, do processo de crescimento das pessoas e, sobretudo, da esperança. Quem acredita na vida e no Espírito de Deus não tem medo dos jovens. Cresce com eles e se renova a cada passo. Não seria essa a principal conversão de nós adultos na CF de 1992? Também para nós o caminho está aberto.

 

Pe. Darci Luiz Marin