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Publicado em setembro-outubro de 2010 - ano 51 - número 274 - (pp. 30-35)

Conversão de Nínive, perdão divino e conversão de Jonas: Uma leitura de Jonas 3-4

Por Ir. Enilda de Paula Pedro, rbp; Maria Antônia Marques

Neste ano de 2010, na quarta-feira de Cinzas, a passagem do evangelho dizia o seguinte: “Não saiba tua mão esquerda o que fez tua mão direita” (Mt 6,3). O presidente da celebração aproveitou para dar um exemplo concreto, relatando o que havia acontecido com ele naquela semana.

Uma senhora, atuante na comunidade, pediu-lhe o seguinte: “Padre, estou completando 30 anos de casamento. Já paguei para colocar tapetes na igreja e enfeitá-la com muitas flores. Quero a igreja linda, mas só para mim…”. Ela ainda falava quando entraram duas senhoras muito simples e se dirigiram ao padre. Uma disse: “Faço 60 anos de casamento e quero mandar celebrar uma missa”. A outra continuou: “Eu também, padre. Meu marido e eu completamos 20 anos de casamento. Queremos comemorar com a eucaristia aqui nesta igreja, pois foi aqui que casamos”.

O padre retrucou: “Tudo bem. Faremos uma linda celebração, comemorando três casamentos! Que maravilha!” A primeira senhora se exaltou: “Maravilha, não, senhor. Eu paguei para arrumar a igreja e quero uma celebração para mim. Depois elas podem entrar com os maridos e aproveitar os enfeites”. O padre insistiu: “Mas a eucaristia é comunhão. Nós faremos tudo junto e Deus abençoará a todos e a todas”.

“Padre, não venha com gracinha para o meu lado. O senhor sabe quem sou eu? Sou membro desta comunidade antes de o senhor ser padre. Sou ministra da eucaristia, ajudo a arrumar a igreja aqui desde que ela começou. Na construção desta igreja, eu dei o material para erguer todas estas colunas. Os altares de todos os santos fui eu quem doou… Eu tenho direito a uma missa especial.”

“Minha irmã, pode levar as colunas, os altares… Deus, a fraternidade, a partilha são mais do que tudo isso…”

A dita senhora saiu da igreja esbravejando e não voltou até hoje…

Essa imagem, essa autossuficiência que faz as pessoas se sentirem melhores do que as outras — como as privilegiadas, as abençoadas e as escolhidas por Deus —, vêm de longe. Na Bíblia, muitos textos refletem esse jeito de se comportar e de ver Deus.

 

1. Situando-nos na história

No exílio, surgiu a noção de que o povo de Israel era o povo eleito. Essa concepção foi importante para garantir a coesão e a identidade do povo. No entanto, a ideia de povo eleito incluía a noção de superioridade e privilégios. No pós-exílio, essa maneira de pensar levou o povo de Israel ao exclusivismo e à separação de grupos divergentes e de estrangeiros. Riqueza, descendência e vida longa eram consideradas como bênçãos de Deus para a pessoa que observava a Lei, adorando somente o Deus de Israel. As leis da pureza determinavam quem estava mais próximo de Deus e quem estava mais distante. As pessoas ligadas ao Templo acreditavam que a misericórdia de Javé era apenas para o povo de Israel.

O livro de Jonas nasceu em resposta a esses conflitos, reafirmados pela oficialização da teologia racial e nacionalista em Jerusalém no pós-exílio. Essa teologia surgiu entre os judeus exilados, provavelmente entre grupos sacerdotais, para enfrentar a escravidão, manter sua identidade e dignidade no exílio da Babilônia. A elite judaica estendeu a todos os exilados a lei do sábado, da pureza e da circuncisão. Israel foi apresentado como povo eleito por Deus que devia ser santo e puro, afastando-se dos costumes dos estrangeiros opressores. Nesse período, desenvolveu-se o monoteísmo, ou seja, a afirmação de que as divindades dos opressores não são deuses e só o Deus dos escravos em luta contra a escravidão — neste caso, Javé — é o Deus verdadeiro.

A partir de 538 a.C., porém, determinados grupos de judeus voltaram para Jerusalém com o apoio do império persa e com genealogia que os apresentava como legítimos e puros descendentes de Abraão. Assim, eles reivindicaram seus latifúndios de volta, e as concepções nascidas no exílio foram usadas para legitimar a concentração do poder em suas mãos. Além de tudo, acusaram as lideranças que haviam ficado na terra de se terem tornado impuras, bem como os pobres e os estrangeiros, e as discriminaram.

O que foi libertador no exílio agora estava sendo usado para excluir os estrangeiros, marginalizar e oprimir os pobres e os doentes que viviam em Israel. Esse conflito se acirrou quando o contato de Israel com outros povos aumentou, seja na diáspora, seja no avanço do comércio internacional. Nesse contexto, os grupos mais abertos, contrários a essa visão nacionalista, elaboraram o livro de Jonas.

Em síntese, os judeus nacionalistas se sentiam o povo eleito e por isso não se converteram. No texto sobre Jonas, os estrangeiros são identificados com os ninivitas, e esse povo se converte. E quem são os ninivitas?

 

2. Conhecendo a cidade de Nínive

“Nínive era uma cidade muito grande, de três dias de marcha” (Jn 3,3b); era uma das quatro maiores cidades da Assíria, ao lado de Assur, Calah e Arbela. Uma cidade que tinha como protetora Ishtar, a deusa do amor e da guerra. Por sua importância comercial e geográfica, Nínive foi transformada em uma das capitais do império no reinado de Sargão II (721-705 a.C.) e, no tempo de Senaquerib (704-681 a.C.), se tornou a única capital do império assírio. Nesse período, o rei fortificou a cidade, estabeleceu um novo palácio e fez grandes construções. Seus sucessores também construíram outros palácios e templos. Nínive media em torno de 4,5 quilômetros de largura por 5,5 quilômetros de extensão. Afirmar serem necessários três dias para atravessá-la é um exagero do autor do livro de Jonas, para reforçar a sua importância (Jn 1,2; 3,2; 4,11).

Os assírios se tornaram famosos por sua crueldade. De acordo com os registros da história, eles empalavam e queimavam vivos os povos dominados. A profecia de Naum chama Nínive de a “cidade sanguinária, toda cheia de mentira, repleta de despojos, onde não cessa a rapina” (Na 3,1). Para atingir seus objetivos, os assírios usavam meios violentos e inescrupulosos. Nínive se tornou símbolo da maldade dos imperadores que dominaram o Antigo Oriente, dos oficiais e de todo o exército que agiam de maneira brutal (Na 3,2-4).

Por diversas vezes, o povo de Israel experimentou a opressão da Assíria. De acordo com 2Rs 15,19-20, Teglat Falasar III invadiu Israel e Manaém teve de pagar enorme tributo para consolidar seu poder. Mais tarde, por volta de 732 a.C., grande parte do território do Norte foi tomada e parte da população deportada. Em 722 a.C., a Samaria foi invadida e transformada numa província assíria, a elite foi deportada e substituída por uma estrangeira (2Rs 17,24). O reino do Sul, Judá, passou a pagar tributo à Assíria em 732 a.C. Em 701 a.C., Senaquerib, rei assírio, invadiu o reino do Sul e apoderou-se de 36 cidades-fortalezas (cf. 2Rs 18-20). O povo de Israel, tanto do Norte quanto do Sul, experimentou na própria pele a violência do império assírio.

Quando o livro de Jonas foi escrito, Nínive já não existia havia mais de dois séculos, mas permanecia como símbolo de cidade má e opressora. A cidade podia ser identificada com qualquer centro estrangeiro da época. No livro de Jonas, Nínive é salva, mas no livro de Tobias, escrito um pouco antes, ela é destruída. Afinal, qual é o objetivo do autor do livro de Jonas ao mostrar a compaixão de Javé por um dos grandes inimigo de Israel? Qual a grande cidade da época do livro? Trata-se de Susa, principal centro administrativo do império persa (Ne 1,1; Est 1,2), ou o livro de Jonas quer fazer referência aos vários povos estrangeiros que moravam em Judá? E hoje, que desafios enfrentamos na grande cidade? Quais são os maiores inimigos de nosso povo? Aceitamos que a compaixão e a misericórdia de Deus também sejam para eles?

Vamos procurar respostas lendo e aprofundando os capítulos 3 e 4 do livro de Jonas.

 

3. Conversão de Nínive e o perdão divino

Temos novo recomeço da história de Jonas no capítulo 3. Mais uma vez, usando as mesmas palavras do capítulo 1, Jonas é convocado para a missão: “Levanta-te, vai a Nínive, a grande cidade, e anuncia-lhe a palavra que eu te disser” (Jn 3,2). Esse versículo não revela o conteúdo do anúncio, mas o capítulo 1,1 informa tratar-se de um julgamento. Como da primeira vez, Jonas levantou-se (Jn 3,3; cf. 1,3), mas agora não opôs obstáculos à sua missão. Ele agiu conforme a palavra de Javé: foi a Nínive.

Apesar da fuga de Jonas, não há uma palavra de ofensa ou recriminação. Javé o chama e insiste em sua missão. Ele é persistente e paciente com Jonas, assim como é com cada pessoa.

Imediatamente depois do chamado e da resposta de Jonas, a cena muda para Nínive. O autor não diz nada sobre a viagem de Jonas até lá, nem mesmo sobre as circunstâncias anteriores à viagem. O que importa é a informação sobre a missão de Jonas: bastou um dia de anúncio. Uma pregação brevíssima — apenas cinco palavras —, mas com êxito total.

Jn 3,4-10 relata a resposta de Jonas a Javé. Ele anuncia e os ninivitas se arrependem — desde o rei até os animais —, e ocorre também o arrependimento de Javé: “E Deus viu suas obras, que eles se converteram de seu caminho perverso, e Deus arrependeu-se do mal que ameaçara fazer-lhes e não o fez” (3,10). O texto apresenta um Deus muito humano, que se arrepende e se converte. Muda de posição.

Esta parte emprega um termo hebraico genérico para se referir a Deus. O termo Eloim é usado quatro vezes (Jn 3,5.8.9.10), enquanto Javé, o nome do Deus de Israel, não aparece. No capítulo 1,16, os marinheiros fazem sacrifício a Javé, ao passo que os ninivitas — habitantes e rei — pedem ajuda a Eloim. Os marinheiros ficaram conhecendo o Deus de Jonas, mas o mesmo não se deu com os habitantes de Nínive. Jonas não menciona o nome de Javé em seu anúncio. É possível que, tanto para o narrador como para a audiência, segundo uma visão monoteísta, os termos Javé e Eloim tenham o mesmo sentido.

Ao chegar à cidade, parece que Jonas não cumpre nenhum protocolo. Quer realizar quanto antes sua missão e “dar o fora”. De maneira direta, diz: “Ainda quarenta dias, e Nínive será destruída” (Jn 3,4). Conforme o “ritual” da visita, Jonas poderia continuar pregando no segundo e no terceiro dia, mas não foi necessário: “Os homens de Nínive creram em Deus” (3,5a). Acreditaram e agiram. A palavra chegou até o rei (Jn 3,6). A resposta dos ninivitas à mensagem de Deus foi imediata, antes mesmo de o pregador cumprir sua missão.

A ameaça de Deus é anunciada. Os habitantes da cidade se propõem fazer 40 dias de jejum e o estendem aos animais. Quarenta é um número muito significativo em Israel. Recorda o dilúvio, o tempo que o povo de Deus passou no deserto, o tempo do exílio da Babilônia (Ez 29,11-16). Os ninivitas compreendem o anúncio, mas têm confiança no perdão de Deus, conforme anunciado na tradição de Jeremias: “Ora, eu falo sobre uma nação ou contra um reino para arrancar, para arrasar, para destruir, mas, se esta nação contra a qual eu falei se converte de sua perversidade, então eu me arrependo do mal que jurara fazer-lhe” (Jr 18,7-8). Os habitantes de Nínive agem rapidamente: declaram um jejum, em seguida o rei também decreta um jejum extensivo aos animais grandes e pequenos. A crença de que o julgamento de Deus atinge os seres humanos e os animais é familiar a Jeremias: “Eis que minha ira ardente se derramará sobre este lugar, sobre os homens, sobre os animais, sobre as árvores do campo e sobre os frutos da terra” (Jr 7,20; cf. 21,6; 27,5).

A prática do jejum é antigo costume em Israel e está ligada a um rito de penitência e expiação. A sua prática pode ser individual ou comunitária (Sl 35,13; 69,11). São vários os objetivos do jejum: pode ser uma preparação para o encontro com a divindade (Ex 34,28; Dt 9,9); para chorar a morte de alguém (1Sm 31,13); para obter a cura de uma pessoa doente (2Sm 12,16-23); para conseguir o perdão de Deus (1Rs 21,27); ou ainda para livrar o povo ou a nação dos perigos (Jz 20,26; 1Sm 7,6).

O jejum e o arrependimento não são garantias do perdão de Deus para os assírios. A ação de Deus é livre: “Quem sabe? Talvez Deus volte atrás, arrependa-se e revogue o ardor de sua ira, de modo que não pereçamos” (Jn 3,9). No livro do profeta Joel, há uma passagem semelhante a esse texto de Jonas. Ela afirma que um arrependimento verdadeiro por parte do povo pode mover o coração de Deus: “Rasgai os vossos corações e não as vossas roupas, retornai a Javé, vosso Deus, porque ele é bondoso e misericordioso, lento para a ira e cheio de amor e se compadece da desgraça. Quem sabe? Talvez ele volte atrás, se arrependa e deixe atrás de si uma bênção, oblação e libação para Javé, vosso Deus” (Jl 2,13-14; cf. Am 5,15).

O perdão de Deus não está garantido para os gentios. Mas “Deus viu suas obras”. O ver de Deus manifesta sua sensibilidade e tem consequências práticas: “Iahweh disse: ‘Eu vi, eu vi a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi seu grito por causa de seus opressores, pois conheço suas angústias. Por isso desci a fim de libertá-lo da mão dos egípcios’” (Ex 3,7-8a). Em Jn 3,10, a conversão dos ninivitas também move o coração de Deus. A resposta divina aos feitos humanos é o arrependimento, diferente de conversão. Os ninivitas não se voltam para Deus, mas se convertem do caminho perverso e da violência de suas mãos (cf. Jn 3,8.10). E aqui cabe a pergunta para nós hoje: de que precisamos nos converter?

A conversão dos ninivitas é simbólica. Nenhuma cidade estrangeira vivenciou uma conversão total, muito menos a capital da Assíria e seu rei. Talvez, por isso mesmo, o rei não tenha nome. O fato de ele levantar-se do trono e sentar-se na cinza é lendário, assim como o sucesso do anúncio de Jonas. O relato de Jonas tem a intenção de provocar a conversão na cabeça de seus ouvintes. É um chamado para os israelitas aceitarem que seu Deus é Deus de todas as nações e não fecharem o diálogo com as cidades estrangeiras do final do império persa, que poderão se converter de sua maldade e violência. A misericórdia de Deus é para todas as nações.

O “talvez” na boca dos marinheiros e no decreto do rei de Nínive demonstra respeito à liberdade de Deus. Diante das catástrofes provocadas pelos desastres naturais e das situações de violência e injustiça, sempre volta o grito: onde está Deus? Esquecemos que a causa está na ambição do ser humano e em sua maneira egoísta de agir.

É preciso conversão, sim, do “caminho perverso” da ambição, da busca desenfreada pelo lucro. Assim, poderemos viver num mundo justo; e, onde há justiça, Deus se faz presente.

No livro de Jonas, lemos que a conversão dos ninivitas e a misericórdia de Deus provocam a ira de Jonas. Vamos aprofundar o capítulo 4, que trata diretamente dessa questão.

 

4. A misericórdia de Javé provoca a ira de Jonas

A conversão dos habitantes de Nínive faz Javé rever sua posição e se decidir a não destruir a cidade. Por isso, Jonas sente grande desgosto e fica irado. Com ira, ele reza a seu Deus. Sua oração é um confronto direto com Javé: “Por isso, fugi apressadamente para Társis, pois eu sabia que tu és um Deus de piedade e de ternura, lento para a ira e rico em amor, e que se arrepende do mal” (Jn 4,2). Assim, ficamos sabendo por que Jonas foge. Sendo inteligente, ele compreende que a misericórdia do Deus de Israel se estende a todos os povos. Saber ele sabe, mas não aceita e permanece insensível à dor dos que o cercam.

A raiva de Jonas impede sua reflexão. Para ele, a atitude salvadora de Javé com relação a Nínive é inaceitável. Mas o que representa essa cidade para os judeus de Jerusalém? Ela é símbolo do pior inimigo de Israel. Como anunciar a palavra de Deus a um povo inimigo? É duro demais para Jonas aceitar essa missão, por isso ele resiste. Ele cumpre a missão contra a vontade. Não quer que esse povo se converta. Afinal, Jonas não tem nenhum interesse em conviver com eles.

Ele está tão desgostoso, que chama pela morte: “Iahweh, toma, eu te peço, a minha vida, pois é melhor para mim a morte do que a vida” (Jn 4,3). Javé responde à oração de Jonas com uma pergunta: “Tens, por acaso, motivo para te irar?” (Jn 4,4). A resposta de Javé não diz uma palavra sobre o conteúdo da oração de Jonas, não faz referência à sua fuga e não responde a seu desejo de morrer. A pergunta é sobre o comportamento de Jonas no momento presente. Uma pergunta que continua sem resposta. Parece dirigida a Jonas e a cada leitora e leitor.

Em seguida, o narrador descreve a saída de Jonas da cidade. Este não diz uma palavra sequer. Rompe o diálogo com Deus. O texto afirma que ele “instalou-se a leste da cidade”. O mesmo lugar para onde ele tentou fugir inicialmente, mas sem sucesso. Será que é pura coincidência ou tem algum propósito? Em seguida, “construiu uma tenda e assentou-se à sua sombra para ver o que aconteceria na cidade” (4,5). Jonas quer ver de longe a desgraça que, em sua imaginação, cairia sobre Nínive… Como diz o povo: “A alegria do palhaço é ver o circo pegar fogo!”.

Para sua decepção, nada acontece! Será que o afastamento de Deus também provoca o afastamento das pessoas? Deus, que salvou os habitantes de Nínive, agora volta a atenção unicamente para Jonas. Mas a bondade, a gratuidade, a misericórdia de Deus incomodam esse homem.

A boca de Jonas professa a fé em Javé misericordioso, mas sua vida nega essa imagem de Deus. Jonas quer morrer. Deus questiona se ele tem motivo para tanto. O texto passa a descrever coisas inéditas: do dia para a noite, Deus faz crescer uma mamoneira. Jonas se alegra.

Essa planta tem duplo objetivo: dar sombra à sua cabeça e libertá-lo de seu mal. De que mal Jonas precisa ser libertado? De sua mentalidade reduzida de que o povo de Israel é o único povo de Deus e por isso mesmo tem privilégios. Deus quer libertar Jonas também de sua insensibilidade para com outros tipos de pessoas, com diferentes maneiras de ver, de agir e de viver sua fé, sua religiosidade.

Da noite para o dia, surge um verme que destrói a mamoneira. Vem um vento forte que, com o calor do sol, faz Jonas desfalecer. Jonas se entristece e, novamente, pede a morte (Jn 4,6-8). Deus, mais uma vez, questiona-o: “Está certo que te aborreças por causa da mamoneira?” Jonas é tão teimoso, que confirma: “Está certo que eu me aborreça até a morte” (Jn 4,9). A criatura humana e a natureza são atingidas: a planta secou e Jonas desmaiou. Afinal, o que Deus quer com esses gestos?

Deus fala pela última vez: “Tu tens pena da mamoneira que não te custou trabalho, e eu não terei pena de Nínive, onde 120 mil seres humanos e tantos animais não sabem distinguir entre a direita e a esquerda?” (4,10-11). Não foi fácil para Jonas aceitar a gratuidade de Deus. Muitas vezes também não o é para nós.

O sentimento de Jonas pela planta é usado para explicar o sentimento de Javé. De acordo com a antiga mentalidade oriental e israelita, as plantas não eram consideradas seres vivos. Assim, o texto mostra a diferença: Jonas tem pena de uma planta, que era comparada a um objeto, e Javé não pode ter pena de uma cidade inteira e dos animais? A pergunta fica sem resposta. O final aberto do último versículo é um convite para a leitora e o leitor continuarem a refletir e se posicionar.

A teologia do texto está baseada no amor gratuito de Deus. O ser humano é salvo por graça de Javé. Não sabemos se Jonas aceitou essa compreensão de Deus. Pelo jeito, não. No capítulo 3,10, há uma teologia diferente: são os atos humanos — as obras dos ninivitas — que movem o coração de Deus. Já no capítulo 4, o pano de fundo é a ira de Jonas (4,1.4.9), mas não existe condenação desse sentimento, trata-se de um ato humano. De acordo com sua crença, Jonas proclama a misericórdia de Javé, mas sua vida e sua prática negam. Há uma contradição entre a teoria e a prática.

O livro de Jonas termina com um final aberto. Afinal, Jonas se converte? Não sabemos…

Pois bem, vendo no espelho Deus-Jonas, Jonas-Deus, contemplando o relacionamento de ambos com os outros, com a natureza, que apelo fica para nós, nos dias de hoje?

 

5. Continuando a pensar

Jonas representa os teocratas, os nacionalistas que não queriam a conversão dos estrangeiros, pois não se dispunham a conviver com eles. Conheciam a misericórdia de Deus, mas não a aceitavam na prática. Eles não queriam se converter a essa maneira de agir de Deus.

Converter-se é mudar o rumo de nossa vida de acordo com o projeto de Deus. Isso supõe abertura, disponibilidade, sensibilidade diante das diferentes culturas, diante das diferentes maneiras de ser, de viver, de agir. Ninguém é dono da verdade. “Todo ponto de vista é a vista de um ponto” (Leonardo Boff).

Deus é gratuidade, misericórdia. Jonas sabe disso, mas fica irado com Deus e chega a dizer: “Eu sabia que tu és um Deus de piedade e de ternura, lento para a ira e rico em amor e que se arrepende do mal” (4,2). Essa bondade de Deus o incomoda, e ele pede a morte!

E eu, me alegro ou me entristeço com a alegria, com a vitória, com a vida do outro e da comunidade?

 

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

CARDOSO PEREIRA, Nancy. “Lições de cartografia: pequena introdução ao livro de Jonas”. Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana. Petrópolis: Vozes; São Leopoldo: Sinodal, nº 35-36, 2000, pp. 199-205.

KILPP, Nelson. Jonas. 2ª ed. Petrópolis: Vozes; São Leopoldo: Sinodal, 1994.

LIVERANI, Mario. Para além da Bíblia: história antiga de Israel. São Paulo: Paulus, Loyola, 2008.

MAGONET, Jonathan. “Book of Jonah”, in: FREEDMAN, David Noel (org.). The anchor Bible dictionary. New York: Doubleday, v. 3, 1992, pp. 936-942.

TRIBBLE, Phyllis. “The book of Jonah”, in: KECK, Leander E. (org.). The new interpreter’s Bible. Nashville: Abingdon, 1996, pp. 463-529.

 

 

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