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Publicado em março-abril de 2013 - ano 54 - número 289

Os santos e as imagens na religiosidade popular

Por Pe. Orione Silva e Solange Maria do Carmo*

A autora apresenta o valor, os pontos questionáveis e a compreensão adequada da comunhão dos santos, de sua veneração e do costume de ter imagens, com fundamentação na Bíblia e na Tradição da Igreja.

Ao falar de religiosidade popular, não poderíamos ignorar a força dos santos na vida de nossa gente e o lugar de destaque que eles ganharam na piedade católica. Para bem desenvolver esse tema, dividimos nosso texto em três partes. A primeira mostra o que quer dizer a assertiva “Creio na comunhão dos santos”, presente na nossa profissão de fé, o Credo dos Apóstolos que rezamos todo domingo na missa. A segunda trata da presença dos santos na Igreja, cuja veneração ela conserva desde muito tempo. A terceira parte mexe num assunto delicado e nem sempre consensual entre os cristãos: o costume de ter imagens.

Para desenvolver esses temas, decidimos iniciar a conversa a partir de textos bíblicos. Eles vão servir de provocação para a reflexão. Para falar da comunhão dos santos, tomamos Ap 7,9-17, o belíssimo relato da multidão de pé diante do cordeiro, texto da liturgia da Festa de Todos os Santos. Para refletir sobre a veneração aos santos, escolhemos Eclo 44,1-15: o elogio aos antepassados, àqueles que nos mostram o caminho da fé. Para tratar do uso das imagens, não seria possível escolher um único texto. O assunto é polêmico e controvertido, havendo, nas Escrituras, tanto proibições de fazê-las como ordem para construí-las. Nesse caso, tomaremos textos diversos.

1. A comunhão dos santos

Nós professamos no Credo: “Creio na comunhão dos santos”. Mas o que é mesmo isso que a gente professa crer? Vamos tomar Ap 7,9-17. O autor do livro do Apocalipse relata uma de suas visões. Uma visão é um jeito de contar uma experiência de fé por meio de figuras e símbolos. É como um sonho vibrante e cheio de detalhes que a gente vai decifrando ao longo do dia. Leia Ap 7,9-17 e veja se você não vai se fazer algumas perguntas, tais como: O que é isso que o autor diz ter visto? Onde estava essa multidão de pessoas que ninguém podia contar? O Cordeiro representa quem? Faz lembrar o quê? Quem são esses anciãos? Bom, vamos responder essas questões por partes, tomando pouco a pouco os elementos que a visão descreve.

a) Multidão em pé diante do trono e do cordeiro

Esse texto narra uma espécie de visão do autor do Apocalipse. Visão não é algo que ele viu, mas que ele experimentou. Portanto, trata-se de uma experiência de fé, que é contada com riqueza de imagens e comparações bonitas, para dizer algo sobre Deus. O autor fala, inicialmente, de uma multidão que está em pé, de vestes brancas e palmas na mão, diante do trono e do Cordeiro. O que significa isso? O trono é o lugar onde o autor imagina que Deus está em sua glória. O autor nunca viu como é o lugar onde Deus está. Então imagina que seja como um trono de um rei; mas, como Deus é um rei diferente dos reis da Terra, ele pensa num trono glorioso. Estar diante do trono significa estar diante de Deus, na sua presença maravilhosa. O Cordeiro é Jesus ressuscitado, que depois de morto na cruz vence a morte. E ainda temos uma multidão que está diante de Deus e de Jesus. Essa multidão está de pé, isto é, numa posição de dignidade, de honra, como quem participa da glória de Deus. Portanto, estamos falando de pessoas glorificadas, isto é, que participam da amizade com Deus, vivendo em comunhão com ele.

O autor acrescenta que essa multidão está de vestes brancas e com palmas nas mãos. A veste branca é o símbolo da fidelidade da pessoa que não se corrompeu, que não se perdeu, que manteve seus princípios e sua fé durante toda a vida. Portanto, temos aí um povo inteiro que está na presença de Deus, na mais completa comunhão com ele, desfrutando de sua companhia amiga. É um povo santo e feliz na glória de Deus. O autor diz ainda que a multidão tem palmas nas mãos. As palmas são símbolo da vitória, entregue aos campeões de competições e aos reis, depois de batalhas. Portanto, trata-se de um povo que enfrentou uma batalha e saiu vitorioso. E comemora essa vitória feliz junto de Deus.

b) O povo que passou pela grande tribulação

O autor do Apocalipse continua sua visão questionando quem são todas essas pessoas vitoriosas diante de Deus. Ele mesmo responde com duas considerações importantes: “São os que vêm da grande tribulação”. Essa grande tribulação representa a vida nesse mundo. O cristão enfrenta, nesse mundo, muitas tribulações, que são os conflitos e dificuldades da pessoa que se esforça para ser fiel a Jesus. Nem sempre é fácil ser fiel. A grande tribulação é todo o conjunto de pelejas e dificuldades pelas quais o cristão passa na vida. Então, a multidão gloriosa no céu é formada pelo povo que enfrentou com sucesso a grande tarefa de viver a vida na fidelidade a Deus. “São os que lavaram suas vestes no sangue do Cordeiro.” O Cordeiro, como já vimos, é Jesus. O sangue representa o sacrifício, a morte. A expressão “sangue do Cordeiro” faz lembrar todo o sacrifício de Cristo, ou seja, tudo o que ele enfrentou em sua vida na terra por causa de sua fidelidade ao Pai. Ora, a multidão está em vestes brancas, tão brancas que levam a perguntar: Como conseguiram isso? O autor responde: Essas pessoas lavaram suas vestes no sangue do Cordeiro. Elas alcançaram essa santidade unindo suas vidas ao sacrifício de Cristo, unindo-se a Jesus por completo, isto é, sendo cristãos sem reservas, até no sofrimento, até no martírio. Então, a multidão dos santos que está diante de Deus é um povo que viveu com intensidade a sua fé cristã. Os santos são pessoas que passaram por este mundo – a grande tribulação – vivendo com firmeza sua fé cristã.

c) Nada de fome, sede, calor, pranto

Depois o autor passa a mostrar como eles vivem na presença de Deus. E usa imagens bonitas para dizer que eles estão na glória, na mais completa felicidade, livres de todo sofrimento, plenamente consolados e confortados junto de Deus. Não sofrem mais nem pela fome, nem pela sede, nem pelo calor; são saciados pelo próprio Jesus nas “fontes de águas vivas”. Essas fontes significam aqui aquela situação junto de Deus em que se encontram o consolo e o remédio para todo mal, para todo sofrimento, até porque “o próprio Deus enxugará toda lágrima de seus olhos”, ou seja, o próprio Deus cuidará de confortar e dar aos seus santos a plena felicidade junto dele.

d) Comunhão dos santos

Nas primeiras comunidades, os cristãos eram chamados de santos. Paulo endereça várias de suas cartas aos santos que moram em Éfeso (Ef 1,1); aos santos que estão em Filipos (Fl 1,1); aos irmãos em Cristo, santos e fiéis que moram em Colossas (Col 1,2). Ele está se referindo às pessoas de fé que, por se comprometerem com Jesus, participam da santidade do Filho de Deus. Esses santos e fiéis, em suas comunidades, trabalhando e vivendo na fé, são o que hoje chamamos de Igreja peregrina, ou seja, o povo de Deus, comprometido com Cristo, que, enquanto peregrina ou caminha por este mundo, já participa da santidade de Cristo. No começo da Igreja, os cristãos eram chamados de santos ainda em vida.

Essa terminologia caiu em desuso. Ao longo do tempo, a palavra santos ganhou outra conotação: o sentido de não ter pecados. Como todos nós vivemos nossa santidade, mas sempre em meio às fraquezas desse mundo, a Igreja, sem deixar de considerar os sinais de santidade que existem na vida das pessoas, passou a chamar de santos os que já estão na vida eterna, por estarem em comunhão mais plena com Deus e não mais sujeitos às fraquezas desse mundo.

A teologia católica compreende que todos os mortos vivem em Deus. A vida continua após a morte. Isso só ficou claro após a experiência do Cristo ressuscitado. Antes, no Antigo Testamento, se pensava que os mortos estivessem mesmo acabados ou dormindo em algum lugar. Vejamos o que diz um texto do AT: “Não são os mortos que louvam o Senhor, nem os que descem à região do silêncio. Mas nós, os vivos, bendizemos o Senhor, desde agora e para sempre” (Sl 115/113B,17-18). Depois que Cristo ressuscitou, os discípulos compreenderam que os mortos não estão “na região do silêncio”, mas junto de Deus. Eles formam a Igreja que já está na glória.

Alguém poderia argumentar, dizendo que esses santos estão mortos. Mas nós diríamos que, em Cristo, a morte foi vencida. Depois de Cristo, entendemos que a morte não é o fim da vida, mas uma passagem para a eternidade. Os que morreram para este mundo estão vivos na glória de Deus. Entre eles e nós aqui na terra há uma comunhão de amor e de fidelidade, pois todos estamos unidos no mesmo Cristo. É a chamada comunhão dos santos. Os que já passaram pela grande tribulação e alcançaram a glória imortal se unem a nós que estamos ainda a caminho. O exemplo deles nos motiva. Então, a comunhão dos santos é essa amizade que rompe as barreiras da morte, do tempo e do espaço. É um laço forte e perene que se dá entre todos os que estão em Cristo. É uma experiência de solidariedade e amor, de compromisso uns com os outros, porque fazemos parte da mesma videira que é Jesus. Como os ramos de uma videira são solidários e unidos entre si, assim são todos que estão em Cristo: vivos e mortos, não importa. A ação de Jesus ultrapassa a morte! Os santos fazem parte de nossa Igreja. Não estão mais nesse mundo, junto de nós, mas estão vivos na glória de Deus. Um dia também nós vamos deixar de ser Igreja peregrina e passaremos a ser Igreja gloriosa. Engrossaremos o grupo dos que estão de pé diante do Cordeiro, com palmas nas mãos e vestes brancas.

2. A veneração aos santos

Tendo refletido sobre quem são os santos e o que significa essa comunhão entre nós, vamos para o próximo ponto: a veneração que a Igreja dá aos santos. Para abordar esse tema, vamos partir de Eclo 44,1-15. O autor desse texto nos faz um convite importante: lembrar sempre dos antepassados, daqueles que tiveram uma vida digna e cuja sabedoria deve ser proclamada.

Esse texto ajuda a entender o sentido da veneração que prestamos aos santos de nossa Igreja. Os santos são nossos antepassados e fizeram coisas grandiosas, dignas de admiração. Agora, estão junto de Deus, na vida eterna. São parte da história de nossa Igreja e da fé que ela professa.

A fé que a Igreja – e nós como Igreja – professa hoje não foi inventada; foi herdada dos nossos antepassados. Jesus conviveu com os apóstolos, suas primeiras testemunhas. Eles passaram adiante a experiência de fé que fizeram no seguimento de Jesus. Essa experiência chegou até nós cruzando o tempo, porque foi assumida e vivida pelos nossos antepassados. Então, nossa Igreja tem uma história. E essa história está repleta de pessoas que se destacaram no seguimento de Cristo. A vida dessas pessoas é um exemplo para todos que creem. A veneração aos santos é uma forma de valorizar a história de nossa Igreja, tratando com honra e dignidade as pessoas que se dedicaram ao seguimento de Cristo, fazendo com que a fé chegasse até nós.

Quando nos lembramos desses nossos ilustres antepassados, devemos ter em mente que eles fizeram a parte que lhes cabia, cumpriram sua missão. Hoje, cabe a nós viver bem a fé e deixar um bom testemunho de vida para os que virão depois de nós. Um dia, nós seremos os antepassados das próximas gerações. E assim a experiência de fé vai ultrapassando gerações e seguindo adiante.

É bem verdade que nem todos os antepassados são assim tão santos. O texto citado lembra isso. Algumas pessoas passam pela vida e não deixam nada de bom. Outros deixam exemplos marcantes. Esses são os antepassados que honramos com nossa veneração. Nossa Igreja tem o costume de analisar cuidadosamente a vida de algumas pessoas que se destacaram por uma especial vivência da fé e declarar que essas pessoas podem e devem ser consideradas santas. Essas pessoas são canonizadas, isto é, são declaradas santas de acordo com as normas (ou cânones) da Igreja. Quem foram Santo Antônio, Santo Agostinho, São Francisco de Assis, Santa Terezinha, Santa Madre Paulina e outros? Foram católicos de grandes virtudes, pessoas que se destacaram no seguimento de Cristo. Por isso, analisando a vida deles, a Igreja católica os declarou santos. E a canonização tem uma intenção pedagógica. Ao colocar o nome de um santo no cânon, sua veneração fica oficializada. Nós passamos a tomá-lo como exemplo de vida no seguimento de Jesus Cristo. Mas nós não seguimos os santos. Seguimos Jesus que é caminho, verdade e vida. E nesse caminho, não estamos sozinhos. Antes de nós, muitos seguiram Jesus. O exemplo dessas pessoas mostra que é possível e bom seguir Jesus.

Em um mundo marcado por fraquezas, muitos se perguntam se é possível ser santo, seguir de fato o caminho de Jesus. Será que os ensinamentos de Jesus não são uma utopia, um caminho impossível de trilhar? Será que é possível ser santo? A Igreja mostra que sim, apresentando o exemplo concreto da vida de tantas pessoas que cultivaram a santidade. A Igreja nos incentiva a olhar para a vida dos santos, a perceber a dedicação deles a Jesus. Isso nos aproxima mais ainda de Jesus.

Devemos, porém, tomar cuidado para que a nossa veneração aos santos não ganhe outro sentido e fique parecendo que a gente admira os santos não por seu seguimento exemplar a Jesus, mas porque eles teriam certos privilégios diante de Deus, ou seja, porque eles podem nos fazer favores e alcançar graças especiais.

Muitas vezes, até por falta de conhecer melhor a religião, acabamos fazendo certas coisas de sentido duvidoso ou mantendo certas práticas sem conhecer seu sentido. Vamos, então, dar uma olhada em certos costumes, para compreendermos melhor certas confusões que a gente faz. E vamos evitar confundir as coisas.

a)      Rezar para os santos

Temos na nossa Igreja o costume de rezar para os santos, pedindo a eles ajuda em alguma dificuldade. Às vezes pensamos que pedir aos santos é mais razoável que ir direto a Deus, pois eles são seres humanos como nós, capazes de se compadecerem de nossas fraquezas e sofrimentos. Mas, por trás dessa afirmação, há um equívoco: o de que Jesus, por ser Filho de Deus, não seria humano como nós. Ele é o Filho de Deus que se fez homem, totalmente homem. Ele sofreu como nós e por isso se compadece de nós. Sabe que não é fácil vencer as pelejas da vida e obedecer sempre a Deus. Por experimentar essa realidade humana tão plenamente, ele é o verdadeiro intercessor e mediador junto ao Pai. Bom, se é assim, e os santos? Podemos pedir que os santos intercedam por nós? Podemos rezar aos santos? Na verdade, nós não rezamos apenas aos santos. Rezamos com os santos. Em comunhão com eles. Quando rezamos com os santos, lembramos a vida e as qualidades deles. Nesse caso, nossa oração não seria para pedir a intercessão deles, mas para nos unir a eles no seguimento de Jesus Cristo.

 b)     Pedir graças

Deus é um pai atento às nossas necessidades. Reza-se, então, não para fazer Deus mudar de ideia, como se ele fosse um pai que ignora a história de seus filhos. Reza-se para ficar em comunhão com ele, porque dessa comunhão emana a força para superar toda dificuldade. A verdadeira graça que se deve buscar não é um favor, nem a solução de um problema, mas a comunhão com Deus que ajuda a superar todos os problemas. E ainda que alguns não tenham solução, não se rezou em vão. A comunhão com Deus por meio da oração é uma graça sem conta. Nada se compara a ela. Nenhum momento de oração bem vivido é perda de tempo.

c)      Agradecer

Na hora de agradecer, costumamos ficar perdidos, sem saber a quem dirigir o agradecimento. Na missa, por exemplo, não é incomum rezar em ação de graças a Nossa Senhora, a São Judas etc. No entanto, devemos agradecer a Deus, pois Deus é o Senhor de tudo e é ele quem nos acompanha sempre. Ele é o autor de todo bem. E a missa é ação de graças a Deus por Jesus Cristo na ação do Espírito. Não faz sentido ação de graças a outro que não ao Pai, que ressuscitou Jesus dentre os mortos e, em Cristo, acolhe nossa vida como oferta.

d)     Acender vela

Costuma-se acender velas diante da imagem de um santo. E esse costume pode ter levado alguns a pensar que a vela é importante porque, enquanto ela está acesa, o santo está lá no céu rezando por nós. E, se a vela se apaga, o santo deixa de interceder por nós. Na verdade, a vela tem outro sentido. Ela significa que nós devemos ser luz no mundo como os santos foram luz.

e)      Fazer promessas

As promessas surgem quase sempre na hora do aperto. Prometemos fazer penitências e sacrifícios para os santos e para Deus, se eles atenderem a necessidade da gente. Pensamos que assim o santo atende mais depressa, interessado naquilo que foi prometido. E dizemos: “Ó São Benedito, se o Senhor me conseguir um emprego, eu vou à missa”. Ora essa! O interesse de ir à missa é nosso e não do santo. Com ou sem emprego, é melhor ir à missa. Talvez fosse bom não fazer promessas. A gente pode confiar em Deus em todos os momentos, mesmo nos mais difíceis.

f)       Fazer novenas

A novena é uma oração que a gente faz nove dias, semanas ou meses seguidos. Daí veio o costume de sacralizar o número nove. Se começamos uma novena e precisamos – por qualquer motivo – faltar um dia, entendemos que a novena foi interrompida e que não valeu. É preciso começar tudo de novo! Ora, podemos rezar nove dias. Ou até mais. Ou até menos. O que conta não é o número exato de dias, mas a oportunidade de cultivar a comunhão com Deus por meio da oração.

g)      Acompanhar procissões

As procissões são um costume antigo na Igreja. Pensamos homenagear o santo de nossa devoção ao acompanhar sua imagem pelas ruas. Mas a procissão não é uma homenagem ao santo; é uma caminhada para lembrar que nós caminhamos na estrada de Jesus, como os santos caminharam. Quando a gente sai pelas ruas carregando uma imagem, isso significa que, como os santos seguiram Jesus, nós também queremos fazer o mesmo.

h)     Dar esmolas para o santo

Desde pequeno, assistimos aos nossos pais colocarem dinheiro aos pés da imagem e dizer: “É dinheiro para Santo Antônio”. Ora, o santo não precisa de dinheiro. Quem precisa de dinheiro é a Igreja, para manter seus trabalhos. A Igreja espera que o povo contribua. O dinheiro do povo é usado para manter todos os trabalhos de evangelização e os gastos com manutenção e administração.

i)        Possuir imagens

Não faz mal possuir imagens; não atrai espíritos ruins ou mal-agouros. Elas não são amuletos que afastam mau-olhado. Elas são uma lembrança daquele santo, cuja fidelidade nos anima a sermos fiéis também.

j)       Ser devoto dos santos

Corremos o risco de pensar que ser devoto de um santo é fazer novenas e promessas para ele, mandar celebrar missas em sua homenagem, fazer festas no seu dia, distribuir santinhos, enfeitar sua imagem, acender velas para ele etc. Na verdade, ser devoto é conhecer a vida do santo, procurando praticar as virtudes que a gente admira nele. Sem isso, as outras práticas perdem o sentido.

3. O uso de imagens

Outra questão que precisamos entender melhor é o costume de possuir imagens. Nossa Igreja aceita e incentiva o uso de imagens – esculturas, pinturas e qualquer forma de arte – que representem os santos, Jesus ou que nos ajudem a lembrar de Deus. Há quem diga que a Bíblia proíbe fazer imagens de qualquer coisa. Mas o certo é que há na Bíblia textos que proíbem o povo de fazer imagens, textos que criticam o uso de imagens e outros textos que até incentivam fazer imagens. E, especificamente sobre imagens de santos, a Bíblia não diz nada. Afinal, precisamos lembrar que a Bíblia já estava escrita quando o costume de venerar os santos começou. Como lidar com tantas informações? Vamos entender isso melhor a partir de textos bíblicos. Vamos ler Ex 20,1-5a; Dt 4,15-20; Nm 21,4-9; Ex 25,17-22; 2Cr 4,2-4; e 2Cr 3,10-13.

Numa primeira fase, Deus proíbe o povo de fazer imagens. É uma fase mais antiga. O povo de Israel tinha saído do Egito, onde se cultuava muitos deuses, e estava vivendo entre outros povos, também politeístas, que costumavam prestar culto a deuses diversos e a eles dedicar imagens. Quando essa gente via uma imagem, fosse de gente ou de animal, se prostrava e ficava pensando que a imagem tinha força de ajudar a superar as dificuldades. Então, nessa fase, a Bíblia proíbe fazer qualquer imagem, para não confundir a cabeça do povo, porque o povo corria o risco de trocar o Deus verdadeiro por qualquer imagem, como aconteceu no relato do bezerro de ouro, no deserto.

a)      Ex 20,1-5a

Primeiro, Deus deixa claro que ele é o Deus verdadeiro que libertou o povo do Egito. E pede que o povo não siga outros deuses, porque o povo ainda pensava que havia outros deuses. Então, Deus pede ao povo que não faça imagens. Fazer imagens, tanto de gente como de animais, era um costume no Egito. O povo tinha que superar esse costume, para não correr o risco de se afastar do Deus verdadeiro. É preciso que o povo aprenda que só há um Deus.

b)     Dt 4,15-20

Deus começa mostrando que é diferente. Não tem figura. É um Deus diferente dos deuses do Egito. O povo crê em Deus, mas não o vê. Até por isso, não há como fazer imagem de Deus. Talvez, se isso fosse possível, não haveria problema. Mas as imagens eram de animais, de peixes, de pessoas. Então, não podiam ser feitas, pelas mesmas razões que já vimos. É proibido também adorar os astros e as estrelas do céu, como os egípcios faziam. Pois só há um Deus verdadeiro.

Vemos, então, que o problema é simples. O povo pensa, segundo o costume antigo, que a imagem é um deus vivo e por isso adora as imagens. Então, é melhor não fazê-las. É como a criança que não sabe usar a faca, por isso não pode pegá-la. Corre o risco de se machucar. Mas depois que cresce já sabe usar a faca sem se machucar.

O tempo foi passando e o povo acabou aprendendo que seu Deus era diferente, forte e poderoso, e que as imagens não tinham poder nenhum. Eram apenas um objeto de arte usado para enfeitar ou para lembrar alguma coisa, como um retrato que enfeita a parede e nos lembra algum parente antigo ou pessoa querida. O povo aprendeu que a imagem não é algo vivo, não deve ser adorada. Então, ninguém mais vai confiar numa imagem. Só em Deus. Então, nesse segundo momento, Deus permite que se façam imagens. O povo vai construir o templo, que será para um lugar de oração. Nesse templo, já podem colocar imagens.

c)      Nm 21,4-9

Esse relato conta que o povo ainda estava no deserto, quando houve o episódio das serpentes. Mas, na verdade, ele é bem posterior. Pelo menos do tempo do rei Salomão. É bom lembrar o seguinte: A serpente era adorada como deusa pelos povos de Canaã, a terra onde vivia o povo da Bíblia. Ela era símbolo de uma religião fácil que atraía o povo de Deus. Quando a vida pesava, a vontade do povo era abandonar o Deus verdadeiro e passar para a religião da serpente, isto é, do povo de Canaã. Essas mordidas fatais de serpente significam isso: o povo se descuidava de sua fé e era mordido, ou seja, dominado pelo desejo de mudar de religião. Isso gerava um esfriamento da fé. Então, quando o texto diz que Moisés fez uma serpente de bronze que ficava sempre diante do povo, significa que o povo nunca deveria se esquecer do perigo da religião da serpente, o baalismo. O objetivo parece ser este: olhando para aquela imagem de serpente, o povo tem sempre em mente que ela é um perigo, veem sua fragilidade e a tolice de botar em outro que não Deus a sua confiança. E aí caminham firmes na fé: não mais adoram a serpente. Pelo contrário, a serpente é só um sinal do mal e do perigo que ronda o povo. Em vez de afastar o povo de Deus, ela contribuía para fortalecer sua fé.

d)     Ex 25,17-22

A arca da aliança era levada sempre com o povo. Dentro dela, havia manuscritos com os dez mandamentos, que eram a garantia da aliança com Deus. O povo se reunia diante da arca para rezar. Claro, não adoravam a arca. Apenas lembravam a aliança que tinham feito com Deus. Na tampa da arca, o povo entendeu que Deus mandou colocar duas imagens de anjos. Os anjos – querubins – são apenas um sinal da presença de Deus. Mas o povo não adora os anjos, como fariam antes. Vendo a imagem dos anjos, lembram-se do Deus verdadeiro. Então, nesse caso, a imagem não afasta o povo de Deus. Ao contrário, aproxima.

e)      2Cr 4,2-4

Dentro do templo, havia um tanque com água, colocado sobre imagens de doze bois. Poderíamos, então, nos questionar: “Mas os bois são figuras de animais proibidos por Deus…”. De fato! Só que agora o povo já aprendeu que boi é boi e Deus é Deus. Ninguém vai adorar boi, como se fazia no Egito, quando achavam que os bois tinham poderes divinos. Os bois no templo são só um sinal, um enfeite. São símbolo de força: como os bois são fortes, o povo deve ser forte na fé. O povo vê os bois e não os adora, mas lembra que, para seguir a Deus, é preciso ser forte. O povo tinha até o costume de ofertar bois a Deus, pensando que Deus gostasse disso. Era um modo de agradecer ao Deus verdadeiro. Os bois no templo significam isso também: O povo quer agradar a Deus. Isso é bom.

 f)       2Cr 3,10-13

Além disso, ainda foram colocados no templo dois anjos enormes, de mais ou menos dez metros. Mas o povo já não pensava que eles fossem deuses. Olhava a imagem dos anjos e se lembrava de Deus. E somente a Deus o povo adorava.

É fácil perceber como o povo mudou de mentalidade. Aprendeu, com o tempo, que só há um Deus verdadeiro e que a imagem é só um enfeite, um sinal para lembrar alguma coisa. Astros, animais, aves, peixes – tudo é criatura de Deus. Só Deus merece nossa adoração. Tendo entendido isso, não há mais problema em fazer imagens. Mas e as imagens de santos? Como surgiram e ganharam espaço na vida da Igreja? E quando surgiu essa polêmica sobre as imagens que hoje ganha espaço no cenário cristão?

A Bíblia não fala de santos, no sentido como hoje falamos. Já vimos que os primeiros cristãos eram chamados de santos, só por seguirem a Cristo, como nas cartas de Paulo. A ideia de fazer imagens dos cristãos já falecidos começou em um tempo posterior, quando os livros da Bíblia já estavam escritos.

As primeiras comunidades guardavam a memória dos seus mártires, como pede o livro do Eclesiástico. Eram companheiros de comunidade que tinham morrido, dando um belo testemunho de fé. A lembrança desses mártires incentivava os demais cristãos a permanecerem firmes na fé. Mas, no começo, a Igreja sofreu grandes perseguições. A pregação da mensagem de Cristo foi até proibida em muitas situações. Os cristãos rezavam em casa ou escondidos nas catacumbas de Roma – lugar em que os mortos eram sepultados. A ideia de rezar nas catacumbas é curiosa: por um lado, os cristãos estavam buscando um lugar seguro, para se protegerem das perseguições; por outro lado, faziam suas orações no local em que os mártires estavam sepultados, e isso lembrava que eles estavam vivos junto de Deus. Assim, se cultivava a comunhão dos santos.

Quando a Igreja se viu livre para prestar seu culto a Deus, ela deixou as catacumbas e pôde construir seus templos para rezar. Então, surgiu a ideia de levar pequenas relíquias dos santos para os altares das igrejas e enfeitar o templo com pinturas ou imagens que lembrassem os primeiros cristãos, mártires da fé. Foi feito mais ou menos como no Templo de Salomão. A construção dos templos gerou um grande movimento artístico. E, para enfeitar os templos, foram feitas pinturas e esculturas que lembravam que o templo era um lugar sagrado. Ao entrar nesse lugar, as pessoas se lembravam dos antepassados santos. As pinturas e imagens ajudavam a guardar a memória daqueles que deram sua vida por Cristo, mas continuavam vivos na memória dos cristãos.

Assim, surgiram as imagens dos santos. A Igreja já analisou em muitas épocas essa questão. Já houve católicos que foram contra o uso de imagens. Mas o consenso acabou dizendo que as imagens nos templos ou nas casas, para lembrar a vida dos santos, não fariam mal à fé, contanto que as pessoas não confundam as coisas e passem a achar que as imagens tenham algum poder sobrenatural. São apenas recordação dos nossos antepassados. Nada mais que isso.

Quando a polêmica em torno das imagens surgiu, os livros bíblicos já tinham sido escritos. A Bíblia já está pronta, e eis que surge um problema novo do qual a Bíblia praticamente não fala. Como a Igreja age nesse caso? Aqui vale a pena entender como funciona o chamado Magistério da Igreja. Para nós, católicos, a revelação de Deus não fica parada pelo fato de a Bíblia já estar pronta. A revelação escrita está na Bíblia, mas o Espírito Santo continua inspirando a Igreja para que sejam tomadas decisões sensatas sobre questões novas que dizem respeito à fé e à vida do povo. Nem tudo está escrito na Bíblia. Muitas vezes, diante das novidades, a Igreja busca inspirações bíblicas para tomar decisões. O importante é que prevaleça o bom senso. Para tomar decisões importantes, a Igreja costuma reunir seus líderes mais expressivos, fazendo o que chamamos de concílio. Em um concílio, papa, bispos, teólogos, especialistas diversos se reúnem para debater sobre determinadas questões em busca da posição equilibrada que reflita o bom senso da fé cristã. E essas decisões de pessoas movidas pela fé também são dignas de confiança e inspiradas por Deus, não porque Deus venha pessoalmente ditar sua vontade, mas porque as pessoas estão movidas pela fé. Para nós, a revelação de Deus é dinâmica e continua sendo atualizada na ação da Igreja.

Então, tentando estar sempre atenta ao que Deus diz ao seu povo, a questão das imagens foi tratada no Segundo Concílio de Niceia, realizado no ano 787. Buscava-se chegar a um consenso sobre a polêmica que se instalou em torno do tema. Em diversos lugares, autoridades da Igreja estavam incentivando a destruição completa das imagens e pinturas sacras, fato que ficou conhecido como “a questão iconoclasta” (“iconoclastia” significa quebra de ícones ou imagens). Reunidas no Segundo Concílio de Niceia, as autoridades eclesiásticas assim se pronunciaram: “definimos com todo rigor e cuidado que, à semelhança da cruz preciosa e vivificante, assim os venerandos santos ícones, quer pintados, quer em mosaico ou em qualquer outro material adequado, devem ser expostos nas santas igrejas de Deus… nas casas e nas ruas, tanto a figura do Senhor Deus e Salvador nosso Jesus Cristo, como da Senhora Imaculada nossa, a santa mãe de Deus, dos venerandos anjos e de todos os santos e justos” (Denzinger, 600). Desde então, ficou decidido que os fiéis são livres para possuir imagens em suas casas, nas igrejas etc.

Percebe-se, então, que, apesar de contestado o uso das imagens, a Igreja sempre firmou sua posição favorável. Quando veio a reforma protestante, novamente se questionou o uso de imagens. A Igreja católica novamente se posicionou, no Concílio de Trento (1545 a 1563), a favor do uso de imagens, não para serem adoradas, mas para recordarem ao povo a presença de Deus e as virtudes dos santos. Nas palavras do concílio, as imagens devem ser utilizadas “não por crer que lhes seja inerente alguma divindade ou poder que justifique tal culto, ou porque se deva pedir alguma coisa a essas imagens ou depositar confiança nelas como antigamente faziam os pagãos, que punham sua esperança nos ídolos”, mas porque por meio das imagens veneramos a realidade que elas representam (cf. Denzinger, 1821-1825). Vejam que a Igreja sempre se preocupou em esclarecer ao povo o sentido do uso das imagens e da veneração aos santos, para que não haja exagero e excesso na piedade popular.

Pe. Orione Silva e Solange Maria do Carmo*

*Autores da coleção Catequese Permanente, publicada pela editora Paulus, Pe. Orione Silva e professora Solange trabalharam juntos por muitos anos na catequese paroquial em cidades das Dioceses de Mariana e de Paracatu – MG. Ele é sacerdote da Arquidiocese de Mariana, e atualmente pároco de Catas Altas da Noruega. Ela é doutoranda em Teologia Na Faje em BH, onde também cursou mestrado; é professora de Teologia Bíblica no curso de Teologia da PUC-Minas e do ISTA (Instituto Santo Tomás de Aquino), em Belo Horizonte.
E-mails: [email protected]; [email protected].