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Publicado em número 200 - (pp. 13-16)

A arte de educar em meio às contradições de uma sociedade em transformação

Por Prof. Renold J. Blank

1. A crise da educação

Estamos confrontados hoje com aquilo que se chama “a crise da educação”. É de fato assim que os antigos mecanismos educacionais parecem ter fracassado diante dos desafios de uma sociedade pluralista e eletronizada.

A juventude busca as informações na internet e através da televisão, e os velhos educadores se queixam da insensibilidade e do desinteresse de seus educandos.

A crise é geral, e ela se agrava quando olhamos para o campo da educação religiosa. A grande maioria dos jovens não se interessa mais por ela, e aqueles que ainda participam, porque foram obrigados a participar, bocejam e exprimem o seu tédio de maneira ostensiva. Basta observar os participantes de cursos de noivos ou de batismo, para confirmar a veracidade de tal fato. Das aulas de religião, em nossos colégios, nem se fale!

Professores e alunos frustram-se, e os educandos vão embora, enfim aliviados, quando a aula termina.

É esta a realidade, e tal realidade também não se altera de maneira significativa — pequena minoria da população ainda participa de nossos cursos bíblicos e religiosos. Enquanto 50 pessoas estudam o agir de Deus na história, 50.000 outras estão assistindo aos programas do Faustão e do Gugu.

É essa a realidade, e diante dela não há muitas alternativas.

Podemos nos resignar e dar aos nossos cursos de educação religiosa o status de círculos exclusivos que às vezes se tornam até esotéricos. Em muitos casos isso já acontece. É uma das possibilidades para o futuro: Ocupar-se do pequeno rebanho, enquanto a grande massa se diverte nos estádios de futebol. É um quadro possível. É uma realidade de hoje.

Há, porém, outra alternativa: mudar a realidade.

 

2. Mudar a realidade

O mundo não deve necessariamente ficar assim como está. A situação de desinteresse crescente, diante de todos os tipos de educação religiosa institucionalizada, não se estabeleceu como lei da natureza. Essa situação pode ser mudada. A realidade pode ser transformada. Essa transformação ocorre quando nós, os educadores religiosos, mudamos primeiro. Ela pode ser modificada quando nós, os educadores, começamos primeiro a revolucionar os nossos métodos de ensino.

Eis o começo! Eis o desafio!

 

3. Novo modelo de educação

Não podemos mais, hoje e no futuro, basear o nosso modelo de educação num modelo mecânico da física. Naquele modelo em que muitos de nós fomos educados.

Aquela educação tratava os educandos como se fossem peças fixas dentro de uma engrenagem. O professor era o motor, cuja função consistia em dar impulsos a essas peças; era preciso motivá-las, para que elas pudessem obedecer. E a obediência, por sua vez, era controlada por provas e testes dentro de um sistema hierárquico de responsabilidades, onde cada um, no fundo, aguardava de maneira passiva, até receber as instruções necessárias. Essas instruções eram anotadas em cadernos. E depois… esquecidas!

As coisas funcionavam assim, e, em muitos casos, continuam funcionando até hoje. O resultado conhecemos. Produzimos um grupo passivo de ovelhas, sem iniciativa e sem senso crítico.

Tais grupos, é verdade, são facilmente manejados pelos detentores do poder, sejam eles políticos, econômicos ou religiosos. Eles gostam de ter à sua frente a figura simbólica de um pai que assume a responsabilidade. Foi dessa maneira que o sistema, durante séculos, dispensou a grande massa da necessidade de pensar. A liberdade dos filhos de Deus restringia-se à liberdade de decorar aquilo que havia sido anotado nos cadernos.

Diante de tal sistema, somos chamados a reagir. Diante de tal mentalidade, nós, os educadores, estamos sendo desafiados a mudar o sistema. O novo modelo do ensinar deve ser o do ensinamento inovativo. Trata-se de um ensinamento que incentiva para o novo. Ensinamento que produz transformação, pois não quer doutrinar os conteúdos e as atitudes tradicionais. Um ensinamento que emancipa, ao invés de fazer aceitar a situação de maneira passiva. Tal ensinamento corresponde à dinâmica do evangelho. Dinâmica que não põe vinho novo em odres velhos, mas que tem a coragem de questionar e de incentivar para a inovação.

O caminho para essa nova mentalidade, no entanto, não passa pela exigência de decorar verdades. Ele passa pela mudança de mentalidade. Aliás, passa também pela aplicação de novos métodos.

 

3.1. O método de transformação inovativa

Estes novos métodos poderiam ser chamados de métodos de transformação inovativa. A sua estrutura básica consiste num ensinamento sobre os caminhos através dos quais os projetos podem ser realizados, e em exercícios através dos quais os “ensinamos” recuperam a sua autonomia e coragem de seguir os passos que conduzem àquelas situações novas, para cuja realização o próprio Jesus nos chamou.

 

3.2. Os cinco passos para uma transformação inovativa

1º) A preparação;

2º) Ver e se conscientizar, de maneira crítica, sobre aquilo que incomoda;

3º) Colecionar aquilo que se sonha (anotar todas as ideias);

4º) Dar forma àquilo que se deseja (formular de maneira concreta o que se deseja de certa instituição, prática e procedimento);

5º) Agir para que o sonho se torne realidade (fixar os passos concretos do agir. Não esquecer de fazer um cronograma, desses passos e prever um feedback constante).

 

Ensinando nossos alunos a proceder dessa maneira, seguindo um método sistemático, preparamo-los para um agir autônomo, a partir de sua realidade.

Incentivamo-los a ter confiança e coragem nas suas próprias capacidades. Em uma palavra, em vez de produzirmos ovelhas passivas, ajudamos na formação de pessoas que, a partir de sua autonomia como filhos e filhas de Deus, se tornam capazes de colaborar de maneira inovativa e crítica na construção do Reino de Deus.

 

4. Ensinar: Sistema orgânico e processual

Ao invés de manter em nossa educação o modelo mecânico da física, devemos nos lembrar de que o futuro pertence a sistemas orgânicos e processuais. Ao invés de ver a relação entre aluno e professor a partir de um esquema hierárquico, devemos inspirar-nos nos sistemas entrelaçados da biologia e da sociologia.

Os nossos grupos não são peças estáticas a serem educadas por nós. Eles são organismos vivos com energia própria. A aprendizagem ocorre mediante o ensinamento mútuo, deixando espaço para a autorresponsabilidade, a curiosidade e a iniciativa própria.

Aprendendo dentro de um sistema vivo de interações pessoais, são criadas situações no decorrer das quais é possível todo um processo de aprendizagem.

A aprendizagem dá-se de várias formas: através de experiências; de realização de projetos; mediante a leitura de textos e de sua aplicação às situações concretas; pela decodificação de novelas, nas quais descobrimos os mecanismos de alienação; pela análise do comportamento de personagens da vida pública e eclesial; por meio da descoberta de Deus por dentro dos acontecimentos do “Jornal Nacional”.

É assim que aprendemos e ensinamos: Quando a religião faz parte da vida; quando ela não está sendo experimentada como algo fora do cotidiano, mas faz parte da minha experiência existencial.

É assim que aprendemos e ensinamos.

 

5. Educar é estabelecer uma rede de interações

Toda educação, no fundo, é uma rede de interações, na qual acontecem constantes trocas de informações e de experiências. Essa troca se realiza sempre em dois níveis: No da LÓGICA OBJETIVA, onde ocorre a troca de informações objetivas sobre fatos objetivos ou pessoais; no da PSICO-LÓGICA, onde trocamos informações e fazemos experiências pessoais e emocionais.

Uma educação que se baseia somente na LÓGICA OBJETIVA, no fundo, nem é educação. Ela é mera transmissão de informações racionais. Não envolve a pessoa inteira e global, e, por causa disso, os seus conteúdos são esquecidos em pouco tempo.

 

6. A educação religiosa não pode limitar-se à transmissão de informações

Por um período demasiadamente longo, a nossa educação religiosa seguia este caminho. Transmitiam-se informações sobre Deus ou sobre a Igreja, e as pessoas acreditavam nessas informações, e assim pensavam que tinham fé.

Mas essa fé tinha-se reduzido a um sistema de códigos, dogmas e leis, e quem acreditasse nesse sistema era cristão. Ter fé se reduziu a um exercício racional de “acreditar em…”.

Tal exercício era frio, não conseguindo envolver a pessoa inteira. Resultado: quando tal cristão fez uma experiência que o envolveu na sua totalidade, na sua existência integral, emocional e pessoal, deixou a sua crença racional e se dedicou à nova experiência. As estatísticas sobre a atratividade de cultos espíritas, esotéricos e umbandistas confirmam esse fato com dados inegáveis.

Atrás desses números se esconde o fracasso de nosso ensino religioso. Nós não conseguimos criar a experiência de uma religiosidade que satisfaz o homem integral.

Eis, no entanto, o grande anseio de toda uma geração de homens e mulheres. Eles se sentem profundamente frustrados por uma sociedade pós-industrial, cujas palavras-chave são “a eficiência”, “o sucesso”, “a competição”.

O vazio de seus corações grita por algo mais; mas os substitutos dos verdadeiros valores, oferecidos pela sociedade de consumo, só aumentam a frustração.

É nessa situação que as pessoas redescobrem a religião.

É nessa situação que as pessoas buscam uma nova educação religiosa. Elas buscam uma educação que possa satisfazer os seus anseios e encher o vazio de seu coração.

 

7. Educação religiosa é envolvimento para uma experiência de vida

Quando, nessa busca, as pessoas encontram um ensino religioso que, de novo, só transmite informações frias e racionais, vão embora em busca de um outro discurso.

Quando, porém, encontram um ensino que as envolvem numa experiência global e integral, elas ficam e passam a se envolver.

Por isso mesmo, o nosso ensinamento religioso deve mudar. Há a necessidade de que ele se torne integral e envolvente.

Para que isso seja possível, porém, é necessário:

1º) Que se crie no ensino um LUGAR DE LIBERDADE.

Hoje as pessoas não aceitam mais as coerções de um sistema legalista. Quando o nosso ensino quer fechá-las num sistema de normas e restrições, as pessoas vão embora.

 

2º) Que o nosso ensino seja INOVATIVO.

Hoje há uma abertura para o novo. O novo produz interesse. Mas o novo também gera medo. O ensino religioso deve encorajar as pessoas a enfrentar o medo do novo. Deve ensiná-las a abrir-se à dinâmica do devir e da evolução.

Agarrar-se de maneira estática a formas antigas produz estagnação.

Em nosso ensino religioso, estamos sempre confrontados com pessoas e com grupos que não querem o novo. A religião é para eles um refúgio diante das inovações assustadoras de uma evolução social acelerada. A mudança social os assusta, e, por causa disso, buscam abrigo numa religiosidade do passado — ou numa religiosidade emocionalizada e espiritualizante. Muitos gostariam de fechar todas as portas e janelas para este mundo, gostariam de fechar-se de novo num cenáculo, à maneira dos primeiros apóstolos antes da vinda do Espírito Santo.

Diante de tal quadro, que, no fundo, é o sintoma de um medo profundo das transformações, o ensino religioso deve tornar-se:

 

3º) Um lugar de encontro.

Um ensino religioso que se torna lugar de encontro entre irmãos e irmãs consegue superar o medo do novo. Em vez de abrigar-se atrás de fórmulas e leis — em vez de fechar os espíritos numa mentalidade retrospectiva e nostálgica —, o ensino religioso pode configurar o espaço para o diálogo. O diálogo com o mundo, com o novo, com o que assusta e gera medo. E tudo isso num ambiente de encontro, onde as pessoas podem exprimir com liberdade as suas preocupações e os seus anseios, sem medo de ser censuradas ou rejeitadas.

Tal educação integral e existencial encontramos em Jesus. Ele não ensina a partir de uma base legalista e formal. O ensino dele é integral. Ele vai ao encontro da pessoa, ali onde esta se encontra. Em seguida ele envolve essa pessoa numa experiência de vida, que vai muito além de qualquer ensino de códigos. No decorrer dessa experiência, o educando perde o seu medo do novo; onde ele mesmo começa a tomar a iniciativa, onde a pessoa, em vez de se fechar dentro de um sistema, descobre a dinâmica de uma nova vida.

 

8. Educar para uma experiência de vida aberta a Deus e ao mundo

A educação religiosa deve promover a descoberta de uma nova dinâmica de vida. A dinâmica de uma vida aberta a Deus e aberta ao mundo. Trata-se da dinâmica de uma vida onde Deus é descoberto no mundo, no encontro com os irmãos e as irmãs. Essa é a dinâmica do encontro com Jesus Cristo. O exemplo dele se torna o incentivo para toda uma mudança de vida.

A educação que parte do exemplo de Jesus tem, assim, a sua base na própria vida dele. A sua vida se tornou o exemplo. Seguindo-o, o aluno descobre novos horizontes de seu ser.

É, talvez, aqui que encontramos a última e mais importante fórmula para aquilo que poderia ser chamado “a arte do educar religioso”: O EXEMPLO DE VIDA E DE FÉ. O exemplo de uma fé viva, dinâmica e aberta; o exemplo de uma fé que se baseia em Deus com todo o fogo ardente daquele que se deixou seduzir por este Deus, e que, por causa disso, ama este mundo assim como Deus o amou. Tal exemplo, parece-nos, é a condição primordial para um ensino religioso que possa superar a estagnação de uma informação racional sobre os artigos da fé.

Com essa constatação, aliás, encontramos de novo o lema de um dos grandes educadores da antiguidade, Sêneca. Ele formulou de maneira acentuada aquilo que, valendo para o I século após Jesus Cristo, ainda vale para o século XXI: “LONGO E TORTUOSO É O CAMINHO QUE PASSA PELO ENSINAR, RÁPIDO E CHEIO DE SUCESSO AQUELE QUE SE BASEIA NO EXEMPLO”!

Prof. Renold J. Blank