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Publicado em número 198 - (pp. 2-6)

A educação que precisamos

Por Pe. Luiz Roberto Benedetti

Em São Paulo, o casal de empresários Aramis e Tais Fortes educa os filhos segundo esta visão (isto é, na perspectiva de país globalizado) tentando se antecipar às mudanças. As crianças estudam num colégio espanhol porque os pais acham que essa será a segunda língua mundial. Elas aprendem inglês, estudam e brincam com um computador e debatem com os pais aos domingos as notícias publicadas pela imprensa. ‘As empresas exigem resultados de seus funcionários e aqui em casa nós não premiamos a mediocridade’” (Veja, 19/10/94).

 

I. QUAL O SIGNIFICADO DA PALAVRA EDUCAÇÃO?

Se atentarmos bem para o contexto da citação acima, veremos que fica evidente a existência de um conteúdo objetivo e um significado — cultural e político — no modo como aparece o processo educativo nessa citação. Ou seja, há coisas a aprender, mas também está presente “informando” (dando forma) esse conteúdo uma postura diante do mundo, da história e do papel a desempenhar em face da realidade. Ao mesmo tempo, fica claro, nítido, o problema: o que é educar numa sociedade que, sem precisões maiores, chamamos de globalizada, mundializada, que restringe cada vez mais o acesso ao mercado de trabalho? Mais: mostra uma “resposta” a este problema, uma solução privada, na linha da competição individualista. E, como tal, deve ser posta entre aspas, porque reenvia a uma pergunta crucial: as soluções, em nível individual, não acabam por agravar os problemas sociais que pretendem resolver? É o que ocorre, por exemplo, com a violência.

No interior dessas perguntas iniciais há outras: educar é apenas favorecer para o mercado de trabalho, numa perspectiva competitiva? Por outro lado, pode-se ignorar o mercado de trabalho? Educação é só escola?

 

1. Os números

Olhando os últimos dados do IBGE (agosto de 1997), a primeira sensação é de otimismo, uma vez que mostram crescimento do nível de escolaridade do país. Assim, a porcentagem de jovens entre 15 e 17 anos que estudam passou de 55,3% (1980) para 66,8%. A porcentagem de crianças (7 a 14 anos) na escola é de 90%. Um dado revelador: pessoas com mais de 60 anos sem escolaridade (abaixo de um ano) é de 40,99%; de 10 a 14 anos é de 10,1%. Isso significa que, no geral, há melhoria.

O grande problema, porém, é que os números à medida que revelam também escondem realidades. Não conseguem dar conta das nuanças qualitativas. O empresário Antônio Ermírio de Morais chamava a atenção para este fato: “Notei que no censo de 1980 havia 32.731.347 pessoas que não sabiam ler e escrever e, em 1991, 32.768.578 — ou seja, 37.231 a mais. O tempo passou e os analfabetos aumentaram (…). Nas cidades, os analfabetos saltaram de 15.682.742 para 18.427.640 — cerca de 2,7 milhões a mais” (Folha de S. Paulo, 27/8/1997). A população cresceu e, assim, em termos relativos, o quadro melhorou.

Mas e a qualidade? Numa sociedade cada vez mais exigente em termos educacionais, 35,1 % de pessoas de mais de 10 anos têm apenas três de estudo. Apenas 64,9% da população escolarizada tem o primeiro grau completo (obrigatório por lei, aliás).

O que fica na sombra: não adequação entre a idade e o nível de escola que lhe corresponde (a 8ª série do 1º grau é atingida aos 18 anos em média, não aos 14 como deveria ser); desse modo, 90% dos jovens de 18 anos têm sua faixa de escolarização defasada. Tudo isso sem levar em conta os desníveis regionais no interior do país e a comparação entre a renda per capita e o percentual de instrução da população.

Mais ainda: o MEC não divulgou (até o momento em que escrevemos o presente texto) o censo escolar de 1997. Os dados preliminares, entretanto, indicam que 92% das crianças entre 7 e 14 anos estão matriculadas em escolas. Em 1994, o percentual era de 96,2%. Nos dados do IBGE, em 1996, o índice passou para 90%. Além de uma oscilação, há uma tendência à queda.

É necessário ter os números corretamente interpretados. Servem como alerta. Mas não avaliam a qualidade da educação. Eles estão ligados à educação formal, e esta prende-se, cada vez mais, às exigências do mercado de trabalho.

 

2. Educação e mercado

A própria escola transformou-se em mercadoria, no sentido mais abrangente do termo. Assim, quando a revista Playboy publica a lista das melhores faculdades do país, ela está “classificando” um produto para um consumidor, aquele que a lê. Ela é feita para “educar” o consumidor masculino e, através do consumo, ensiná-lo a “ser homem”, a ter uma boa performance, a passar uma imagem. Sob esse aspecto, a faculdade é um produto que classifica o consumidor: os melhores estão nas melhores faculdades e estas são melhores porque abrigam os melhores em seu interior. Esse jogo de imagens, de espelhos, de transparência mútua de prestígio ilustra o significado profundo da ligação educação/mercado. Não é porque as escolas são pagas, porque há gente que vende ensino, que esta é uma “indústria” rendosa, que a educação se aproxima da mercadoria. Trata-se de ligação mais profunda: se cabe à educação dizer ao homem quem ele é, torná-lo plenamente livre e responsável pela sua história pessoal e social, ocorre aqui uma inversão: ser homem quer dizer ter uma imagem, uma performance, construir-se de acordo com padrões de consumo, num jogo de informações: boa escola porque há bons alunos, e estes são o que são porque estudam numa boa escola.

Isso vale não só para o meio universitário, mas para todos os níveis da educação formal. Há, claro, um fato objetivo, um valor fundante, que é a qualidade de ensino. Mas há — e o próprio fato da Playboy (“educadora” do consumidor masculino) preocupa-se, sendo sintoma disso — uma ideia implícita de educação, com corte radicalmente individualista, mercantil.

Mais: para elaborar seu ranking, a revista pesquisa as empresas. A qualidade se restringe, nesse caso, à atuação no mercado de trabalho.

Teria sido diferente alguma vez? O fato é que, desde a modernização econômica dos anos 60, que levou a explosão do ensino superior, cada vez mais educação e mercado de trabalho estão vinculados. As matérias humanísticas, com conteúdo crítico, como filosofia, política e sociologia são encaradas como inutilidades, perda de tempo. Pergunta-se: para que servem?

Isso nos leva a abordar o segundo aspecto do problema.

 

II. O QUE É EDUCAÇÃO?

Comecemos por uma compreensão genérica e abstrata do termo educação: formação para a vida. Desde o nascimento começamos a receber e a introjetar valores normais, costumes e técnicas do nosso meio social. Passo a passo vamos fazendo com que a sociedade passe a existir dentro de nós. Vamos adquirindo as habilidades específicas para “sobreviver” neste meio. Família, religião, meios de comunicação, pré-escola e escola são os agentes educadores privilegiados. Eles nos “moldam” à imagem e semelhança da sociedade em que estamos. É o processo de socialização, através do qual a sociedade passa a estar cada vez mais dentro de nós. É nesse sentido que um sociólogo conservador, Durkheim, fala de uma função “homogeneizadora” da educação. O educando age como receptor passivo. Recebe do meio social tudo o que é necessário para se reproduzir neste meio e, ao mesmo tempo, reproduzi-lo.

Assim, por exemplo, a “pressão” do mercado de trabalho dá forma à educação. O mundo é competitivo? Então é preciso aprender a competir, a dotar-se das forças necessárias para competir. E, nesse caso, como já foi dito, dar solução individual para um problema social.

Nos anos 60 e 70 essa visão foi duramente criticada. Assim, as pesquisas mostravam que as escolas privadas, sobretudo as de nível mais elevado, tinham currículo flexível, uma pedagogia que punha em relevo a liberdade, a criatividade, o espírito de iniciativa; já as escolas estaduais da periferia sofriam fiscalização severa, com controle rígido de currículo. Isso mostrava a escola como reprodutora da divisão social do trabalho: a primeira formava os empreendedores, os executivos, os que tomavam decisões. Para isso tinham de ser criativos. A escola de periferia dava os conhecimentos mínimos, para que os que nela estudavam ficassem onde estavam.

Educar, nesse caso, quer dizer reproduzir o status quo da sociedade em que se vive e se reproduzir nela. Educar é domesticar. Houve quem reagisse. Em plano global, teórico, de crítica ao sistema educacional como um todo, houve visionários (esses educadores sociais tão necessários, sobretudo hoje) que propugnavam uma sociedade sem escolas. Houve a busca de pedagogias alternativas, fundadas nos princípios de liberdade e autogestão, como formas de adquirir senso de responsabilidade e autodisciplina. O exemplo mais famoso nos vem da Summerhill School de Londres. Como afirmava uma ex-aluna: “Quando saímos da Summerhill é difícil aceitar que o mundo não seja igual a Summerhill”.

Numa perspectiva socialmente oposta, Paulo Freire buscou a educação como prática de liberdade, como práxis de libertação pessoal na ação engajada de conhecimento e transformação da realidade de opressão.

Essas visões e atitudes pedagógicas salientavam um segundo aspecto da educação, o que constitui a educação propriamente dita. Formar para a vida não significava para esses educadores aceitar a vida, o mundo, a sociedade e a história como são. Educar é formar para uma vida humana. O que define o propriamente humano da vida é a capacidade de assumi-la nas próprias mãos, dando-lhe um rumo livre e responsável. Não aceitar a situação simplesmente, não dobrar-se a ela, mas transformá-la. A educação é ação transformadora. Mas ela só pode acontecer se o educando estiver “situado”, inserido na sociedade em que vive. Partindo dessa situação, da “percepção” dos limites que ela comporta à ação transformadora, exercer a liberdade e a criatividade.

Essas reflexões servem para balizar algumas questões básicas. Fundamentalmente querem dizer que educar é “formar para a vida”, para sobreviver no meio social em que se está. Mas a vida do homem só é humana à medida que é ultrapassado o nível da sobrevivência, da sujeição ao inevitável; à medida que a vida se torna descoberta e prática de liberdade. É nesse nível, como processo de ultrapassagem de sobrevivência à liberdade, da necessidade e pressão à gratuidade, que se deve pensar a educação como atividade não limitada à escola, aos mecanismos formais. Superar o nível de sobrevivência significa ir além da simples necessidade de “formar” para o mercado de trabalho.

Educar talvez seja exatamente o oposto: situar-se criticamente no mercado de trabalho, buscar formas alternativas de convivência e solidariedade para superar uma espécie de darwinismo social (a sobrevivência dos mais fortes) como ideologia educativa. Só sobrevive o mais apto. Esse darwinismo se expressa, por exemplo, em reportagem da revista Veja: “Consumada a destruição da escola pública, onde se formou boa parte dos governantes e grandes empresários do país, há muito se sabe que quem quer dar aos filhos uma chance de competir (grifo nosso) por um lugar perto do topo, onde estão as grandes oportunidades e o dinheiro mais pesado, deve encaminhá-los a um estabelecimento privado. O que se nota, agora, é que não é qualquer escola privada que pode resolver o problema — pois os colégios estão numa competição duríssima entre si, batalham por equipamentos, professores, carga horária, fazem propaganda na TV, o diabo” (Veja, 13/8/97, p. 80).

Em certo momento, para superar esse darwinismo, deu-se ênfase à conscientização. Mas conscientização reduzida à assimilação intelectual de uma visão científica da história, de uma interpretação da realidade dentro de um modelo fixo e verdadeiro. Caiu-se, assim, no que se queria evitar: o dogmatismo, das fórmulas prontas que, ao invés de ajudar a enxergar os fatos, impedia o acesso a eles, à medida que os encaixava na única “visão científica”. Chegou-se mesmo à intolerância.

A mesma reportagem da revista citada mostra que temos no Brasil, em termos educacionais, o Primeiro e o Terceiro Mundos. No Primeiro Mundo, o desafio é formar mão de obra flexível, capaz de se adaptar às mudanças tecnológicas cada vez mais rápidas. No Terceiro Mundo é formar mão de obra minimamente qualificada, uma vez que a massificação do ensino tende a diminuir o analfabetismo. Só que isso vem acompanhado da queda cada vez mais vertiginosa do nível de ensino da escola pública. Assim, o Primeiro Mundo educacional, a escola particular, sofistica-se cada vez mais, e o Terceiro Mundo, a escola pública, deteriora-se cada vez mais. Quando chega o funil, a universidade, os formados na primeira vão para a universidade pública (gratuita), e os da escola pública, quando “sobrevivem”, vão para a particular.

 

III. VELHAS E NOVAS DESIGUALDADES

O que se tem, assim, é uma agudização das velhas desigualdades sociais e o surgimento de novas. O capitalismo clássico, bem ou mal, trazia em seu interior uma ética fundada na ascese do trabalho: a riqueza vem do trabalho diligente, da ascese, da parcimônia. Isso vale tanto para o empresário quanto para o empregado. Havia, em tudo isso, muito de ideológico, pois se encobria o fato de que o trabalho enriquecia os já ricos e empobrecia, mais ainda, os já pobres. Mas essa afirmação precisa ser matizada.

A longo prazo as condições de vida de amplos setores da população efetivamente melhoraram, não como consequência mecânica, automática, do progresso técnico, inerente ao capitalismo, mas sim de lutas e movimentos sociais, muitas vezes heroicos, quase sempre pacientes. Esse processo, de qualquer forma, continha em si elementos éticos: as ideias de felicidade, liberdade, ascese no trabalho como fonte de riqueza; a universalização do ensino (que, se “homogeneizava” a sociedade, impondo uma visão de mundo, uma ideologia, não deixava, ao mesmo tempo, de difundir novos conhecimentos, tendo assim alcance libertário): tudo isso funcionou como processo educativo. É no interior desse processo que se forjou a consciência operária.

Hoje, testemunhamos a fragmentação do mundo dos trabalhadores. As novas tecnologias trazem em seu bojo a possibilidade concreta de emancipação do esforço físico/muscular, ou pelo menos, a de diminuição da jornada de trabalho, restando assim mais tempo para a expressão propriamente humana, a que vai além da mera sobrevivência: a contemplação, a arte, a convivência gratuita e a oração. A consequência, no entanto, é o desemprego e o incremento da desigualdade. Isso porque essas novas tecnologias estão situadas dentro de um sistema de relações sociais fundado na exploração do trabalho.

Em certo sentido, os movimentos sociais que se firmaram ao longo dos anos 60 foram os grandes “educadores” da década, “anteviam” o risco desse incremento da desigualdade. Mas hoje são cada vez mais desacreditados. Suas aspirações libertárias são “saudosismo de 68” e dão lugar ao individualismo. A ideia de sujeito histórico, capaz de mobilizar o sentimento libertário coletivo é desacreditada como portadora de aspirações e realizações totalitárias. Atribui-se um relativismo quase total às ciências do social, em face do desencanto de seus resultados: o que efetivamente as ciências sociais trouxeram em termos de mudança social?

Nesse contexto, escola e educação aparecem marcadas pela ideologia do privatizável. O que significa isso?

Em primeiro lugar há a questão da escola pública, e particularmente da universidade. Quando se discute o problema, cai-se imediatamente no emocionalismo: universidade gratuita para todos. Há que se partir de um dado real — doloroso — reflexo imediato da divisão do trabalho, que é também divisão e conflito entre classes sociais. Como já apontamos, nas universidades públicas estão os que podem pagar. E as escolas comunitárias (que prestam um serviço público e não visam ao lucro) têm de cobrar caro dos alunos e se dobrar às leis do mercado para sua sobrevivência.

A solução não passa, pura e simplesmente, pela abolição da gratuidade nas escolas públicas. Mas não se pode ignorar o fato de que, hoje, objetivamente, numa sociedade de privilégios, o ensino universitário público é um privilégio para os ricos. Da mesma forma aparentemente é progressismo lutar contra verbas para escolas não públicas (genericamente). Para discutir esse problema, não se pode ignorar o quadro real, efetivo. Não basta colocar a questão em termos teóricos do tipo: o ensino já está pago nos impostos. Ora, sabemos que o imposto no Brasil é pago pelos assalariados. Eles não têm como escapar. O mesmo ocorre com os microempresários, que não têm contadores, advogados, consultores altamente qualificados para “driblar” sutilmente as leis. É nesse quadro que a universidade pública gratuita e o auxílio às escolas comunitárias (públicas, à medida que prestam um serviço público) têm de ser discutidos. Claro que, ao tocar nesse tema, entramos no delicado problema das privatizações.

Há outro aspecto. Se o ideal educativo é influenciado, para dizer o mínimo, pela ideologia do mercado (já mostramos atrás), as políticas educacionais de gerenciamento também pensam a reforma do ensino a partir de pressupostos como produtividade, eficiência, eficácia, capazes de assegurar a meta de universalização e democratização do sistema escolar. Mas, embutido nesse pressuposto está o fato de que o Estado é “pesado” e incapaz de assegurar esse acesso universal a um ensino de qualidade. Como no interior do Estado não há competição, própria do mercado, surge o descaso. A educação torna-se um peso, não um direito fundamental de todos a ser assegurado pelo Estado. A educação é deslocada, assim, do campo político para o do mercado. A competição seria capaz de resolver o problema porque tem como exigências qualidade de serviço e preço baixo. O que é esquecido, repetimos, é que essa proposta de corte neoliberal, vem apenas agravar o quadro histórico secular de que o acesso ao mercado é reservado a poucos.

 

IV. VIDA E ESPERANÇA

Nesse contexto pensa-se a educação como investimento. Olhemos para o lema da Campanha da Fraternidade: Educar “a serviço da vida e da esperança”. Para garantir vida e esperança é preciso, em primeiro lugar, assegurar uma educação formal adequada. Vida e esperança não só no plano individual, pessoal, mas também no social, no histórico. Quem não tem acesso à educação formal fica impedido, de aceder ao mercado de trabalho, fica “excluído”, isto é, impedido de agir como ator social: de fazer-se representar, fazer valer sua voz e seus direitos. Não tem como participar das instituições de representação política (sindicatos, partidos, ONGs).

Mas o lema refere-se ao espírito desse processo educativo, aos valores que devem informar (dar forma, dar vida) à tarefa educativa: “gerar” um ser humano animado pela esperança e que se coloque decididamente a serviço da vida. Ou seja, pede-se que se ultrapasse uma visão meramente utilitária, pragmática do processo educativo. Que ele forme pessoas, isto é, sujeitos ativos, inspirados em valores que fundam o que é propriamente humano na vida do homem: a esperança como componente central da ação humana no mundo.

Nesse sentido, a educação é um bem participável, aquilo que nunca pode ser privatizado. Este adjetivo (participável) designa aquelas realidades a que todos devem ter acesso, como a língua, por exemplo. Apropriar-se do universo linguístico é apropriar-se do comum, daquilo que nos aproxima e dá uma identidade comum. Implica a apropriação dos outros. Esse senso do outro, do solo comum que pisamos, da visão de mundo embutida na língua que aprendemos, a atividade participável. É o domínio do ato educativo, da instituição educativa em sentido estrito.

Mas é preciso ir além. O espaço educativo é cada vez mais reduzido à escola, esta à sala de aula, e esta à transmissão de “saberes” codificados, prontos, descartáveis (basta lembrar o livro didático). O que se tem como inovação são novas tecnologias, ligadas sobretudo à informática. Poucos pensam na escola como lugar da participação, da criação do senso de responsabilidade coletiva, do sentido do público, do espaço do outro. Escolas deterioradas, sucateadas, pichadas, sujas. Tudo, menos espaço educativo.

A essa deterioração corresponde um tratamento igual ou pior aos professores e funcionários. Esses são desvalorizados ou, mais que isso, desmoralizados! Há os heroicos, os idealistas. Mas os melhores ideais, os sonhos mais exaltantes e os esforços mais heroicos chocam-se com o descaso crescente com a educação. É preciso recuperar a escola como espaço educativo. Isso passa por uma política educacional que ponha em primeiro plano a formação da humanidade do homem. Essa passa pelo sentido do espaço público, do lugar do outro, do mundo relacional marcado pela busca comum da liberdade, da justiça e de solidariedade; pelo sentido da beleza, da contemplação, da gratuidade, significando tudo o que vai além da sobrevivência.

Para isso é preciso uma escola renovada, no interior do processo de criação de uma sociedade nova. Transformar a escola transformando a sociedade, e vice-versa. Uma tarefa é a outra.

Pe. Luiz Roberto Benedetti