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Publicado em número 131 - (pp. 9-13)

Luta pela nova sociedade

Nos dias 22 a 24 de julho de 1986, os participantes do 6º Encontro Intereclesial das CEBs debateram seus problemas, divididos em 4 grandes plenários. O tema debatido no dia 23 foi “Luta pela nova sociedade”. Este tema estava dividido em 4 itens, um para cada plenário. Apresentamos, a seguir, as conclusões de cada um desses plenários que, em linhas gerais, foram assumidas pelo Documento Final.

 

PLENÁRIO A

Tema: CONSTITUINTE POPULAR E NOVA CONSTITUIÇÃO

No bate-papo rotativo foi discutida a questão: Como sua comunidade está participando da preparação para a Constituinte?

Em todo o Brasil, as CEBs já começaram a fazer seus debates, suas assembleias, cursos etc. a respeito da nova Constituição e do processo constituinte. Há uma consciência generalizada da importância deste momento histórico, embora se tenha a percepção dos limites da participação popular no processo constituinte, em virtude da opção do governo por um Congresso constituinte. Tem-se, contudo, a perspectiva da oportunidade deste momento para o avanço da consciência e da organização do povo, como nunca ocorreu antes em nossa história na elaboração das nossas Constituições.

Os grupos discutiram a seguinte questão: O que se pode ainda fazer por uma Constituinte popular e uma Constituição favorável aos interesses do povo? As sugestões visam às três fases do processo: antes, durante e depois.

 

Antes

1.  A exigência fundamental dessa fase é uma profunda conscientização sobre o significado e a importância do processo constituinte para a vida nacional e, de modo particular, para as classes populares. Essa conscientização deve ser feita utilizando todos os meios disponíveis tanto no interior das CEBs e das comunidades paroquiais, como, partindo daí, das grandes massas oprimidas de nosso país.

2.  Escolha de candidatos de base ou candidatos comprometidos com as causas populares. Deve haver exame sério de sua biografia no que diz respeito ao engajamento com as causas populares.

3.  Elaboração de propostas, que devem ser encaminhadas aos candidatos, e exigir seu compromisso com elas.

4.  Fazer do dia 7 de setembro o Dia Nacional da Constituinte para que toda a população do país possa descobrir a importância do que estamos por realizar.

5.  Unir-se, na luta, tanto às demais Igrejas cristãs, como também às diversas entidades da sociedade.

6.  Escolha e formação de missionários da Constituinte: cristãos esclarecidos sobre a questão, e dispostos a ajudar no processo de conscientização popular.

 

Durante

1.  Criação de uma Comissão de Base para acompanhar, em Brasília, a elaboração da nova Constituição.

2.  Publicação de um Boletim para informar as comunidades sobre o que está sendo discutido.

3.  Funcionamento, em Brasília, de uma Assembleia Nacional Popular paralela ao Congresso constituinte, para o debate das grandes causas populares.

4.  Descobrir diferentes maneiras de pressionar os constituintes.

5.  Acompanhar os candidatos eleitos pelo voto popular, a fim de que eles possam ser fiéis aos compromissos assumidos com o povo.

6.  Romaria da Constituinte a Brasília como forma de fazer o Congresso constituinte voltar-se para as aspirações populares.

 

Depois

1.  Estudos nas bases para conhecimento da Nova Constituição.

2.  Exigir o cumprimento das novas leis.

3.  Avaliar o significado do processo constituinte para o crescimento do movimento popular.

 

PLENÁRIO B

Tema: MOVIMENTOS POPULARES E LUTAS ESPECÍFICAS

Síntese dos trabalhos de grupo em torno da pergunta: Quais são as conquistas e as dificuldades encontradas pelos movimentos populares?

 

1. Índios

Conquistas: poucas conquistas, apenas algumas demarcações precárias. Projeto do gado, apoiado pela igreja de Roraima, para combater o gado dos fazendeiros. Apoio do CIMI.

Problemas: falta de transporte (Rio Negro), saúde, educação, terra, não demarcação (Projeto do general Diniz: não demarcar terras indígenas próximas às fronteiras). As fazendas e mineração estão cercando áreas indígenas. Índios são muitas vezes torturados, mortos, levados à extinção.

O que os índios querem: a demarcação sem violência, e respeito como povo indígena.

 

2. Negros

Avanços: Movimento de Agentes Pastorais Negros, Movimento de União e Consciência Negra, resgatando a história e cultura do negro. Algumas dioceses se preocupam em estudar a cultura e religião (Candomblé), o negro e a pastoral da Igreja (Ilhéus, BA). Celebração de datas importantes: 13 de maio, 20 de novembro (morte e ressurreição do grande mártir Zumbi). Tema da Campanha da Fraternidade de 1988, sobre os negros. Comemoração dos 100 anos de luta contra a discriminação após a chamada “Lei Áurea”. Ecumenismo: diálogo com as religiões afro e lutas comuns (moradia, desemprego etc.). Uma educação voltada para a consciência histórica do negro.

Problemas: o sul é profundamente racista. Negros com estudo não conseguem emprego. Discriminação até nas CEBs. Negros estão escondidos nas favelas. Dificuldade de o negro se assumir como negro. Repressão policial. Muitos pensam que o movimento negro veio para dividir, mas na realidade a divisão já existe. O movimento negro é autônomo, mas tem lutas comuns com os outros movimentos.

 

3. Lavradores

Conquistas: Passeatas do dia 1º de maio para reivindicar ambulância, postos de saúde etc. Conquista de professora rural, cooperativas para o pequeno produtor e agricultor, sindicalização, indenização, derrubada dos sindicatos-pelego, projetos de casa comunitária, desapropriação de três fazendas através de greve de fome, melhoria de transporte, greves de boias-frias, assembleias que conquistaram assentamentos de famílias, conquistas do PT, tomada de posse da sede da fazenda, acampamento para conseguir sementes, projeto de conscientização do valor da terra, para que não seja vendida, hortas comunitárias.

Dificuldades: falta de saúde, atendimento médico, sementes, terra, estradas; falta de organização dos sindicatos; preço baixo dos produtos agrícolas, paternalismo, salários baixos, sindicatos-pelego, fazendas de gado, projeto JICA, UDR, dificuldade de crédito nos bancos, política agrícola, desemprego na entressafra (boias-frias); professores do NE que ganham Cz$ 80,00 por mês; projetos de usinas em terras de lavradores.

 

4. Sem terra

Conquistas: lavradores sem-terra enfrentam pistoleiros; ocupações de terras e terrenos; trabalhos de mutirão; assentamento de famílias; movimento dos sem-terra em todos os Estados; resistência em favor da reforma agrária; o sindicato despelegando; crescimento das CPTs estaduais e vitória dos militantes políticos indicados pelos sem-terra; manifestações, caminhadas, união para vencer as pressões políticas.

Problemas: conflito com o governo, fazendeiros e pistoleiros; violência no campo; política e juiz do lado do latifundiário; barragens para irrigação das terras dos latifundiários, até com apoio do bispo. Pequenos se organizando contra pequenos; sindicatos-pelego. Propaganda de uma reforma agrária que não passa de legalização de um trabalho antigo e títulos de posse. Problema do babaçu nas mãos dos grandes (PI). Conquista da terra só no papel. Política de colonização que leva gente do sul para o norte, sem condições. Evasão das escolas, devido à migração. Doenças, cansaço, desânimo, fome e medo. UDR, cultura de exportação. Falsos discursos dos políticos. Demora do INCRA na demarcação das terras. Manipulação dos meios de comunicação.

 

5. Posseiros

Conquistas: têm posse da terra, mas em todas as regiões de posse há pistoleiros. Na luta pela defesa, “as mulheres servem de alavanca com as orações”. “O posseiro só vive produzindo o que consome e consome o que produz”. Vive muito isolado.

Dificuldades: “O posseiro só vive produzindo o que consome e consome o que produz”. Vive muito isolado, não tem conhecimento de como lutar por meios específicos. Desconhece a sociedade, não tem visão político-social, mas tem profundo conhecimento de defender “o que é seu”. Falta transporte, escolas; os produtos que compra são caros demais. Poucos sindicatos to­mam a peito os problemas.

 

6. Sindicalismo

Conquistas: formação de delegacias sindicais no meio rural. União entre associação de domésticas e sindicatos operários. Conseguiu-se acabar com a escala de revezamento dos operários em uma fábrica, que prejudicava as famílias.

Dificuldades: peleguismo dentro do sindicato, mas também por parte do povo que não dá apoio aos sindicatos. Medo das greves. Alguns sindicatos rurais, formados com o apoio da Igreja, caíram quando membros da Igreja voltaram ao trabalho pastoral. Falta de conscientização dos trabalhadores.

 

7. Mulheres

Conquistas: conscientização através de conquistas; elaboração de documentos para a Constituinte; participação das mulheres na CPT; melhoria de salários para lavadeiras e domésticas; reivindicação de escolas e saúde; encontros e entrosamentos com outras religiões: as mulheres que organizam as lutas da comunidade; participação das mulheres nos mutirões e piquetes; associação das mulheres; conscientização das mulheres; posto de saúde; caixa comunitária; fornos; hortas; lavanderia e farmácia comunitárias; mulheres que saem de casa para estudos sobre a Constituinte e reforma agrária; tabelas de preços para as lavadeiras e domésticas; clubes de mães; delegacia de mulheres em Cuiabá; organização das mulheres; ocupação de terras para construir um centro comunitário; pastoral da mulher; prostitutas organizadas; centro comunitário; melhoria da vida através de greves, encontros das esposas, artesanatos próprios; participação das jovens mulheres na luta; descoberta do papel das mulheres na Bíblia. “Nós semeamos. Quem vai colher são os nossos netos”.

Dificuldades: machismo do homem pela:

• dupla moral: o homem pode fazer tudo e a mulher não; a mulher é prostituta, mas onde estão os homens prostitutos?

• dupla educação: a mulher é educada para viver dentro de casa;

• dupla economia: salários da mulher sempre mais baixos que os dos homens;

• dupla lei: leis que favorecem mais os homens;

• dupla na Igreja: a não participação da mulher na hierarquia da Igreja: por que a mulher é marginalizada, se Maria foi a primeira sacerdotisa?

Muitas mulheres são escravas dos maridos; domésticas e lavadeiras exploradas; infiltração dos partidos; sindicatos-pelego; problemas de emprego; distâncias que dificultam reuniões; dificuldade de se organizarem; não valorização da mulher; acomodação de muitas; dificuldades de participar de encontros maiores e mais distantes; muitas mulheres são espancadas pelos maridos.

 

8. Associação dos moradores

Conquistas: saúde, escola, mercados, esgotos, luz, água, hospitais, creches, encampação de uma clínica, fornos e hortas comunitários, ocupação de terras urbanas, reuniões com o povo para conscientizar, verbas para melhoria da escola, cursos com o método Paulo Freire, identidade nas propostas comuns com as CEBs, comissão de saúde para melhorar o funcionamento dos hospitais.

Dificuldades: infiltração de políticos; manipulação política; migração, boicote das informações; muitos ficaram só nas reivindicações; falta de terra para as hortas; falta de apoio; desapropriação de terrenos e favelas; escolas caras; falta de competência de muitos professores; diretores nas escolas colocados por políticos; falta de competência na administração escolar; falta de salas de aula; casas pequenas; dificuldades nos mutirões; prefeitos que apoiam as clínicas particulares; autoridades que prometem, mas nada fazem; os políticos que dizem que as conquistas são deles; pouco exercício da democracia no poder; confusão entre movimento popular e CEBs; loteamentos clandestinos não legalizados; hospitais que não funcionam como posto de saúde por falta de equipamentos.

 

PLENÁRIO C

Tema: PROJETO POLÍTICO POPULAR

Dinâmicas

Bate-papo rotativo a partir da pergunta: Quais as duas ou três coisas necessárias para o povo numa nova sociedade? Trabalho em grupos a partir da pergunta: Como sua comunidade está contribuindo na construção de um Projeto Político Popular (ou Projeto de Libertação do Povo)?

 

Síntese

O plenário entende o Projeto Político Popular como sendo um processo em construção, através da prática, numa dupla dimensão: conscientização e organização.

A nível de conscientização, através de:

• Formação de trabalhadores, jovens, mulheres e crianças; cursos; Bíblia.

• Sindicalismo.

• Política.

• Rádio, informações.

• Boletins: subsídios para reflexão dos grupos.

 

A nível de organização, através de:

• Mutirões.

• Reivindicações organizadas.

• Sindicatos autênticos.

• Oposição sindical.

• Cooperativas.

• Movimentos de mulheres.

• Organizações dos negros.

• Comitês pró-Constituinte.

• Apoiar os candidatos da base e a administração popular.

• Luta pela terra: CPT, Pastoral Rural, movimento dos sem-terra, movimento do solo urbano.

• Hortas e roças comunitárias.

• Movimento pró-favela.

• Associações de moradores.

• Movimentos de organização em defesa da vida.

• Saúde comunitária.

 

O processo da construção do Projeto Político Popular deve desembocar numa sociedade onde o poder político será exercido pelo povo a serviço do povo, e os meios de produção serão socializados. Isso será garantido pela confiança do pobre no próprio pobre, à medida que, nas pequenas lutas, são vencidos os limites como o medo, o peleguismo, a violência, a desigualdade social e o poder como dominação e exploração.

 

Desafios

• Como politizar as reivindicações? Apenas reivindicar, ou apresentar propostas alternativas de um Projeto Político Popular?

• O que é específico das CEBs e o que é específico do Estado?

• Como conviver com o poder, entendendo poder como serviço?

 

PLENÁRIO D

Tema: O MUNDO DO TRABALHADOR E SINDICALISMO

 

O bate-papo rotativo foi em torno da questão: Quais os conflitos existentes na sua área de trabalho? Nos 16 grupos foi discutida a questão: Como as comunidades podem fortalecer o sindicalismo combativo? Houve, nos trabalhos de grupos, uma convergência em relação aos seguintes pontos:

1.  Necessidade de desenvolver um grande trabalho de conscientização dos trabalhadores sobre a importância de participar do sindicato, de suas lutas e seu fortalecimento como entidade dos trabalhadores.

2. Necessidade de as CEBs estimularem a participação dos trabalhadores na vida e nas lutas sindicais, apoiando as direções combativas e combatendo as direções-pelego.

3.  As CEBs devem apoiar de todas as formas as lutas dos trabalhadores organizados em sindicatos.

4. Necessidade de uma campanha de sindicalização que leve os trabalhadores a assumirem o sindicato como instrumento de suas lutas. Sindicatos fortes nascem da participação de todos.

5. Necessidade de formar quadros de jovens para uma participação consciente no sindicalismo e de promover uma participação maior da mulher na organização e direção dos sindicatos.

6. Necessidade de apoiar e reforçar as pastorais ligadas aos trabalhadores, particularmente CPT e CPO.

7. Divulgar para o conjunto dos trabalhadores as informações sobre a existência e a importância dos sindicatos, de forma a estimular a sindicalização, a maior participação e a democratização dos sindicatos.

8. Fortalecer as oposições sindicais que lutam contra as direções pelegas. Apoiar os movimentos dos sem-terra.

9. Lutar pela unidade sindical e apoiar o fortalecimento da CUT.

10. Desenvolver a confiança dos trabalhadores nos próprios trabalhadores.