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Publicado em número 131 - (pp. 31-32)

O clamor dos índios pela terra e pela vida

VIDA PASTORAL entrevistou, durante o 6º Encontro Intereclesial das CEBs, ocorrido de 22 a 24 de julho de 1986, seis dos dez índios presentes ao Encontro. VIDA PASTORAL abriu esse espaço para que eles pudessem falar dos seus problemas e esperanças. Entrevista concedida a Pe. José Bortolini e Ir. Rosana Pulga.

 

EMÍLIO LOPES DE OLIVEIRA, índio Xakriabá, de Itacarambi (MG). A tribo, dentro da reserva, tem cerca de 2.500 pessoas. Mas há muito índio que vive fora dessa reserva. A metade da terra dessa tribo ficou fora da reserva. Estão lutando para conseguir de volta todas as terras, e assim integrar novamente a tribo.

JOSÉ PEREIRA LOPES, índio Xakriabá, de Itacarambi (MG).

VITORINO, índio Xerente, de Tocantínia (GO), representante da nação Xerente. Sua expectativa e seu pedido é em relação à saúde, estudo e educação para sua tribo. Participa dos movimentos de Igreja para conseguir esses objetivos “porque a FUNAI não faz o que a gente pede, e a gente não está conseguindo”. Os Xerentes são 300. Moram em 11 aldeias. Falam a língua akoê.

MOACIR DE BRITO XERENTE, índio Xerente, da aldeia de Rio do Sono, norte de Goiás, 22 anos. “Estamos aqui reunidos representando o Brasil. Quanto mais unidos, a gente terá mais força”.

ANTÔNIO, índio Guarani, de Amambai, a 290 quilômetros de Campo Grande (MS). Sua língua é o guarani e tem laços com os Guaranis do Paraguai e do Paraná. Na aldeia são 600. “Há poucos dias, 90 índios foram despejados, expulsos pelo fazendeiro, na aldeia de Imbaracaju (MS). Em Paraguassu (MS) também houve despejo. Fazendeiro botou 1.500 cabeças de gado dentro da aldeia. Índio tomou muito prejuízo porque a vaca entrou lá, quebrando plantas e fazendo invasão; 300 índios foram lá. Mas quando chegamos lá, o fazendeiro já tinha tirado o gado de lá. Nós fomos dispostos a fechar gado e tudo, porque o prejuízo que ele fez, ele não pagou. Se ele não pagasse, nós não iríamos soltar o gado. A gente não sabe como a coisa vai terminar.”

ANTÔNIO SOUZA BENITEZ, índio Kaiowá, de Caarapó (MT), é da mesma região dos Guaranis e fala a língua guarani. São cerca de 240 pessoas na aldeia. Moram na mesma área dos Guaranis. Estão tentando, há mais de cinco anos, formar uma federação de tribos para defenderem seus direitos. Já fizeram encontros em Dourados (Kaiowás e Guaranis) e Campo Grande, com os Terenas, para unir forças e resolver seus problemas. “No norte do Mato Grosso há grandes problemas por causa da demarcação de terras. A gente não sabe se a FUNAI vai tomar alguma providência. Isso é demais! É uma vergonha! A FU­NAI sabe que o índio está nas mãos dela!”

 

VIDA PASTORAL pediu que cada um dos entrevistados resumisse brevemente os principais problemas de suas tribos.

 

EMÍLIO: Na nossa aldeia está aparecendo muito problema. Entre jagunço e pistoleiro, perseguindo, atirando em índio, matando nossos irmãos. Há cerca de dois meses, nosso irmão José, que está aqui (veja o depoimento, abaixo), levou três tiros e uma facada. Foi para o hospital, onde ficou oito dias. E outro companheiro também ficou dez dias no hospital. O pistoleiro está lá, dentro da nossa área, e a justiça o esconde. Parece que não está mais existindo justiça, e sim injustiça. E a FUNAI não resolve esses problemas. Ela é uma autoridade que tem capacidade, mas não faz nada. A gente denuncia pra ela, e o réu lá dentro. Precisava de ter uma justiça para tomar providências, para não deixar mais o sangue de nossos irmãos ser destruído. E não só eles. Nós também estamos correndo o mesmo perigo.

 

VITORINO: O maior problema é essa tal de Reforma Agrária. A gente está preocupado. E a Constituinte também. A gente não quer que a Re­forma Agrária passe na área dos índios do Brasil todo. Nós não queremos desrespeitar nossas leis, nossos direitos. Nós temos direitos!

 

MOACIR: Nossos problemas são também no setor da saúde e da educação. Está tudo desorganizado. A gente está tentando organizar pra que a gente consiga alguns objetivos nesse sentido. Por isso estamos reunidos aqui: pra definir um objetivo, um documento, pedindo pra autoridade, para FUNAI, pro CIMI, para que nos possam ajudar nessa parte de saúde e educação. A gente não está sabendo o que será a Reforma Agrária. Não sei se vai atingir o ciclo da área indígena. E a gente está preocupado com isso. Nossas terras já são um problema, já são pequenas. E a gente não quer que a Reforma Agrária atinja o ciclo da área indígena. Nós estamos batalhando bastante para que isso não ocorra em nossas terras. O índio é nativo da terra. Sem ela não sobrevive. Ele precisa da terra para sobrevivência, vivendo da caça e da pesca. Ele não quer uma terra para destruir. Quer para aproveitar toda a natureza que a terra oferece. Cada aldeia apresenta seu problema. Na minha, é mais no setor da saúde e da educação, e isso porque a FUNAI não está providenciando. Estamos participando dessas reuniões para reforçar mais, junto com nossos irmãos.

 

JOSÉ: A história da confusão que aconteceu comigo foi assim: Teve o casamento de uma ín­dia e a gente foi pra lá, uns doze. Chegando lá, tinha outros índios. A gente estava lá no fundo da casa, já tarde, todo mundo brincando, o tocador tocando, na maior alegria. Eu saí do fundo da casa e fui lá pra frente. Lá estavam os pistoleiros: “Segura índio”, gritaram. Eu ia passando, e quando virei, estavam segurando os índios, e os pistoleiros, armados. Aí eu fiquei agoniado com aquilo. Aí eu fui falar: “Gente, o que é isso? Não precisa disso não! Aqui é tudo índio, é amizade”. Quando eu falei isso, eles soltaram o índio e partiram pra riba de mim, atirando: “Mata”, e aquele tiroteio esquisito. Eu baixei, saí rolando no chão, e ele atirando em mim. Encostou o revólver na minha testa. Quando eu vi que ia me matar, rolei pra riba dos pés dele e levantei. Fiquei dentro dos braços dele e me defendi de muitos tiros. Fiquei lutando. Aí eles bateram a faca na garganta do tocador, que estava tocando. O tocador deitou a correr com a sanfona. Aí eles atiraram no meio das costas dele, traçou o coração dele e caiu ali adiante. Outro índio saiu do quarto dele pra correr, e eles atiraram bem na barriga dele. Vertia muito sangue, urinava sangue, vomitava sangue. E ficou completamente atingido. E a gente não quer briga. A gente é fraco. Mas os fazendeiros ficam desunindo a gente. Nós não podemos desfazer nossos irmãos. Nós não vamos expulsar índio para tomar terra de índio. Seria um pobre desfazendo outro pobre. E a justiça deve resolver esses problemas.

ANTÔNIO: A maior preocupação da minha aldeia é um fazendeiro que está trabalhando na nossa área de 800 hectares, no sul do Mato Grosso. Há 3.900 pessoas morando em 2.018 hectares. Esses 800 hectares são da aldeia e o fazendeiro está trabalhando neles. Já tentamos uma porção de vezes, mas ele não quer entregar nossas terras. Para evitar brigas, nós deixamos parado. Será que a Reforma Agrária vai resolver nosso problema, ou vai tomar da gente aquela área? Nós não temos nenhuma viatura na região, para os casos de doença. A gente tinha uma; a FUNAI tomou. Em caso de emergência, a gente não tem como levar os doentes pro hospital. Nós não temos condições para comprar uma viatura.