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Publicado em número 162 - (pp. 7-12)

Os jovens na sociedade brasileira

Por Pe. Luiz Roberto Benedetti

“O jovem Edvaldo Gomes Teixeira não era propriamente, aos 20 anos, o que se convencionou chamar de ‘baixinho’ desde que a rainha Xuxa invadiu as telas e fantasias de milhões de crianças brasileiras. Na noite da terça-feira 10, porém, ele foi vítima de um latrocínio por quase nada, uma situação que tem aterrorizando jovens de todas as idades nas ruas e escolas do País. Ao sair da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais do Estado de São Paulo (Ceagesp), onde acabara de cumprir mais um dia de trabalho como carregador, ele e a namorada foram abordados em um ponto de ônibus por três rapazes. A cena foi rápida: os três pediram-lhe a carteira, que Edvaldo concordou em dar. Depois disso, ao verem o par de tênis New Balance azul que ele calçava, decidiram ampliar o roubo. Edvaldo reagiu. O tênis, comprado há quatro meses de um contrabandista na própria Ceagesp, valia quase metade do seu salário de Cr$ 95 mil e representava, pelo menos no vestuário, que ele poderia ser igual a qualquer outro jovem de classe média ou alta. De fato, poderia ter acontecido — ou tem acontecido — a pobres e ricos indiscriminadamente. Edvaldo levou dois tiros e morreu ali mesmo”.

Nada retrata tão fielmente a situação da juventude brasileira do que a notícia acima, veiculada por Isto É Senhor, em setembro de 91. A realidade dos fatos parece desmentir o lema: Juventude, caminho aberto. Dizemos “parece” por duas razões: Conhecemos pouco sobre a juventude hoje. Nutrimo-nos de estereótipos impressionistas de cunho moralista que a definem como hedonista, consumista, secularizada, indiferente, individualista, ateia e utilitarista. São adjetivos tirados do relatório dos bispos brasileiros enviado ao último sínodo episcopal, tentando explicar por que há poucas vocações sacerdotais, e refletem muito mais o que os meios eclesiásticos pensam dos jovens a partir de sua perspectiva de mundo do que a realidade dos fatos. Em segundo lugar, quanto mais difícil a situação maior o apelo à fé e à criatividade, maior a necessidade de abrir caminhos.

Por que o “exemplo” do tênis? Porque ele expressa o poder mitificador da mercadoria. O tênis, mercadoria, torna-se um fetiche, algo sagrado, dotado de um poder maior do que o de “proteger os pés”. Ele é, pode-se dizer, um arquétipo. Os arquétipos são símbolos que estruturam a humanidade do homem. O tênis estrutura a juventude do jovem. Ele é o que é pela mediação do tênis que calça. Este confere identidade: o jovem se reconhece e é reconhecido socialmente no objeto “sagrado”. E a perversidade deste processo — que reflete uma estrutura social marcada pela concentração de renda e marginalização da maioria da população dos benefícios da produção — fica mais clara quando, na reportagem citada, um comerciante assinala que as famílias com mais recursos, quando roubadas, voltam à loja para comprar um tênis inferior. Quem não muda são os jovens de renda mais baixa, que concentram suas compras nos dias de pagamento, pagam em três vezes e querem sempre as marcas mais caras. O tênis (assim como o boné, o walkman, a mochila) é, nas palavras da revista, um fetiche de alto risco.

Mas há também o processo inverso: o valor da mercadoria se associa à capacidade de “produzir” juventude, isto é, de conferir certa identidade, uma imagem da vida, do mundo, da história, das relações sociais e da própria corporeidade. Ou seja, o tênis não apenas diz quem é o jovem, a partir da “marca”, mas também diz o que é ser jovem. A “produção” de juventude qualifica o jovem e este confere à juventude a sua realidade, encarnada em valores como saúde, alegria de viver, felicidade no amor, conquistas fáceis, corpo sadio, bonito, atlético e vitorioso.

A primeira coisa a se observar é, portanto, o fato de que juventude, sociologicamente falando, é um termo “construído”, no sentido de que a faixa etária diz pouco. Há muitas crianças, pré-adolescentes e adolescentes que já têm sobre seus ombros a responsabilidade de adultos, isto é, são obrigados a largar os estudos e a aceitar subempregos para “sustentar” a família; ao contrário, há aqueles que prolongam indefinidamente sua juventude, desobrigados, pelas suas condições econômicas, de assumir responsabilidades atribuídas socialmente aos adultos. Mais ainda, ser jovem é uma “representação” social, uma certa visão de mundo e da história, associada ao nível de consumo. Entretanto, para nos entendermos melhor, fiquemos com o termo em sua significação mais corriqueira, a da faixa etária (também variável, mas situada genericamente entre os 15 e 25 anos de idade).

 

1. Juventude: poucos caminhos

Tudo o que insinuamos até aqui aponta para a juventude apenas dois caminhos: integração ou exclusão. Para entender a peculiaridade da situação do jovem no Brasil é preciso situar-se na perspectiva das estruturas de mobilidade social: o que pesa não é “pertencer a uma categoria profissional, mas, sim, o lugar ocupado na mobilidade, as oportunidades de permanecer ou tornar-se cidadão, ou, ao contrário, de permanecer, inclusive tornar-se um excluído”[1], ou seja, segundo Touraine, só há dois caminhos para a juventude: a exclusão (marginalidade) ou a cidadania. Indo um pouco além, porém, acaba sobrando um só caminho: o da escola como condição indispensável de mobilidade. Em praticamente toda a América Latina, “para os migrantes, a vinda para a cidade tem como primeiro objetivo dar melhores oportunidades de edu­cação aos filhos”[2]. No Brasil, sobretudo, deposita-se na educação “uma confiança talvez sem igual no mundo”[3].

A seleção, entretanto, é feita cedo, nos primeiros anos do sistema escolar. Ou seja, entrar na escola e ir além dos primeiros passos já significa um “privilégio” e a escola vai “purificar” uma seleção já efetuada no âmbito da estrutura social. Assim, forma-se uma camada de “iletrados” que, no dizer de Touraine, ultrapassa de muito os limites do analfabetismo: “esses jovens, sobretudo do meio rural, mas também do urbano, às vezes permanecem integrados no seu meio de origem, afastados das grandes correntes de trocas, mas sofrem amiúde e em toda a sua violência, os efeitos da marginalização e da exclusão”[4].

Nos países capitalistas desenvolvidos, associa-se a marginalização juvenil à vida urbana; na América Latina a industrialização traz como contrapartida a marginalidade, fazendo desta menos um fato urbano que um fato “profissional”, ligado ao desemprego. Assim, quanto mais a industrialização cresce mais tende a aumentar a exclusão do emprego e dos benefícios do desenvolvimento. Isso enrijece ainda mais as fronteiras sociais, de forma que a industrialização aumenta a expectativa de mobilidade e, ao mesmo tempo, fecha as portas à ascensão. Isso tende a fixar o quadro entre cidadãos e marginalizados, o que explica, em parte, o fato de os jovens mais pobres comprarem o tênis mais caro, às custas até mesmo de sua alimentação. É uma forma simbólica, via fetiche arquetípico, de “sair da situação”.

Para entender melhor o quadro é preciso detalhar mais a análise em termos de mercado de trabalho.

 

2. Juventude e mercado de trabalho

Quem analisa a juventude no Brasil se depara com uma contradição: a associação entre desemprego e trabalho de menores, adolescentes e jovens. Na grande crise de desemprego, no tempo do presidente Figueiredo, na metade dos anos 80, era comum em Campinas (SP), encontrar pais desempregados, tendo os filhos trabalhando como guardinhas, office-boys, sustentando literalmente a família. É importante notar que esses jovens, menores de idade, ganhavam menos que o salário mínimo e faziam trabalho de adultos, do tipo carregar altas quantias de dinheiro das empresas, ou então cheques, documentos, enfim, serviços de responsabilidade e tarefas arriscadas face ao quadro de violência urbana.

Essa situação não é, todavia, passageira: o desemprego não é uma realidade ocasional, mas, no mínimo, uma ameaça permanente, o que faz, segundo Touraine, que os homens abandonem com frequência o papel familiar e então “os muito novos e as mulheres é que se esforçam para implantar as redes de ajuda mútua, sem as quais a sobrevivência é impossível”[5]. Esta exige desde os pequenos serviços e o trabalho doméstico, até a prostituição e o roubo.

Esse problema já foi tratado em um número da revista Concilium, que tinha o significativo título de “Juventude sem futuro?”, no qual um dos problemas centrais era o desemprego: “as pessoas já começam a compreender aos poucos que a economia não está organizada no sentido de proporcionar empregos. O desemprego não é uma aberração ou um percalço temporário num processo, sob outros aspectos, contínuo e sadio, de crescimento econômico. Parece uma situação crônica que piora cada vez que o pêndulo econômico pende para trás… A lógica do lucro privado e do crescimento das empresas predomina sobre a criação de empregos… Antes dos anos 80, quando o emprego decrescia num setor da economia, parecia sempre haver uma nova oportunidade de trabalho. Mas o desemprego dos anos 80 é qualitativamente diferente das baixas, recessões e depressões anteriores. Os empregos estão se evaporando, com poucas aberturas de novos horizontes amplos”[6]. Os autores falavam do Canadá, observando, quem os citava, que essa realidade valia para todo o primeiro mundo e mais especialmente para o terceiro.

Num certo sentido, pode-se dizer que o que diminui (“é qualitativamente diferente”) são as possibilidades e condições de o jovem “se virar”. Isso porque a oferta de emprego, sobretudo no setor de transforma­ção (indústria), não só não acompanha o crescimento populacional, como tende a diminuir. Cresce, até certo ponto, no setor terciário, campo privilegiado para os que têm acesso ao estudo e à cidadania, conforme a expressão de Touraine, citada atrás.

Baer e Hervé dizem que “a taxa de absorção de trabalho do setor de transformação não só ficou apenas abaixo da taxa de população urbana em muitos países, como foi inferior à taxa de crescimento da população total”[7].

As taxas da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina), órgão da ONU, confirmam que “a proporção do emprego manufatureiro com respeito ao emprego total, desde 1925 até hoje, mudou muito pouco, mantendo-se quase constante em torno de 14 por cento. Para a América Latina em seu conjunto, esta proporção era de 13,7% em 1925, subiu a 14,4% em 1950 e baixou para 14,3% em 1960, sendo provável que desde então haja declinado mais ainda”[8]. A CEPAL chamava ainda a atenção para o fato de que os mais atingidos eram os migrantes: “Uma proporção apreciável do aumento da população ativa não é adequadamente absorvida no processo produtivo, o desenvolvimento econômico não a atinge. Isso é verdadeiro principalmente para a população que se desloca das áreas rurais para as cidades… Longe de conseguir a integração na vida da cidade e participar de melhores padrões de vida, eles constroem suas miseráveis cidades de barracos, lutam numa existência de mera subsistência cotidiana em todo um vasto setor de serviços pessoais mal pagos, com períodos de completo desemprego. Portanto, pobreza, frustração e ressentimento vêm do campo para a cidade, onde os sintomas de concentra­ção de renda são já tão ostensivos. Isso é uma prova evidente da explosiva polarização social do desenvolvimento, atribuível à sua debilidade dinâmica e à deficiência de distribuição de renda”[9].

Essa situação atinge de modo muito especial os jovens. São eles, muitas vezes, a “razão” da migração. Esta deve ser entendida no quadro da mobilidade de que falava atrás: é ela que define os excluídos e os cidadãos. Ora, os pais vêm para a cidade para que os filhos estudem e ascendam socialmente… Vamos ficar com um exemplo: a crise da pequena propriedade, face ao avanço das relações capitalistas no campo, leva famílias inteiras para os centros urbanos. Aqui os jovens “se viram” como podem. Assim, só num prédio de apartamentos de Campinas, há dez jovens, entre 18 e 25 anos (três são irmãos), vindos da mesma cidade, trabalhando doze horas por dia, em serviços que não exigem qualificação profissional nenhuma. Não têm tempo para estudar. E aqui ainda estamos numa faixa econômica “privilegiada”, a dos pequenos proprietários. Não estamos no mundo dos migrantes permanentes, os trabalhadores rurais entregues à própria sorte ou ao capricho dos compradores de sua força de trabalho.

Na década de 80, aproximadamente 19 milhões de pessoas participaram das correntes migratórias, o que representa 40% do crescimento das dez maiores cidades do país; e isso nada tem a ver com explosão demográfica. A taxa de natalidade do país está em declínio: era de 3% ao ano na década de 80; atualmente é de 1,7% ao ano, com tendência a se estabilizar em 1%[10]. Isso vem mostrar que a migração é causada pela miséria: “as pessoas saem dos seus locais de origem em busca de trabalho e quando chegam às grandes cidades se deparam com a falta de emprego, e isto gera novas correntes migratórias para outras cidades”[11].

Mas aqui é preciso entender as relações entre o rural e o urbano: “rural é o quê? Com efeito, ele não mais pode ser confinado à população residente no meio rural (limitação demográfica), nem apenas à população que participa nas atividades agrárias (limitação econômica via PEA — População Economicamente Ativa), mas deve ser definido pela extensão com que a dinâmica do complexo agroindustrial brasileiro (CAI) participa da reposição e ampliação das condições de vida de determinada população, pouco importando se urbana ou rural”[12].

Sob esse aspecto estaríamos vivendo a segunda fase da industrialização do campo, que se caracteriza pela mecanização pesada, pela mecânica leve (ligada à quimificação, à entrada da eletrônica e à ampliação dos serviços de pesquisa e de extensão rural). Esta política, comandada por grandes grupos, com beneplácito do Estado, se, de um lado, traz novos empregos no conjunto do complexo agroindustrial, acelera a criação de excedentes de mão de obra na agricultura. Mais, são serviços que exigem qualificação crescente e se situam fora do trabalho estritamente agrícola/rural, entrando mais no campo da transformação (indústria) e serviços (pesquisa e extensão).

Essa “interpenetração” de mundos, rural e urbano, no interior do complexo agroindustrial brasileiro tende a acelerar ainda mais a concentração de renda no campo; confirmando o fechamento dos caminhos, no interior das estruturas de mobilidade que é o universo em que a juventude tem que ser analisada.

Em termos numéricos: “em 1970, os 20% mais pobres da PEA (População Economicamente Ativa) apropriaram-se de cerca de 5% da renda agrícola, e os 50% mais pobres, de pouco mais de 22%. Em 1980, aqueles primeiros 20% receberam menos de 4% (isto é, uma variação de 27%) e os 50% mais pobres, 15% (isto é, uma variação de 33%). Por outro lado, os 10% mais ricos do campo no Brasil apropriaram-se, em 1970, de 34% da renda e, dez anos depois, de mais de 50%; e os 5% mais ricos, que abocanhavam 24% da renda em 1970, passaram a 44% em 80, isto é, 86% a mais”[13].

Assim, a juventude “sai” do campo, cada vez mais industrializado; vai à escola e esta também obedece à dinâmica da exclusão. Assim, pesquisa recente mostrou que o próprio ensino técnico, normalmente associado à formação de mão de obra qualificada para o capital, é cada dia mais apropriado pela classe média, estrangulando ainda mais as possibilidades no interior do mundo da mobilidade, ou seja, a própria escola para formar técnicos — e assim possibilitar ascensão social — está sendo apropriada pelos bem situados na escala social.

“Ilha de excelência em meio a um sistema educacional em crise, as escolas técnicas de 2º grau se transformaram em verdadeiros trampolins para a universidade. Esta distorção gerou uma outra mais absurda: segundo o Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura de São Paulo (CREA-SP), há quatro engenheiros para cada técnico no Estado mais desenvolvido do país. (…) O que já era ruim ficou ainda pior devido ao ingresso nas escolas técnicas de um contingente cada vez maior de alunos oriundos de famílias abastadas, potenciais candidatos à universidade. Um exemplo é a própria ETF-SP (Escola Técnica Federal de São Paulo), apontada pelo Banco Mundial, em 89, como a melhor instituição pública de 2º grau do país. Em 1988, as famílias com renda superior a 10 salários mínimos respondiam por 50,64% dos alunos matriculados no curso regular da instituição, indicador que subiu para 60,4% neste ano. (…) Com o arrocho salarial, mensalidades salgadas na rede privada e a deterioração do ensino público convencional, a classe média passou a encarar as escolas técnicas com outros olhos”[14], isto é, como um caminho bom e barato para a universidade.

 

3. E os jovens “integrados”?

Utilizamos aqui o termo integrado para definir o jovem que, dentro da estrutura de mobilidade social, é privilegiado, isto é, em nível de renda familiar esta num patamar acima de 10 salários mínimos. Há um estudo, feito pela McCann-Erikson, concluído em 1991. Esse estudo, embora sério, padece, porém, de uma debilidade congênita: visa traçar o perfil do consumidor. Utiliza indicadores do tipo classes A, B, C e D, sem precisar de que “realidades sociais” está falando. Entretanto, é significativo como indicador de tendências da juventude.

Essa pesquisa mostra que “falar com o jovem, hoje, como se falava há cinco anos, é um grande equívoco”. Como conjunto, a pesquisa mostra uma “menor integração dos jovens aos valores sociais, conotando melhor aceitação da realidade que os cerca, e, por outro lado, uma tendência mais forte de aceitar valores morais que haviam sido combatidos por gerações, passadas. Sabemos que as variáveis hoje existentes em nossa sociedade são em parte responsáveis por estes movimentos. O país não vive exatamente em um mar de rosas, e as oportunidades de trabalho e êxito não estão caindo do céu. Nada mais normal, portanto, que os jovens se mostrem pouco satisfeitos ou ansiosos por integrar este panorama”[15].

A própria linguagem da pesquisa mostra que se pensa em termos de oportunidade, êxito, integração social, termos que conotam o caráter dirigido da pesquisa. Mas, levadas em conta as limitações, esses resultados não podem ser ignorados por quem trabalha com a juventude.

Elencamos aqui três pontos que parecem re­levantes para um trabalho pastoral com os jovens:

Os resultados da pesquisa mostram que há um desafio sério em nível de pastoral de classe média na perspectiva dos pobres. A pesquisa mostra que o tipo reflexivo (24% do total pesquisado) se encontra na classe A e tem como característica a valorização da solidariedade e da amizade, é favorável à emancipação feminina, entende que é necessário participar ativamente na vida política do país e que se deve brigar pelos ideais; rejeita a ida de viver fora do país; aceita facilmente a organização para conseguir concretizar seus ideais; aberto à leitura e à formação escolar séria e comprometida; crítico com relação à propaganda, aberto à cultura.

Já os individualistas (28% do total) e os ingênuos (17%) pertencem sobretudo à classe C. Os primeiros querem ascender socialmente, acreditam que o meio é o trabalho individual, não querem se envolver com problemas sociais, cuja solução cabe ao governo; não gostam de trabalhar, alegando que não encontram emprego e nem gostam de estudar.

Os ingênuos dão importância ao lazer, pensam pouco (em termos críticos) e por isso têm soluções simplistas para qualquer problema; sem discurso próprio repetem os pais.

O que a pesquisa mostra é que quanto mais se desce na escala social, mais os valores ligados à integração ao sistema se fazem presentes. Essa observa­ção é muito importante, pois os agentes de pastoral costumam associar pobreza e capacidade “revolucionário-transformadora”; situação econômica difícil e potencial crítico-transformador. Por conta dessa associa­ção, possivelmente se deva o baixo “investimento” pastoral no mundo estudantil de 2º e 3º graus e o despreparo dos cristãos universitários quando confrontados com as exigências do meio específico. Por outro lado, uma confiança “cega” nas “qualidades” associadas ao grupo reflexivo pode levar a equívocos igualmente sérios (como o de crer que são “revolucionários”).

O segundo ponto a ser levado em conta é que o peso da modernidade incide cada vez mais sobre os jovens, mais especificamente a valorização da subjetividade. Com frequência pouco crítica, mas efetiva. O jovem quer ser convencido, e os argumentos de autoridade pouco lhe dizem. Por outro lado, a falta de um referencial que o situe em meio a visões de mundo fragmentadas e conflitantes, pode levá-lo a uma subjetividade deformada: verdade se confunde com opinião e gosto pessoais.

Finalmente, se a estrutura social, pensada em termos de mobilidade, apresenta os jovens como integrados ou excluídos, ela tem que ser o pano de fundo de qualquer pastoral de juventude. Ignorar a estrutura social excludente e concentradora de privilégios, em qualquer pastoral de juventude, não dará resultado nenhum. A pastoral da juventude puramente intimista, ou a pura­mente “politizada”, ambas marcantes nos anos 70/80, descurando um trabalho reflexivo sério, consistente e comprometido, parecem ter deixado a Igreja à mão: até hoje, os quadros leigos da Igreja têm como referência os anos 60.



[1] Alain Touraine, Palavra e sangue ­– Política e sociedade na América Latina, Campinas, Ed. da Unicamp, 1989, p. 138.

[2] Ib., p. 138.

[3] Ib., p. 138.

[4] Ib., p. 139.

[5] Ib., p. 139.

[6] Michel Czerny e Jamie Swift “Getting Started; On Social Analysis in Canada, Between the Lines”, Toronto, 1984, citado in Coleman e Baum, Concilium 201, 1985/5, p. 14.

[7] Werner Baer e Michel Hervé, “Emprego e industrialização nos países em desenvolvimento”, in Subemprego, problema estrutural, Petrópolis, Vozes, 1970, p. 180.

[8] CEPAL, “As mudanças estruturais do emprego no desenvolvimento econômico da América Latina” in Subemprego, problema estrutural, p. 14.

[9] Estimativas do prof. José Alberto Magno de Carvalho, “Migração”, in Suplemento especial do Correio Braziliense, 31/8/1991.

[10] Neide Lopes Patarra, Correio Braziliense, 31/8/1991.

[11] Geraldo Müller, “A velha senhora agrária e seus novos balangadãs”, in Novos Estudos, São Paulo, CEBRAP, 1985, p. 8.

[12] Ib., p. 8.

[13] Ib., p. 7.

[14] Dario Palhares, in Folha de S. Paulo, 7/10/1991.

[15] Cf. Jornal da Tarde, 27/5/1991.

Pe. Luiz Roberto Benedetti