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Publicado em número 216 - (pp. 7-9)

Recuperar a mensagem do Reino, para dar sentido à vida

Por Prof. Renold J. Blank

Você já pensou qual o sentido de sua vida ou se sente jogado neste mundo, sem ter a mínima ideia do porquê?

Você é senhor de seus atos, conduzindo-os conforme os seus próprios projetos, ou, pelo contrário, sente-se brinquedo nas mãos de poderes supremos — políticos, econômicos ou sociais?

Sua vida tem valor para esta sociedade?

Os seus atos exercem alguma influência sobre o curso da história ou você se sente insignificante, não tendo a mínima influência sobre os acontecimentos históricos?

Sua vida torna ou não diferente este mundo?

 

Essas e outras indagações semelhantes, até alguns anos atrás, eram consideradas típicas para uma classe média que podia se dar ao luxo de tais preocupações — enquanto a grande maioria do povo ocupava-se com outros problemas. Problemas de sobrevivência, saúde, desemprego, enfim, problemas sociais que não deixavam lugar a dúvidas existenciais.

Esse era o discurso até mesmo de teólogos.

E os cristãos, para responder a qualquer dúvida, citavam o catecismo mencionando as fórmulas pré-fixadas de sua fé.

Assim, o problema era resolvido, e a religião, mais uma vez, mostrou a sua capacidade de responder de maneira satisfatória às grandes perguntas humanas.

Era essa a situação, até alguns anos atrás. E muitos estão convencidos de que ainda é assim hoje e que continuará sendo assim no futuro.

Para grande parte da população, o sentido da vida estaria na dependência do emprego conseguido. O resto seria resolvido pelas fórmulas da fé ou pelas propostas alternativas da indústria de propaganda.

Há muitos que continuam a pensar dessa maneira, mas enganam-se. A situação mudou.

O problema da busca de sentido apresenta-se não só a um pequeno grupo de privilegiados que podem dar-se ao luxo de tais reflexões. O grito por um sentido maior para a vida nasce, hoje, em primeiro lugar, das grandes massas excluídas e marginalizadas do povo. A experiência de um vazio existencial ameaça todas as classes da população. As neuroses — fruto do desemprego, do tempo livre etc. — passam a ser encontradas em todas as camadas sociais. Para muitos, Deus tornou-se ausente, e a gritaria dos vendedores sobrepõe-se à voz da Igreja.

Em todo esse barulho, porém, está voltando com insistência renovada a busca por respostas que vão além das promessas de prazer, formuladas pelos vendedores. E as indagações estão sendo formuladas, em número cada vez maior, também pelos integrantes das camadas mais humildes do nosso povo:

Qual é o sentido de nossa vida humana? Quem garante o nosso valor, neste sistema que precisa cada vez menos de nós? Onde encontramos a nossa dignidade, quando as estruturas que nos cercam nos dizem que não interessamos ao sistema de consumo?

São essas as questões apresentadas por nossos irmãos e irmãs excluídos, e o seu grito se une também às indagações de muitos incluídos que se sentem cada vez mais instrumentalizados, usados, esvaziados por um sistema que só se interessa por eles enquanto força de trabalho. A crise de sentido destes aproxima-os dos que experimentam a crise de sentido por não mais serem considerados pelo sistema e pelos seus mecanismos de maximização do lucro — os desempregados, os pobres, os não formados, os não mais utilizados, os doentes, os idosos e todas as camadas populares que se encontram à margem do sistema.

Que sentido tem a vida para eles? Onde está o seu valor, que deriva do fato de a sua existência também ser necessária e repleta de significado?

No entanto, é exatamente este significado que o sistema lhes nega.

Como é que as imensas camadas da população, marcadas pelo estigma de exclusão, podem recuperar o seu sentido de vida e de existência?

 

Nos meios religiosos, com razão, costumamos sublinhar a importância da dimensão religiosa. Só que, se queremos realmente dar uma resposta religiosa, devemos primeiro purificar essas respostas de todo o seu peso histórico de espiritualização e de transcendentalismo. Se queremos dar uma resposta religiosa consistente, devemos começar a recorrer a nova linguagem, a novo conteúdo e, a novos métodos. Em uma palavra, devemos recorrer àquela nova evangelização.

Será que uma nova evangelização tem algo a dizer perante o grito de milhões e milhões de seres humanos, que perguntam: Por que vivemos? Qual é a nossa tarefa específica e especial a cumprir nesta terra? Qual o sentido dessa tarefa?

A nova evangelização deve responder a essas indagações, se não quer correr o risco de se transformar em palavras vazias.

Qual é a tarefa específica para a qual Deus nos criou?

Eis a indagação-chave, à qual devemos dar uma resposta. Na busca dessa resposta inevitavelmente nos confrontamos com as palavras de Jesus. No centro de sua mensagem descobrimos a preocupação com aquilo que chamou de Reino de Deus. Mensagem-chave de toda a sua vida — porém esquecida por muitos cristãos. Mensagem tantas vezes deturpada no decorrer da história. Proposta desfocada por interpretações espiritualizantes, legalistas, moralistas e triunfalistas. É essa mensagem que a nova evangelização deve recuperar no seu sentido original.

Fazendo isso, descobriremos nela também a resposta ao grito sintonizado hoje com o pulsar de tantos corações humanos.

Qual é a tarefa que Deus nos deu para cumprir nesta vida? Essa tarefa existe? Há uma razão que justifica a nossa vida na terra? Por que vivemos?

O antigo catecismo romano pré-conciliar já procurava responder a essas questões. Nele podemos encontrar a seguinte resposta à indagação “por que vivemos na terra?”:

“Vivemos na terra para servir a Deus e, através disso, ganhar o céu”.

Foi esse o modo com que várias gerações de cristãos e cristãs se formaram. Eles decoraram a fórmula sem questioná-la. Tal fórmula procurava responder à problemática do sentido da vida.

Hoje, porém, essa fórmula não satisfaz mais. Seu conteúdo não consegue mais saciar o desejo que move as pessoas a se perguntarem por que estão neste mundo e qual o objetivo que Deus tinha ao lhes dar a vida.

Por causa de sua insatisfação com as fórmulas religiosas, muitas pessoas se afastam da resposta da fé, e buscam solução em outros campos. Elas não compreendem mais o profundo sentido da fórmula que satisfez os seus pais. “Servir a Deus” parece-lhes religioso ou espiritual demais, fora da verdadeira realidade que se vive.

Perante tal situação, nós, que defendemos uma nova evangelização, estamos sendo indagados e questionados de uma maneira muito especial. Se as nossas fórmulas tradicionais não satisfazem mais, o que respondemos? O que deve ser novo na resposta que no passado satisfez várias gerações de cristãos?

 

Essas questões nos levam de volta ao início de nossas reflexões e à exigência, formulada ali como postulado: Para que a evangelização realmente seja nova, devemos purificar as respostas das espiritualizações e transcendentalismos históricos. Essas espiritualizações ocultam o verdadeiro alcance das palavras originais de Jesus, e esses transcendentalismos deslocam o interesse para dimensões celestes, ocultando a descida de Deus do céu para a terra, pois é por este mundo que ele se interessa em primeiro lugar.

Voltando à Palavra, assim como ele a formulou na sua mais clara manifestação em Jesus Cristo, podemos superar as espiritualizações históricas de sua mensagem. Espiritualizações por meio das quais os homens, no decorrer da história, tentavam encobrir o escândalo de um Deus que deixou o céu, para morar conosco na terra. Transcendentalizações, por meio das quais era possível esquecer a verdade tão incômoda que os nossos louvores, no fundo, em nada interessam a Deus, ao passo que ele se deixa entusiasmar por ações que objetivem superar a exclusão, a pobreza e a injustiça (cf. Am 5,21-24; Os 6,6; Is 1,11-17; Is 58,5-6).

Voltando ao sentido original da Palavra deste Deus que se fez homem, é possível responder também ao grito pelo sentido, formulado pelas pessoas de hoje. Grito articulado com urgência cada vez maior.

Enquanto permanecermos presos a fórmulas como a citada, definindo que a última razão da vida humana é “servir a Deus”, os abandonos continuarão e, em muitos casos, tal atitude até é compreensível.

Fórmulas espiritualizadas do passado, hoje não satisfazem mais. O conteúdo daquelas fórmulas, porém, permanece válido também na atualidade. O desafio para a nova evangelização do século XXI consiste em recuperar esse conteúdo. Devemos superar a fórmula e voltar ao seu conteúdo original nas palavras de Jesus. Ali encontramos respostas convincentes também para o ser humano de hoje.

Isso pode ser mostrado, por exemplo, quando indagamos pelo sentido da vida. O sentido último da existência, diz a fórmula tradicional do catecismo, é servir a Deus. Trata-se de afirmação muito acertada, aprofundada por um discurso pastoral de séculos. No decorrer desse tempo insistiu-se muito na definição moral e cúltica daquilo que seria este servir. Pouco, porém, se falou das bases teológicas, onde se fundamentava essa definição. Essas bases se chamam Reino de Deus. Muitos cristãos esqueceram do verdadeiro alcance dessas bases e do significado daquilo que chamamos servir a Deus. Consequência disso: rejeita-se essa noção, bem como o seu conteúdo.

Diante desse quadro, torna-se urgente uma volta às nossas bases originais que se encontram nas palavras do próprio Jesus. Ele não falou tanto em servir a Deus, mas pediu para fazer a vontade do Pai (Mt 7,21). Em sua concepção, servir a Deus significa fazer a vontade do Pai que está no céu. Qual, porém, é a vontade deste pai?

 

Baseado na tradição bíblica, a vontade dele é que já nesta terra e nesta história se estabeleça uma situação onde seja possível o início da realização do Reino de Deus. A vontade do Pai é a de reinar nesta terra de maneira plena e absoluta. E para que isso seja possível, este Deus-Pai recorre aos homens e às mulheres, pedindo-lhes que preparem o terreno, implorando-lhes que sejam os seus instrumentos de transformação. Deus pede aos homens e às mulheres para que se engajem num trabalho em todas as dimensões da vida histórica, para que esta vida e esta história sejam transformadas conforme seus critérios:

— Justiça, em vez de injustiça,

— Amor, em vez de egoísmo,

— Serviço, em vez de poder,

— Verdade, em vez de manipulação,

— Fraternidade, em vez de opressão,

— Paz, em vez de brigas,

— Misericórdia, em vez de legalismo.

São essas as características que Deus quer realizar aqui na terra e na convivência humana. São esses os seus planos para com este mundo. Todavia, na concretização desses planos, Deus não age sozinho nem de maneira milagrosa para realizar o seu projeto. Ele age por meio dos seres humanos e chama as pessoas para que sejam colaboradoras na realização do seu projeto histórico. Deus incentiva as pessoas para que se engajem num processo de transformação do mundo. A senha para esta transformação é Reino de Deus.

À medida que as pessoas se deixam engajar na dinâmica desse Reino, elas servem a Deus. E à medida que servem a Deus, realizam o sentido de sua vida.

Eis aí a grande e profunda verdade da mensagem de Jesus sobre o Reino de Deus. Eis aí também a problemática trágica de toda a codificação espiritualizante dessa verdade. Espiritualização que, no decorrer dos tempos, conseguiu ocultar cada vez mais essa verdade tão simples e tão profunda. A religião proclamava que se devia servir a Deus, mas não dizia o que este servir, em última análise, significava. Falava-se de mandamentos e exigências morais ou espirituais, ao invés de, antes, transmitir e explicar a única verdade capaz de dar a resposta à nossa indagação pelo sentido da vida — verdade fundamental, na qual se esgota todo questionamento sobre o sentido último da existência humana.

Essa verdade é tão simples e tão profunda que, no decorrer dos séculos, foi progressivamente esquecida. Todavia devemos recuperá-la. É ela que deve novamente ocupar o primeiro plano em todo e qualquer trabalho de catequese. A nova evangelização deve transmiti-la e a homilética deve acentuá-la.

O sentido último da vida humana é este: trabalhar para que o Reino de Deus se realize.

À medida que o indivíduo se engaja neste trabalho, recupera o sentido de sua vida. À medida que a pessoa, no seu contexto e na sua história, realiza os valores do Reino de Deus, realiza o sentido de sua própria existência. Essa é a razão última pela qual nós vivemos na terra. Nós estamos neste mundo para colaborar na realização do projeto histórico de Deus que é o seu Reino. É mediante esse trabalho que o ser humano encontra o sentido para sua vida. A problemática da perda de sentido se resolve à medida que as pessoas recuperam essa consciência. Toda busca de sentido da vida encontra a sua última resposta quando a pessoa começa a engajar-se no processo de transformação do mundo, rumo ao Reino de Deus. Porque é para isso que Deus chamou a cada um de nós. É para isso que ele nos destinou.

À medida que os critérios do Reino tornam-se critérios de ação, a pessoa vai respondendo ao chamado de Deus. Nessa mesma medida, também a sua vida passa a alcançar o último e definitivo sentido. À medida que a pessoa, no seu agir, corresponde aos critérios do Reino de Deus em construção, sua vida se revela aos olhos de Deus como ouro denso de valor e sentido — do contrário será como palha, desprovido de qualquer valor (cf. 1Cor 3,12-15).

Transmitir essa verdade, em termos claros, é o grande desafio para toda a pastoral. Conscientizar as pessoas sobre a verdadeira dimensão de sua vocação e de seu sentido de vida é a exigência mais urgente à nova evangelização no século XXI.

Prof. Renold J. Blank