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Publicado em julho-agosto de 2021 - ano 62 - número 340 - pág.: 32-38

A esperança como perspectiva pastoral para a comunicação

Por Marcus Tullius*

A pandemia deu visibilidade ao trabalho desenvolvido pela pastoral da comunicação e à necessidade de tê-la articulada às realidades eclesiais. O comunicador cristão, pela sua ação, torna-se um mantenedor da esperança, especialmente diante de cenários de instabilidade.

Introdução

A pandemia da Covid-19 escancarou as mazelas de sociedades marcadas por chagas as mais diversas e, em contrapartida, abriu oportunidades para a comunicação possibilitar a sobrevivência da humanidade em meio ao caos. A pastoral da comunicação foi – e está sendo – heroica na missão de promover a cultura do encontro e manter acesa a chama da esperança, especialmente nas estradas digitais.

O chamado e esperado “novo normal” só será novo, de fato, se soubermos ressignificar a prática pastoral à luz da Palavra de Deus, do magistério da Igreja e do olhar atento às realidades que nos cercam – off-line e on-line.

1. A partir de uma pandemia

Aprendemos, desde crianças, que de tudo devemos tirar uma lição. Mesmo quando o caminho percorrido não é o que escolhemos, dali devemos extrair ensinamentos e sair melhor como humanidade. A pandemia está durando mais tempo do que o esperado e, talvez, ainda será insuficiente para nos fazer mudar de vida. Não é possível que tantas vidas perdidas, tantos erros cometidos, não nos façam olhar o mundo de uma maneira diferente. Em face disso, perguntamos: que lições podemos tirar da pandemia para a vida e para a comunicação?

O centenário filósofo francês Edgar Morin recorda que houve muitas pandemias na história, mas a novidade radical da Covid-19 está no fato de dar origem a uma “megacrise feita da combinação de crises políticas, econômicas, sociais, ecológicas, nacionais, planetárias, que se sustentam mutuamente com componentes, interações e indeterminações múltiplas e interligadas, ou seja, complexas” (MORIN, 2020, p. 21). Das 15 lições elencadas por Morin nessa obra, pelo menos cinco dizem muito da nossa forma de olhar o mundo enquanto sujeitos eclesiais:

  1. Sobre nossa existência: diante do consumismo desenfreado, “a experiência do isolamento precisa abrir nossos olhos para a existência daqueles que o suportam na penúria e na pobreza” (idem, p. 23);
  2. Sobre nossa condição humana: fomos dominando a criação e, com isso, “nossa fragilidade estava esquecida; nossa precariedade, ocultada” (idem, p. 23);
  3. Sobre nossa civilização: muitos já convivem com essa realidade diariamente, mas, para uma parcela, “as injunções do isolamento reduziram nossas compras ao indispensável, mostrando-nos que muita coisa supérflua nos parecia necessária” (idem, p. 28);
  4. Sobre o despertar da solidariedade: mesmo diante de catástrofes, “vimos a lição, ainda que simbólica, da solidariedade nacional” (idem, p. 28);
  5. Sobre a desigualdade: “o isolamento serviu de lente de aumento para as desigualdades sociais” (idem, p. 29).

Com base nesse recorte da realidade, podemos recolher alguns elementos que nos ajudarão a refletir sobre a importância da comunicação e sua perspectiva pastoral.

2. Sede de esperança

Sempre fomos acostumados a contemplar a sede como privação, como algo negativo e, por vezes, até como um castigo. Em situações de elevada temperatura, em regiões de duras secas, não há nada mais reconfortador do que receber um copo de água fresca; não há nada mais salvador do que saciar a necessidade fisiológica do organismo. Não é dessa sede, porém, que quero tratar no início deste texto. Chamo a atenção para a sede de esperança, aquela que deve habitar o mais profundo do coração humano e nunca pode faltar ao comunicador. A sede que a pandemia também veio intensificar no coração humano.

O comunicador deve viver com sede, para sempre ter o desejo de se saciar. Ele deve dizer com o salmista, no Salmo 62,2: “Ó Deus, tu és o meu Deus, ansiosamente te procuro. Minha alma tem sede de ti. Por ti desfalece a minha carne, como terra seca e exausta, sem água”. A imagem da secura do deserto estimula a pensar que sem Deus não existe a verdadeira vida; que sem Deus não se comunica a verdadeira vida. Assim como Davi, que deseja uma experiência mais profunda com Deus, quem se propõe comunicar deve ter esse mesmo ideal. Avançando no referido salmo, no versículo 5, temos a seguinte proclamação: “Sim, vou te bendizer enquanto eu viver e, em teu nome, levantarei as mãos”. É a alegria daquele que conhece a Deus e o louva pela vida toda. É o louvor do sedento!

Comunicar é uma necessidade humana. Por meio de diversos sinais – sons, imagens, textos, gestos, silêncio e outros mais –, o ser humano delimita seu ser-estar no mundo. Qual sede deve ter o comunicador? Antes da sede de comunicar, da ânsia de produzir e transmitir, ele deve ter sede de Deus, sede de rezar, sede de se formar, sede de servir, sede de saciar, sede da sede.

Sobre a sede e a fonte que a sacia, reflito um pouco mais no livro Esperançar: a missão do agente da pastoral da comunicação, publicado pela Editora Paulus na coleção Ecclesia Digitalis. Ali, discorro sobre minha experiência pessoal com a leitura e as pregações do cardeal José Tolentino Mendonça, arquivista e bibliotecário da Santa Sé, em O elogio da sede. O cardeal madeirense afirma que a fé não resolve nossa sede, mas dilata nosso desejo de Deus, para intensificar nossa busca (TOLENTINO, 2018). A sede é plena de esperança. Já que “a esperança não decepciona” (Rm 5,5), ela pode dar sentido à sede. Só a esperança pode dar sentido à sede e nos inserir na dinâmica própria do Espírito!

3. Não há comunicação real sem a presença do Espírito

Muitas pessoas e grupos começam suas atividades eclesiais no fazer. Na cultura popular, encontramos o ditado que diz que a necessidade faz o sapo pular. De fato, a pandemia fez diversas comunidades eclesiais sentir a necessidade da pastoral da comunicação. Grande número de pessoas, até de maneira improvisada, começou a fazer transmissões de missas, criar posts para as mídias sociais e se envolver nas circunstâncias impostas pela pandemia. Que proveito, porém, podemos extrair dessa situação? Não podemos ficar eternamente no improviso e no amadorismo e absortos na lógica do fazer. É aqui que surge um alerta!

Na pressa do fazer e na ânsia de produzir, há o risco de negligenciar a dimensão espiritual, ainda mais necessária aos nossos dias. As atuais Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil sustentam que é preciso superar a ideia de que o fazer já é uma forma de oração. Esse é um desafio a ser vencido por todas as pastorais e movimentos, mas mais particularmente pela pastoral da comunicação, ante os perigos do encantamento com a técnica, com as plataformas e com as múltiplas possibilidades oferecidas pela comunicação digital. Esse fascínio pode levar facilmente à tentação do ativismo. O problema, apontam as Diretrizes, é que “os agentes de pastoral correm o risco de se esquecer da dignidade batismal, como verdadeiros sujeitos eclesiais, reduzindo-se a meros voluntários” (CNBB, 2019, p. 55).

É sempre necessário recordar que somos discípulos-missionários, não apenas operadores de máquinas. Para operar um equipamento, tirar uma foto, fazer uma live, escrever um texto… enfim, para realizar qualquer atividade comunicativa, é preciso estar imbuído do Espírito, a fim de que a ação leve a um testemunho. O Diretório de Comunicação da Igreja no Brasil afirma que “o anúncio sempre deve ser acompanhado pelo testemunho” (CNBB, 2014, p. 161). Ora, o testemunho que o comunicador deve oferecer à sua comunidade parte de um encontro pessoal com a Pessoa de Jesus Cristo, encontro renovado diariamente no exercício de seu ministério.

Não é à toa que a espiritualidade é um dos eixos da pastoral da comunicação. Ela dá sentido aos demais (formação, produção e articulação), constitui o alicerce (CNBB, 2014, p. 164). Para viver a espiritualidade, é preciso ter sede. O agente da pastoral da comunicação deve ter a consciência da necessidade de intimidade com Deus, de um encontro pessoal com o Criador, para criar raízes “na verdadeira e inesgotável fonte de onde emana o sentido profundo dessa mensagem comunicativa”. A comunicação, portanto, torna-se experiência de graça, porque “o ser humano tem a possibilidade de fazer certa experiência do Absoluto que o transcende” (CNBB, 2014, p. 45)

4. “Quem comunica se faz próximo”

Um dos grandes desafios impostos pela pandemia foi o isolamento social. Especialmente aqui no Brasil, com uma cultura marcada por abraços e apertos de mão, por aglomerações tão naturais nos encontros familiares, nas festas, nas igrejas. O isolamento, à primeira vista, é o calcanhar de aquiles da proximidade. Será que, depois desse tempo de privação, olharemos para o conceito de proximidade da mesma forma? Nossas comunidades físicas, com a presença corpórea das pessoas, terão a mesma dinâmica pastoral? Nossa comunidade presencial terá a mesma intensidade que a overdose de eventos e celebrações realizados de forma digital?

Na mensagem para o 48º Dia Mundial das Comunicações Sociais, em 2014 – a primeira escrita por Francisco no seu pontificado, visto que a anterior fora elaborada pelo papa emérito Bento XVI –, já lançava luzes para encarar essa realidade: “como se manifesta a ‘proximidade’ no uso dos meios de comunicação e no novo ambiente criado pelas tecnologias digitais?” (PAPA FRANCISCO, 2014).

Sempre que releio tal mensagem, essa pergunta me provoca e me desloca. Primeiramente, pela perspectiva que Francisco lança, com base na parábola do samaritano, para uma comunicação eficaz ao nosso tempo: “Quem comunica se faz próximo”. Ainda gastaremos muitos caracteres e muitas lives para compreender a profundidade dessa simples frase. Em segundo lugar, pela inversão da lógica, proposta por Jesus e evocada por Francisco: “Não se trata de reconhecer o outro como um meu semelhante, mas da minha capacidade para me fazer semelhante ao outro”.

Chamo a atenção para o desafio da proximidade em tempos digitais, quando corremos o risco de nos tornarmos máquinas por trás de máquinas. Cabe compreender que a proximidade deve ter lugar mesmo quando a distância geográfica é evidente. Na Palavra de Deus, fonte da comunicação e do comunicador, constatamos que as comunidades cristãs conseguiam viver a proximidade. Não obstante a distância geográfica, elas não estavam isoladas. Darlei Zanon aponta alguns laços que contribuem para manter as comunidades ligadas: “evangelização, solidariedade, formação, trabalho, ajuda etc.” (ZANON, 2018, p. 83).

A fim de compreender melhor o hoje e o amanhã, precisamos ter a ousadia de olhar para o ontem, para as primeiras comunidades, e encontrar nelas o impulso e o ardor missionário para viver a proximidade. Além disso, cabe-nos perceber algo muito simples: elas não contavam com o aparato que possuímos atualmente, mas deixavam-se possuir pela Palavra.

5. Comunhão e participação para manter a esperança

Talvez alguns cheguem a este ponto da leitura cansados de ouvir/ler sobre esperança. Ela deve ter sido uma das palavras positivas mais ditas e escritas durante a pandemia. Crentes e não crentes usaram-na sem moderação. Ela foi, e continuará a ser, conforto para os desanimados. No livro de minha autoria indicado neste artigo, dedico um capítulo aos mantenedores da esperança. Talvez tenha sido uma forma de homenagear os homens e mulheres dispostos a viver de esperança. Basta olharmos para uma vela e encontraremos o sentido. Quem vive sem esperança vai cruzar os braços e deixar que ela se apague. Já o mantenedor é alguém que está encantado com a vida, que não vai medir esforços, que fará todo o possível (e o impossível também) na luta por mantê-la acesa. Vejo os agentes da pastoral da comunicação como mantenedores da esperança, pois, mesmo quando a chama parece se esvair, eles estão ali.

Sobre isso, é oportuno lembrar que a pastoral da comunicação não pode ser reduzida aos meios de comunicação. Novamente, à luz do Diretório de Comunicação, compreendemos que “ela é um elemento articulador da vida e das relações comunitárias. Ela favorece o cultivo do ser humano enquanto pessoa que comunica valores, vivenciados a partir da Palavra de Deus e da Eucaristia” (CNBB, 2014, p. 161).

O dístico “comunhão e participação”, eco da 3ª Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e Caribenho, realizada em Puebla no ano de 1979, apresenta as duas âncoras presentes no exercício de comunicar. Comunhão, por uma razão não somente etimológica, mas de natureza, e participação, não apenas por retórica, mas por necessidade.

Embora tenham se passado 40 anos da Conferência de Puebla, ainda seguimos buscando comunhão e participação – em outros meios, mas rumo ao mesmo fim. Neste tempo hiperconectado, é preciso tomar consciência dos riscos de fazer uma comunicação para privilegiados, apenas para os que têm acesso às tecnologias, e considerar que se esteja comunicando de maneira democrática. Ledo engano! O papa Francisco continuamente nos chama a atenção para a realidade das periferias, não apenas geográficas, mas também existenciais. Pode ser que haja muitas delas (quase invisíveis como o vírus) no território de sua comunidade eclesial. A comunicação é poderoso instrumento para gerar comunhão e garantir a participação de todos nos meios e processos.

6. Pistas para uma pastoral da proximidade e da esperança

Diante da reflexão apresentada, proponho algumas pistas para a vivência da pastoral da comunicação.

  • Buscar intimidade com a Palavra de Deus. Com base na consciência do discipulado e da missão, o comunicador cristão deverá ser um mistagogo, deixando-se renovar continuamente pelo Espírito em busca da verdadeira intimidade com Deus. Há que ter cuidado para não ser algo puramente intimista, fugindo da dimensão comunitária, ou algo superficial. A intimidade alimenta-se no encontro contínuo com a Palavra e com a Eucaristia.
  • Reencantar-se pela escuta e pelo outro. Atualmente, a dimensão mais perdida (e, ao mesmo tempo, mais essencial) da comunicação é a escuta. Buscamos constantemente aperfeiçoar a fala, em detrimento da escuta. Com isso, o outro vai sendo apequenado e reduzido a mais um. Na pastoral vivida no ambiente digital, também é preciso abrir-se à realidade da escuta. Mais do que oferecer respostas prontas aos algoritmos, é preciso oferecer ouvidos atentos, capazes de discernir os verdadeiros anseios das pessoas.
  • Ter consciência de ser uma pastoral transversal. À medida que os eixos da pastoral da comunicação (formação, articulação, produção e espiritualidade) são vividos de maneira harmônica, dão sustentação às demais ações da comunidade, paróquia ou diocese. Perceber a integração e interligação dos eixos ajuda a promover uma pastoral mais fortalecida e também colabora, de maneira mais efetiva, para a pastoral orgânica, mediante a característica da transversalidade. Essa característica deve ser muito bem assimilada pelos agentes, pois a pastoral da comunicação não encerra em si suas atividades; ela é a pastoral do serviço, existe para as demais atividades evangelizadoras.
  • Valorizar gestos de solidariedade e partilha. O agente da pastoral da comunicação, no ato de esperançar, deve ser um alimentador de gestos de solidariedade e partilha existentes em sua realidade eclesial. Para tanto, deve apoiar ações caritativas promovidas pelas pastorais sociais, conferindo ampla visibilidade ao exercício do Evangelho.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB). Diretório de Comunicação da Igreja no Brasil. Brasília: CNBB, 2014.

______. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil: 2019-2023. Brasília: CNBB, 2019.

MENDONÇA, José Tolentino. Elogio da sede. São Paulo: Paulinas, 2018.

MORIN, Edgar. É hora de mudarmos de via: lições do coronavírus. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2020.

PAPA FRANCISCO. Mensagem para o 48º Dia Mundial das Comunicações Sociais, 1 jun. 2014. Disponível em: <http://www.vatican.va/content/francesco/pt/messages/communications/documents/papa-francesco_20140124_messaggio-comunicazioni-sociali.html>. Acesso em: 17 jan. 2021.

ZANON, Darlei. Igreja e sociedade em rede: impactos para uma cibereclesiologia. São Paulo: Paulus, 2018.

Marcus Tullius*

é licenciado em Filosofia, bacharel em Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda, pós-graduando em Influência Digital: Conteúdo e Estratégia. Coordenador geral da Pascom Brasil, membro do Grupo de Reflexão em Comunicação da CNBB e coordenador de conteúdos da TV Pai Eterno. E-mail: [email protected]