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Publicado em janeiro-fevereiro de 2022 - ano 63 - número 343 - pág.: 05-11

Entendendo o “motu proprio” Antiquum Ministerium, pelo qual se institui o ministério de catequista

Por Pe. Elizeu da Conceição, css

Este artigo apresenta o novo motu proprio do papa Francisco, mediante o qual se institui o ministério de catequista. Enfatiza-se que o santo padre está em sintonia com o Concílio Vaticano II no reconhecimento da vocação batismal dos leigos.

Introdução

O presente texto traz algumas indicações para melhor compreendermos a Carta Apostólica sob a forma de “motu proprio” Antiquum Ministerium, do papa Francisco. Individuamos alguns elementos que destacam a ministerialidade da Igreja, vislumbrando uma comunicação da fé que seja crível e adequada ao nosso tempo. Esse modelo eclesial reconhece os inúmeros homens e mulheres leigos que servem na Igreja, por vocação, mediante o ministério de catequista.

A leitura do documento suscita algumas questões cruciais: Por que o papa Francisco instituiu o ministério de catequista? O “motu proprio” Antiquum Ministerium foi uma intuição instantânea ou fruto de um percurso dentro da Igreja católica? Qual é a mudança concreta na catequese das paróquias motivada por esse novo ministério? Tais questões nos ajudam a entrar nesse pequeno documento, de 11 números, que é denso de conteúdo e rico em significado.

1. O ministério do catequista é antigo na Igreja

Citando a afirmação que abre o motu proprio: “Ministério antigo é o de catequista na Igreja” (n. 1), dom Fisichella argumenta que o papa Francisco “institui para a Igreja no terceiro milênio um novo ministério, que desde sempre acompanhou o caminho da evangelização para a Igreja de todos os tempos, o de catequista” (FISICHELLA; TEBARTZ-VAN ELST, 2021, tradução nossa). Na sua intervenção, ele destaca que a iniciativa de criar esse ministério laical está em sintonia com o chamado do Concílio Vaticano II aos leigos para viverem efetivamente a dimensão apostólica da sua vocação batismal. Desse modo, percebemos que, com essa instituição, “o papa Francisco está promovendo ainda mais a formação e o compromisso dos leigos. É uma nota que merece consideração, porque acrescenta uma conotação ainda mais concreta ao grande impulso oferecido pelo Concílio Vaticano II” (ibid.). Dom Fisichella lembra ainda que os homens e mulheres são chamados a expressar sua vocação batismal da melhor maneira possível, não como substitutos de sacerdotes ou pessoas consagradas, mas como autênticos leigos e leigas que, na particularidade de seu ministério, tornam possível experimentar em sua plenitude o chamado batismal para testemunhar e servir efetivamente na comunidade e no mundo” (ibid.).

Diante de um mundo já em crise e da realidade imposta pela covid-19, certamente a sabedoria e a atuação dos leigos e leigas na tarefa de evangelizar será ainda mais imprescindível, dado que seu testemunho toca diretamente o coração do mundo contemporâneo.

No pontificado do papa Francisco, como é bem notável, tudo está dentro de uma linha ministerial. Por conseguinte, essa iniciativa deve ser vista em conexão com a instituição do acólito e do leitor, tornando possível a existência de leigos mais bem formados e preparados para a transmissão da fé. E isso está em sintonia com uma caminhada ainda mais ampla, aquela feita nos dois milênios de vida cristã. “Toda a história da evangelização destes dois milênios manifesta, com grande evidência, como foi eficaz a missão dos catequistas” (FRANCISCO, 2021, n. 3).

Nesse sentido de memória histórica, é indiscutível a novidade apresentada por Francisco. No entanto, ela cumpre um desejo do papa São Paulo VI, que, na Evangelii Nuntiandi, assim se exprimia:

os leigos podem também sentir-se chamados ou vir a ser chamados para colaborar com os próprios pastores no serviço da comunidade eclesial, para o crescimento e a vida da mesma, pelo exercício dos ministérios muito diversificados […]. Um relance sobre as origens da Igreja é muito elucidativo e fará com que se beneficie de uma antiga experiência nesta matéria dos ministérios, experiência que se apresenta válida, dado que ela permitiu à Igreja consolidar-se, crescer e expandir-se […]. Tais ministérios, novos na aparência, mas muito ligados a experiências vividas pela Igreja ao longo da sua existência, por exemplo, os de catequistas […], são preciosos para a implantação, para a vida e para o crescimento da Igreja e para a sua capacidade de irradiar a própria mensagem à sua volta e
para aqueles que estão distantes (EN 73).

A citação acima possibilita melhor compreensão do contexto eclesial no qual está inserida essa nova instituição. Foi preciso passar quase 50 anos para a Igreja reconhecer que o serviço desempenhado por tantos homens e mulheres, com seu empenho catequético, constitui realmente um ministério peculiar para o crescimento da comunidade cristã. Em vista disso, dom Fisichella afirma que “somente na unidade entre uma atenção profunda às nossas raízes e um olhar realista para o presente é que será possível compreender essa exigência da Igreja de chegar à instituição de um novo ministério eclesial” (FISICHELLA; TEBARTZ-VAN ELST, 2021, tradução nossa).

2. A data da publicação

É importante ressaltar a data da publicação do documento, já que é significativo que o papa Francisco tenha tornado público esse motu proprio na memória litúrgica de São João de Ávila, presbítero e doutor da Igreja, celebrado no dia 10 de maio. “Esse doutor da Igreja foi capaz de oferecer aos crentes de seu tempo a beleza da Palavra de Deus e o ensinamento vivo da Igreja em uma linguagem não só acessível a todos, mas também revestida de uma intensa espiritualidade” (FISICHELLA; TEBARTZ-VAN ELST, 2021, tradução nossa). Cumpre lembrar também que esse santo era um magnífico teólogo e, portanto, um grande catequista. Em 1554 ele escreveu o catecismo “A doutrina cristã”, dividida em quatro partes, com uma linguagem tão simples e acessível a todos que poderia ser cantada como uma cantilena, e aprendida de memória como uma rima infantil útil para todas as circunstâncias da vida (ibid.).

Como tudo em Francisco não acontece ao acaso, mas está sempre ligado a um fio que permeia toda a sua visão eclesial, a escolha dessa data não é acidental. Os exemplos e o estilo de São João de Ávila comprometem os catequistas a se inspirarem em seu testemunho, principalmente no apostolado catequético fecundo mediante a oração, o estudo da teologia e a comunicação simples da fé.

3. O significado da instituição de um novo ministério

A catequese sempre acompanhou a evangelização na Igreja e se tornou ainda mais relevante nos momentos de preparação para que os catecúmenos recebessem o batismo. Desde as primeiras comunidades cristãs, a figura do catequista foi considerada fundamental. Sendo assim, para a Igreja, instituir um ministério é associar-se fortemente às primeiras comunidades e, ao mesmo tempo, reconhecer que a pessoa investida desse carisma realiza autêntico serviço eclesial.

O papa Francisco reconhece e promove, com esse motu proprio, a dedicação dos leigos à formação e à evangelização. Vale registrar que o apostolado laical, sempre de fundamental importância, vem ganhando maior reconhecimento desde o Concílio Vaticano II, mas principalmente com o magistério do atual sumo pontífice. Os homens e mulheres catequistas são chamados a expressar o melhor da sua vocação batismal, sem correrem o risco de cair em uma clericalização. No motu proprio, papa Francisco afirma que não se pode negar que cresceu a consciência da identidade e da missão dos leigos na Igreja. Embora não suficiente, pode-se contar com um numeroso laicato, dotado de um arraigado sentido de comunidade e uma grande fidelidade ao compromisso da caridade, da catequese, da celebração da fé. Por conseguinte, receber um ministério laical como o de catequista imprime uma acentuação maior ao empenho missionário típico de cada um dos batizados que, no entanto, deve ser desempenhado de forma plenamente secular, sem cair em qualquer tentativa de clericalização (FRANCISCO, 2021, n. 7).

Nesse ponto percebemos que o santo padre se opõe “a uma clericalização dos leigos e a uma laicização do clero” (FISICHELLA; TEBARTZ-VAN ELST, 2021), já que se trata de um ministério tipicamente laical, que requer uma correspondência com todos os dons oferecidos à Igreja. Assim, ganha maior força a expressão segundo a qual os leigos exercem a função de ser sal da terra e luz do mundo onde vivem. Isso está em sintonia com o Diretório Geral para a Catequese, que afirma que a Igreja, sendo mãe de todos, vê com profunda dor as inumeráveis pessoas que sofrem sob o peso da miséria e, por meio da catequese, “deseja suscitar no coração dos cristãos o empenho pela justiça e a opção ou amor preferencial pelos pobres, de modo que a sua presença seja realmente luz que ilumina e sal que transforma” (DGC 17).

A importância dessa instituição ministerial, portanto, reside na vocação de catequista, à luz da qual homens e mulheres vivem não apenas uma etapa da vida dedicada à formação, mas toda uma vida doada. Com base nesse documento, podemos afirmar, com maior veemência, que os catequistas não podem ser improvisados, pois “o compromisso de transmitir a fé, além do conhecimento de seu conteúdo, exige um encontro pessoal prévio com o Senhor. Aqueles que exercem o ministério de catequista sabem que falam em nome da Igreja e transmitem a fé da Igreja” (FISICHELLA; TEBARTZ-VAN ELST, 2021, tradução nossa).

É necessário ressaltar, ainda, a estabilidade desse ministério, ensinada pelo motu proprio, a qual requer uma correspondência com a vocação da pessoa. O catequista por vocação se descobre em constante crescimento de fé, precisando alimentar-se na fonte inesgotável do mistério, para assim comunicar a fé aos demais membros da comunidade e da sociedade em geral. Portanto, a vocação é, por sua natureza, para toda a vida, e o próprio conceito de catequista se expande para além do simples período de cuidar de uma turma que se prepara para os sacramentos, entrando no testemunho de amor permanente dentro da família, da comunidade e da sociedade. Isso não significa que, por toda a vida, se possa exercitar o ministério, mas o fato é que uma pessoa não deixará de ser catequista por causa dos limites físicos, impostos pela idade ou pela saúde, que a impeçam de transmitir a fé a um grupo específico, de modo formal.

4. Implicações práticas

Certamente, alguns se perguntarão: “O que irá mudar a partir dessa instituição ministerial?” Para responder, é necessário entender a palavra do papa no próprio documento:

Este ministério possui uma forte valência vocacional, que requer o devido discernimento por parte do bispo e se evidencia com o rito de instituição. De fato, é um serviço estável, prestado à Igreja local de acordo com as exigências pastorais identificadas pelo ordinário do lugar, mas desempenhado de maneira laical, como exige a própria natureza do ministério. Convém que, ao ministério instituído de catequista, sejam chamados homens e mulheres de fé profunda e maturidade humana, que tenham uma participação ativa na vida da comunidade cristã, sejam capazes de acolhimento, generosidade e vida de comunhão fraterna, recebam a devida formação bíblica, teológica, pastoral e pedagógica, para serem solícitos comunicadores da verdade da fé, e tenham já maturado uma prévia experiência de catequese (FRANCISCO, 2021, n. 8).

Diante disso, em vista de sólida formação, “o Catecismo da Igreja Católica poderá ser o instrumento mais qualificado do qual cada catequista se tornará verdadeiro especialista” (FISICHELLA; TEBARTZ-VAN ELST, 2021). Também as conferências episcopais farão indicações concretas, mostrando as formas mais coerentes com suas realidades para designar os catequistas que receberão tal ministério. Como é próprio de cada tradição local, as conferências episcopais deverão individuar alguns requisitos, como idade, estudos necessários, condições e modalidades de atuação de cada catequista, enquanto a Congregação para o Culto Divino terá a responsabilidade de publicar o rito litúrgico para instituição do ministério.

Logo, não se podem confundir as funções, como enfatiza dom Tebartz-van Elst:

Papa Francisco evidencia que o catequista não deve assumir funções litúrgicas ou pastorais ou de responsabilidades de outros ministérios, mas o seu ministério se revela a partir do seu testemunho como um mestre e mistagogo, acompanhante e pedagogo que instrui em nome da Igreja (ibid.).

A novidade é que, de acordo com esse motu proprio, o serviço do catequista não se reduz à catequese paroquial, mas envolve ser um evangelizador, alguém que transmite a fé da Igreja, onde quer que seja chamado a fazê-lo. Uma pessoa não deixa de ser catequista nos lugares de trabalho e fora do ambiente eclesial, mas é justamente lá que dará seu testemunho cristão. Sem tirar nada ao ministério do bispo e do clero, há pessoas leigas que sentem essa vocação ou são chamadas a prestar um serviço à comunidade cristã por toda a vida.

A instituição dessas pessoas, por meio do rito a ser realizado pelo bispo, põe o catequista a serviço do ordinário local ou da diocese. Se o bispo precisar do catequista em outra paróquia, diferente daquela de origem, não só para ensinar um grupo, mas  também para a organização da catequese de modo amplo, encontrará pessoas dispostas a realizar tal função.

Dom Fisichella afirma que “não existe um crachá ou diploma para o catequista, mas existe um progresso do exercício catequético que, juntamente com a comunidade, acontecerá na vida prática de cada homem e mulher” (ibid.). Assim, nem todas as pessoas que se dedicam, nas paróquias, a formar as crianças na catequese receberão a instituição do ministério de catequista. Muitas estão servindo a Igreja dessa maneira por um período determinado de tempo, não como vocação específica da sua vida. Essas pessoas podem e devem continuar a exercer sua função catequética, mas sem receber o ministério.

Considerações finais

Concluímos a apresentação do novo motu proprio, ressaltando um ponto importante que já foi objeto de questionamento por parte de algumas pessoas, sob o argumento de que a instituição do ministério de catequista seria uma forma de desviar a atenção das discussões sobre os viri probati e a ordenação feminina. Fica o alerta de que não se devem misturar as discussões de pontos importantes na vida da Igreja. Com esse motu proprio, intui-se a valorização do catequista como figura de singular importância na vida da Igreja. Cada carisma e cada ministério eclesial têm sua peculiaridade, por isso precisam ser pensados de modo separado, mas com a consciência da valorização do todo.

Os catequistas não vão suprir a falta de sacerdotes ou de religiosos e religiosas na Igreja; também não suprirão a falta de ministros extraordinários da Eucaristia, pois cada ministério tem sua função, beleza e vocação.

Atento ao grande contexto histórico eclesial, o santo padre não instituiu esse ministério de modo rápido, como se fosse uma inspiração instantânea, mas seguiu os passos de maturação e reflexão da Igreja. Há mais de cinco anos, algumas comissões estudam a melhor forma de valorizar ainda mais a catequese no seu papel evangelizador. Segundo dom Fisichella, algumas conferências episcopais foram consultadas e alguns momentos de estudos entre especialistas foram realizados, de modo que o resultado do motu proprio é fruto de longo percurso.

No momento, cabe a cada paróquia estudar esse documento com os/as catequistas e aguardar as orientações práticas da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.

Referências bibliográficas

FRANCISCO, Papa. Antiquum Ministerium: Carta Apostólica em forma de “motu proprio” pela qual se institui o ministério de catequista. São Paulo: Paulus; Brasília, DF: CNBB, 2021. (Documentos Pontifícios, n. 48.)

PAULO VI, Papa. Evangelii Nuntiandi: Exortação Apostólica sobre a evangelização no mundo contemporâneo. São Paulo: Paulus, 1975.

PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A PROMOÇÃO DA NOVA EVANGELIZAÇÃO. Diretório para a Catequese. São Paulo: Paulus, 2020.

Pe. Elizeu da Conceição, css

é doutor em Teologia Pastoral pela UPS-Roma (2020). Mestre em Teologia pela UPS-Roma, com especialização em Pastoral Juvenil (2017). Bacharel em Teologia pelo Itesp (2008). Bacharel em Filosofia pela PUC-Campinas (2003). Sacerdote e religioso estigmatino. Foi assessor provincial da Pastoral Juvenil (2007-2014) e conselheiro provincial, responsável pelo Setor Pastoral (2011-2014). Membro da Secretaria Geral no Sínodo para a Amazônia (2019). É responsável pela missão São Gaspar Bertoni, no Parque São Rafael, em São Paulo. E-mail: [email protected]