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Publicado em janeiro – fevereiro de 2019 - ano 60 - número 325

História da Catequese: Puebla, México, 1979

Por Irmão Nery, fsc

Introdução

Celebramos, em 2019, os 40 anos da 3ª Conferência Episcopal Latino-Americana e do Caribe, que ocorreu em Puebla, no México, marcando os dez anos de Medellín. Tal evento eclesial em Puebla, programado para 1978, teve de ser adiado para 1979, entre os dias 27 de janeiro e 13 de fevereiro, em razão do falecimento dos papas Paulo VI e João Paulo I e da eleição do pontífice Karol Wojtyla, que escolheu o nome de João Paulo II. Participaram de Puebla 356 bispos.

  1. Alguns antecedentes de Puebla

1.1. Roma, 1971

Em abril foi publicado, em obediência ao Concílio Vaticano II (1962-1965), o Diretório Catequético Geral (DCG). Para impulsionar o conhecimento e a aplicação desse DCG, realizou-se em Roma, em setembro do mesmo ano, um Congresso Internacional de Catequese, promovido pela Sé Apostólica. Nesse evento, alguns catequetas latino-americanos apresentaram as novidades de Medellín. Ressaltaram algumas características da catequese, afirmando, sobretudo, que ela precisava: a) ser situacional; b) ser conscientizadora; c) ser evangelizadora; d) ser libertadora e promotora do ser humano; e) ter incidência política; f) levar à unidade entre teoria e práxis. Ou seja, falava-se de uma catequese que tentava realizar a síntese entre Sacramento e Antropologia, entre Libertação, Bíblia, Tradição, Teologia, Eclesiologia de Comunhão e Doutrina.

Durante o referido congresso, o papa Paulo VI, na Audiência Geral do dia 22 de setembro, chamou a atenção ao dizer que a catequese é obra de toda a Igreja, e não apenas dos catequistas; não pode se limitar às crianças, na idade da iniciação cristã, mas deve progredir com a vida, até a idade madura (cf. Christus Dominus, n. 14), até a velhice. Elogiou e estimulou as mães e os pais, que se tornam os amorosos mestres dos seus próprios filhos ao colocar-lhes nos lábios as primeiras orações e nas mentes as primeiras noções do Deus que está conosco.

O pontífice também dirigiu uma palavra de gratidão aos religiosos, religiosas, leigos e leigas: “dedicados ao ensino do catecismo, exercitais, vós mesmos, as mais preciosas virtudes cristãs e dais à Igreja um inestimável contributo de fidelidade e vitalidade”.

No final de sua alocução, falou aos catequistas:

Por fim, dirigimos uma palavra de louvor, estímulo e reconhecimento, em nome de toda a Igreja Católica, aos catequistas paroquiais, especialmente a vós, catequistas missionários, homens e mulheres, que sois os verdadeiros e os primeiros semeadores da Palavra do Senhor. A vós, as comunidades eclesiais devem a sua nascente fecundidade. A vós é confiado um precioso e, muitas vezes, imprescindível ministério de suplência e promoção, em favor das vossas comunidades.

O papa ainda relembrou as palavras de santo Agostinho a respeito da necessária unção interior que qualifica a missão de catequizar: “O que narras, deves narrá-lo de tal modo que a pessoa com quem falas, ao ouvir o que dizes, creia, e crendo, espere, e esperando, ame”.

1.2. Roma, 1972

No ano seguinte, em 6/1/1972, Paulo VI promulgou, também em obediência ao Concílio Vaticano II, o Ritual da iniciação cristã de adultos (RICA), todo ele baseado no itinerário catecumenal de iniciação cristã, dos séculos III ao V.

1.3. Sínodos

Também se realizaram vários sínodos romanos, entre Medellín (1968) e Puebla (1979), que foram importantes para a renovação da catequese. Citamos os principais: a) sobre Justiça (1971); b) sobre Evangelização (1974), do qual surgiu, em 1975, a Evangelii Nuntiandi, de Paulo VI; c) sobre Catequese (1977), do qual brotou, em 1979, a Catechesi Tradendae, de João Paulo II.

1.4. O contexto

A realidade do Continente da Esperança, nos dez anos pós-Medellín, foi, entretanto, de recrudescimento dos regimes militares de ditadura, com a crueldade das perseguições políticas e ideológicas, torturas, assassinatos, um clima de medo e terror, de silêncio e suspeitas. Muitos intelectuais, cientistas, artistas, políticos, religiosos/as e líderes populares tiveram de fugir ou foram expulsos de seus países.

Nesse contexto social, econômico, político, cultural e religioso é que foi realizada a 3ª Conferência do Episcopado da América Latina e do Caribe, na cidade de Puebla. E o papa João Paulo II, logo depois de sua eleição, declarou o seu propósito de estar no evento.

Uma olhada atenta para o momento histórico da Igreja, de 1968 a 1979, permite-nos detectar três influências principais para a convocação, o desenvolvimento e as conclusões de Puebla: a) o Sínodo sobre Evangelização (1974), com a posterior publicação da Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi, do papa Paulo VI (1975); b) a batalha contra a Teologia da Libertação perpetrada por uma ala da Igreja latino-americana, a qual também era contra as consequências teológicas e pastorais do Concílio Vaticano II (1962-1965) e de Medellín (1968) no continente, tendo como um dos seus líderes e mentores o próprio secretário-executivo do Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam), dom Alfonso López Trujillo, em total oposição ao presidente do mesmo conselho, o brasileiro dom Aloísio Lorscheider; c) a realidade política, social, econômica e ditatorial do continente, com o aumento da pobreza e do medo em face das arbitrariedades dos regimes militares.

  1. A realização de Puebla

O ponto de partida da 3ª Conferência, a pedido de Paulo VI, foram as conclusões de Medellín e seu pano de fundo, bem como a Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi, de 1975, fruto do Sínodo de 1974 sobre “a evangelização no mundo contemporâneo”.  A preocupação básica de Puebla foi, portanto, a evangelização, missão fundamental da Igreja, no presente e no futuro da América Latina. No entanto, influenciado por dom Alfonso López Trujillo, o papa João Paulo II foi ao evento com forte reticência à Teologia da Libertação e ao esforço do episcopado continental de firmar-se em Medellín e consolidar uma Igreja católica e apostólica com rosto latino-americano. Teve grande repercussão internacional a atitude de dom Trujillo de proibir a participação de teólogos, particularmente da Teologia da Libertação, em Puebla, mesmo como assessores dos seus bispos. Apesar dessa truculência, eles se organizaram sob a coordenação da Ameríndia e conseguiram colaborar muito com a conferência.

  1. O documento final de Puebla

Com o título A evangelização no presente e no futuro da América Latina, o Documento de Puebla (DP) foi aprovado e publicado. Todas as suas cinco partes são fundamentais para a renovação da catequese: 1) Visão pastoral da realidade latino-americana; 2) Desígnio de Deus sobre a realidade da América Latina; 3) A evangelização na Igreja da América Latina: comunhão e participação; 4) Igreja missionária a serviço da evangelização na América Latina; 5) Sob o dinamismo do Espírito: opções pastorais.

Em fidelidade ao Concílio Vaticano II, a João XXIII, a Medellín, a Paulo VI e em atenção à realidade sofrida do continente, o referido documento, apesar das poderosas barreiras, conseguiu explicitar a opção da Igreja pelos esquecidos e descartados da humanidade, com seus variados e gritantes rostos de dor, e convocar toda a Igreja e as pessoas de boa vontade para a reintegração social dessa imensa multidão de sofredores, recuperando e promovendo seus direitos e valores. Puebla evidencia um dado evangélico essencial na vida de todos os cristãos: não é possível, para um seguidor de Jesus Cristo, prescindir da justiça social e da libertação integral do ser humano. Tal convicção está claramente embasada no Documento de Puebla, nos capítulos referentes à verdade sobre Cristo, à verdade sobre o ser humano e à verdade sobre a Igreja.

  1. Uma leitura catequética de Puebla

Retomemos as grandes partes desse documento para destacar tanto as referências diretas à catequese como o que, ali, se mostra de grande importância para a sua renovação.

4.1. Primeira parte – Visão pastoral da realidade latino-americana

Capítulo I: Visão histórica da realidade latino-americana. Uma abordagem histórica da realidade do nosso continente revela, entre outras coisas, o seguinte:

Nosso radical substrato católico, com suas formas vitais de religiosidade vigente, foi estabelecido e dinamizado por uma imensa legião missionária de bispos, religiosos e leigos […]. Ensinam-nos todos que […] o evangelho, em sua plenitude de graça e de amor, foi e pode ser vivido na AL como sinal da grandeza espiritual e da verdade de Deus. Intrépidos lutadores em prol da justiça e evangelizadores da paz […] demonstram, com a evidência dos fatos, como a Igreja faz a promoção da dignidade e da liberdade do homem latino-americano (DP 7-9).

No n. 9, o DP se refere explicitamente ao importante trabalho realizado pelos missionários, com sua busca ingente de entrar na própria cultura dos povos autóctones mediante a elaboração de catecismos nas diversas línguas indígenas. Isso sem contar o recurso ao vasto uso de outras ricas e variadas mediações pedagógicas, tais como as artes, desde a música, o canto e a dança até a arquitetura, a pintura e o teatro.

Puebla afirma também que, nessa tarefa de evangelização, catequese e vida de oração, a mulher teve um papel essencial. Ademais, explicita o apreço da Igreja às muitas confrarias e irmandades de leigos e leigas que chegaram a ser a alma e a espinha dorsal da vida religiosa dos crentes e a fonte remota, mas fecunda, dos atuais movimentos comunitários da Igreja latino-americana.

Capítulo II: Visão sociocultural da realidade latino-americana. Nessa consciência da realidade histórica da missão da Igreja em nosso continente, enfrentando e superando grandes dificuldades políticas, sociais, econômicas, culturais e religiosas, Puebla retoma o impulso renovador do Concílio Vaticano II (1962-1965) e da 2ª Conferência Episcopal Latino-Americana, em Medellín, na Colômbia, em 1968. Com esse propósito, apresenta novos passos a serem dados no presente e no futuro da evangelização em nosso continente, na fidelidade ao que até então havia sido realizado na missão de ajudar o ser humano “a passar de situações menos humanas a mais humanas”, como ensina o papa Paulo VI em sua Encíclica Populorum Progressio, n. 20, sempre a exemplo de Jesus, que passou por este mundo fazendo o bem (cf. DP 15-16).

É muito rica a descrição dos dados positivos em nosso continente, que encheram de alegria os participantes da 3ª Conferência Episcopal Latino-Americana (cf. DP 17-26), assim como a dos dados negativos, que geraram angústia e provocaram o zelo pastoral da Igreja, sobretudo em relação ao desrespeito aos direitos humanos, ao esquecimento dos pobres, aos desmandos políticos e econômicos (cf. DP 27-61). Puebla aponta as causas e raízes reais da situação de injustiça na América Latina (cf. DP 62-70) e sintetiza o panorama inquietante da realidade com esta denúncia: “As angústias e frustrações, se as considerarmos à luz da fé, têm por causa o pecado, cujas dimensões pessoais e sociais são muito amplas”, mas, também, com esta feliz constatação: “As esperanças e expectativas do nosso povo nascem do seu profundo sentido religioso e de sua riqueza humana” (DP 73).

Capítulo III: Visão da realidade eclesial, hoje, na América Latina. A Igreja, em Puebla, propôs-se diversas reflexões, autoavaliou-se corajosamente e lançou-se este questionamento: o que temos feito diante da realidade em constante mutação, nos últimos dez anos (cf. DP 74), tendo presente a missão fundamental que é evangelizar, aqui e agora, mas com os olhos voltados para o futuro? (cf. DP 75).

No número 78, depois de um relato sobre as profundas mudanças que impactam a população pelas facilidades de informação, comunicação e transportes e também pelo aumento demográfico, a Igreja se viu muito limitada diante de tantos e novos desafios. A situação foi agravada pela crise vocacional, as desistências entre presbíteros, religiosos, religiosas e lideranças leigas. Nesse contexto, a quantidade de ministros da Palavra, de presbíteros e de estruturas eclesiásticas é insuficiente, e ainda não se conseguiu uma catequese que atinja a vida integralmente.

Puebla constatou o crescimento do indiferentismo religioso, da agressividade ao ensinamento da Igreja e de um cristianismo individualista e até mesmo ideológico. Predominavam, na época, a crescente rejeição aos princípios morais católicos, o ritualismo e práticas católicas tidas como principais sinais de pertença à Igreja (DP 82), porém vividas mais como atos sociais do que de fé (sacramentos e exéquias). A Igreja constatou também que, se, por um lado, as grandes mudanças facilitavam o senso crítico do povo, por outro, ainda havia grande ignorância religiosa entre os católicos, em todos os níveis, não obstante o progresso muito positivo impulsionado pela catequese, especialmente com os adultos (cf. DP 81).

Depois do Concílio e de Medellín, mesmo em meio a tão grande crise, Puebla certifica que “a Igreja tem conquistado paulatinamente a consciência cada vez mais clara e profunda de que a evangelização é sua missão fundamental” (DP 85). Além disso, reconhecendo a importância do método Ver, Julgar (Iluminar) e Agir, afirma não ser possível a evangelização “sem que se faça o esforço permanente para reconhecer a realidade e adaptar a mensagem cristã ao homem de hoje, dinâmica, atraente e convincentemente” (DP 85), “[…] para o aprofundamento da mensagem e para o conhecimento do homem, em suas situações concretas e em suas aspirações” (DP 86), porque o clamor do povo sofredor, percebido como surdo em Medellín, “agora é claro, crescente, impetuoso e,  em alguns casos, ameaçador” (DP 87-89).

Os bispos, em Puebla, valorizaram as comunidades eclesiais de base (CEBs) e outros grupos eclesiais que têm trazido importante sopro renovador para a Igreja na América Latina, com destaque ao que se refere à catequese:

A vitalidade das CEBs começa a dar seus frutos; é uma das fontes de onde brotam os ministérios confiados aos leigos: animação de comunidades, catequese, missão. […] Com estes grupos a Igreja se apresenta em pleno processo de renovação da vida da paróquia e da diocese, mediante uma catequese que é nova não apenas na sua metodologia e no uso dos meios modernos, mas também na apresentação do conteúdo, que é vigorosamente orientado no sentido de introduzir na vida motivações evangélicas em busca do crescimento em Cristo (DP 97; 100).

Eles enfatizaram também a renovação da liturgia, com participação pessoal e ativa, como recomenda o Concílio Vaticano II, enriquecida por cursos catequéticos pré-sacramentais e pela proclamação da Palavra, iluminando e aprofundando a vida cristã (cf. DP 101). Ademais, reconheceram o valor da religiosidade popular, apesar de suas ambiguidades, afirmando: “As grandes devoções e celebrações populares têm sido um distintivo do catolicismo latino-americano; elas conservam valores evangélicos e são sinal de pertença à Igreja” (DP 109).

Ao desenvolver a temática das estruturas de evangelização, Puebla, no que se refere às paróquias (cf. DP 110-111), nota a excessiva centralização no serviço litúrgico e sacramental, em detrimento de formação de pequenas comunidades territoriais ou ambientais, que propiciam uma evangelização mais personalizada e comunitária. Em relação à escola (cf. DP 112), os bispos a consideram um lugar de evangelização e comunhão e identificam a necessidade de mais cristãos comprometidos para nela atuarem. Nos demais temas tratados – bispos, presbíteros, diáconos, vida consagrada, leigos (cf. DP 113-125) –, o destaque é dado aos religiosos e religiosas e aos leigos, aqueles que mais puseram em prática o chamado à renovação feito pelo Concílio e por Medellín.

Capítulo IV: Tendências atuais e evangelização no futuro. Depois de rica descrição crítica da realidade latino-americana, Puebla faz dois alertas contundentes: a) “o contraste notório e provocante entre os que nada possuem e os que ostentam sua opulência é um obstáculo insuperável a que se estabeleça o reinado da paz” (DP 138); b) se não mudarem as tendências atuais, continuará a exploração irracional dos recursos e a contaminação da natureza, “com o aumento de graves prejuízos para o homem e para o equilíbrio ecológico” (DP 139).

Para colaborar com a libertação e a promoção do povo, a Igreja, em fidelidade a Medellín, quer fazer que “o anúncio do evangelho consiga desencadear entre nós toda a sua força de fermento transformador” (DP 142) e “quer pôr a serviço dos nossos povos os recursos de uma ação pastoral adaptada às circunstâncias presentes” (DP 143).

A Igreja em Puebla, diante dos grandes desafios e oportunidades do continente, declara que necessita de nova evangelização e, consequentemente, de unidade, organicidade e coesa canalização de todas as suas energias. Para que isso aconteça: a) investirá corajosamente na pastoral urbana e rural, na animação vocacional e na formação dos fiéis em vista de um laicato amadurecido e evangelizador (cf. DP 151-155); b) na evangelização, “dará prioridade à proclamação da Boa-Nova, à catequese bíblica e à celebração litúrgica, como resposta à crescente ânsia do povo pela palavra de Deus” (DP 150); c) “reconhecerá a validade da experiência das CEBs e estimulará seu desenvolvimento em comunhão com os pastores” (DP 156); d) empenhar-se-á decididamente “em educar a fé cristã do povo simples, naturalmente religioso, e o preparará, de forma adequada, para receber os sacramentos” (DP 157); e) “dará maior importância aos meios de comunicação social e os empregará para a evangelização” (DP 158).

4.2. Segunda parte – O desígnio de Deus sobre a realidade da América Latina

Após reafirmar, à luz da Gaudium et Spes, n. 1, que “a Igreja na América Latina sente-se íntima e realmente solidária com todo o povo do continente” (DP 162), Puebla dedica o Capítulo I da Segunda Parte ao conteúdo da evangelização. Explicita, em densos parágrafos, o tríptico enunciado pelo papa João Paulo II em seu Discurso de Abertura da 3ª Conferência: a) a verdade a respeito de Cristo, o salvador que anunciamos (tema 1: DP 178-219); b) a verdade a respeito da Igreja, o povo de Deus, sinal e serviço de comunhão (tema 2: DP 220-305); c) a verdade a respeito do homem, a dignidade humana (tema 3: DP 304-339). Obviamente é impossível haver autêntica catequese sem essas três verdades, intrinsecamente unidas. No Brasil, o Documento 26 da CNBB, Catequese renovada, orientações e conteúdo, assumiu esse tríptico na sua Terceira Parte, “Temas fundamentais para uma Catequese Renovada”, enriquecendo-o com outros documentos da Igreja, mas relembrando que o temário fundamental da catequese é a Bíblia (cf. CR 162).

Destacamos da Segunda Parte do DP, no que tange ao ministério da evangelização (cf. DP 348ss) e, nele, o da catequese, os números 356-360. Mediante o processo evangelizador universal (cf. DP 361), em cumprimento do mandato missionário recebido de Jesus em Mt 28,19: “Ide, pois, fazei discípulos meus todos os povos” (cf. DP 362), a Igreja: a) “dá testemunho de Deus, revelado em Jesus Cristo pelo Espírito que, dentro de nós, clama Abba, ‘Pai’ (cf. Gl 6,7) e, assim, comunica a experiência de sua fé nele” (DP 356); b) “anuncia a Boa-Nova de Jesus Cristo, mediante a palavra da vida: este anúncio suscita a fé, a pregação, a catequese progressiva que a alimenta e educa” (DP 357); c) “gera a fé, que é conversão do coração e da vida, entrega da pessoa a Jesus Cristo; dá a participação na sua morte, para que a vida de Cristo se manifeste em cada homem e mulher. Esta fé, que também denuncia o que se opõe à construção do Reino, implica rupturas que são necessárias e às vezes dolorosas” (DP 358); d) “leva ao ingresso na comunidade dos fiéis, que perseveram na oração, na convivência fraterna e celebram a fé e os seus sacramentos, cujo ápice é a Eucaristia” (DP 359); e) “envia como missionários os que receberam o evangelho, com ânsia de que todos os homens sejam oferecidos a Deus e de que todos os povos o louvem (cf. Rm 15,16)” (DP 360).

 Para que tudo isso possa tornar-se realidade, Puebla insiste na necessidade de formar continuamente comunidades eclesiais mais vivas (cf. DP 364), animadas por “cristãos mais fiéis e amadurecidos em sua fé”, alimentados por “uma catequese adequada e uma liturgia renovada” (DP 364).

A complexa realidade da população da América Latina, porém, exige da Igreja a tarefa de “atender às situações que mais precisam de evangelização” (DP 364): a) situações permanentes, como os indígenas e os afro-americanos (cf. DP 365); b) situações novas, que nascem das mudanças socioculturais e exigem outra evangelização, como os emigrantes, grandes aglomerados urbanos, massas populacionais em precária situação de fé, grupos expostos à influência de seitas e ideologias (cf. DP 366); c) situações particularmente difíceis, como os grupos cuja evangelização é urgente, mas muitas vezes adiada: universitários, militares, operários, jovens, mundo da comunicação social etc. (cf. DP 367).

Exatamente pela clara consciência dos grandes desafios e do acúmulo de responsabilidades da Igreja no processo de evangelização do continente, Puebla alerta sobre a necessidade da missionariedade ad gentes dessa mesma Igreja, em direção a outras latitudes do mundo, algo que já se realizava, mas era preciso aprofundar mais e ampliar (cf. DP 368):

É certo que nós próprios precisamos de missionários, mas devemos dar da nossa pobreza. […] nossas Igrejas podem oferecer algo de original e importante; o seu sentido de salvação e libertação, a riqueza da sua religiosidade popular, a experiência das comunidades eclesiais de base, a floração de seus ministérios, sua esperança e a alegria da sua fé (DP 368).

Os números 370 a 384 de Puebla, que explicitam os critérios e sinais de evangelização, são imprescindíveis para a compreensão e a prática da evangelização, da catequese, da liturgia e de todas as demais iniciativas evangelizadoras, pastorais e missionárias da Igreja. São de grandíssima importância os parágrafos que se referem à evangelização da cultura em nosso continente (cf. DP 385-443), assim como à evangelização e religiosidade popular (cf. DP 444-469).

Merece especial atenção o que diz Puebla sobre evangelização, libertação e promoção humana (cf. DP 470-506) e evangelização, ideologia e política (cf. DP 507-562), temas estes que, como vimos, estavam causando sérios conflitos teológicos e pastorais, principalmente em virtude das desconfianças e acusações relativas à possível influência marxista na reflexão e prática da Igreja na América Latina. Como era de esperar, o documento da 3ª Conferência alerta para os riscos de instrumentalização ideológica e política da Igreja e da atuação de seus ministros (cf. DP 558-561).

A orientação da Igreja é, segundo Puebla, “ler o político a partir do evangelho e não o contrário” (DP 559), não restabelecer a cristandade medieval, marcada pela aliança estreita entre o poder civil e o poder eclesiástico (cf. DP 560), e jamais cair na “aliança estratégica com o marxismo” (DP 561). Toda a Igreja, afirma Puebla, unida a Cristo “na oração e na abnegação, se comprometerá, sem ódios nem violências, até as últimas consequências, na conquista de uma sociedade mais justa, livre e pacífica, anseio dos povos da América Latina e fruto indispensável de uma evangelização libertadora” (DP 562).

4.3. Terceira parte – A evangelização da Igreja na América Latina: comunhão e participação

Em termos de evangelização e catequese, sem dúvida, o principal da contribuição de Puebla está na Terceira Parte de seu documento final. Logo de início é feito o questionamento: como deve a Igreja viver a sua missão evangelizadora? A resposta é direta, densa, objetiva, concreta:

A ação do Espírito se faz sentir na oração e ao escutar a palavra de Deus; aprofunda-se na catequese, celebra-se na liturgia, testemunha-se na vida, comunica-se na educação e compartilha-se no diálogo, que busca oferecer a todos os irmãos a vida nova que, sem merecimento da nossa parte, recebemos na Igreja como operários da primeira hora (DP 566).

Para que a Igreja cumpra cabalmente sua missão na América Latina, os bispos, em Puebla, fizeram a opção pela eclesiologia de comunhão e participação (cf. DP 567), ricamente apresentada em quatro capítulos:

  1. a) centros de comunhão e participação (cf. DP 568-657): a família, na qual a catequese (cf. DP 586), robustece a fé e todos se enriquecem pelo testemunho das virtudes cristãs. Nela, os pais são mestres, catequistas e os primeiros ministros da oração e do culto a Deus; as comunidades eclesiais de base, a paróquia e a Igreja particular (as quais, segundo DP 631, se renovam por meio de constante atualização da catequese);
  2. b) agentes de comunhão e participação (cf. DP 658-891): ministério hierárquico (sendo o bispo o primeiro catequista da diocese, cf. DP 687); vida consagrada; leigos (que, segundo DP 788, dão seu apoio à catequese e contribuem na construção da Igreja como comunidade de fé, de oração e de caridade fraterna); pastoral vocacional (DP 866 reconhece que a família é um dos lugares privilegiados da pastoral vocacional);
  3. c) meios para a comunhão e participação (cf. DP 892-1095): liturgia, oração particular, piedade popular; testemunho; catequese; educação; comunicação social;
  4. d) diálogo para a comunhão e participação (cf. DP 1096-1126).

É dessa Terceira Parte o capítulo específico sobre a catequese (cf. DP 977-1011), como “educação ordenada e progressiva da fé” (Mensagem do Sínodo sobre Catequese, n. 1), que “deve ser atividade prioritária da Igreja na América Latina, se quisermos conseguir uma renovação profunda da vida cristã e, com esta, uma nova civilização que seja participação e comunhão de pessoas na Igreja e na sociedade” (DP 977).

A 3ª Conferência traça vasto panorama sobre a situação da catequese depois de Medellín:

– Quanto aos aspectos positivos (cf. DP 978-986): a) “esforço sincero para integrar a vida com a fé, a história humana com a história da salvação, a situação humana com a doutrina revelada, a fim de que o homem consiga a sua verdadeira libertação” (DP 979); b) “uma pedagogia catequética positiva, que parte da pessoa de Cristo para chegar a seus preceitos e conselhos” (DP 980); c) “um amor mais acendrado à Sagrada Escritura, como fonte principal da catequese” (DP 981); d) “uma educação baseada no sentido construtivo da pessoa e da comunidade, numa visão cristã” (DP 982); e) “um redescobrimento da dimensão comunitária da catequese, de sorte que a comunidade eclesial está se tornando responsável pela catequese em todos os níveis: na família, na paróquia, nas comunidades eclesiais de base, na comunidade escolar e na organização diocesana e nacional” (DP 983); f) “uma tomada de consciência cada vez maior de que a catequese é um processo dinâmico, gradual e permanente de educação na fé” (DP 984); g) “um aumento de institutos para a formação de catequistas, em muitas partes e em todos os níveis: diocesanos, nacionais e internacionais” (DP 985); h) “uma proliferação de textos de catecismo”, o que “às vezes é positivo, outras é negativo, na medida em que são parciais ou não renovados” (DP 986).

– Quanto aos aspectos negativos da caminhada da catequese (cf. DP 987-991): a) “a catequese não consegue atingir todos os cristãos em medida suficiente, nem todos os setores e situações como, por exemplo: vastos setores da juventude, das elites intelectuais, dos camponeses e do mundo operário, das forças armadas, dos anciãos e dos enfermos etc.” (DP 987); b) “não raro, cai-se em dualismos e falsas oposições, como entre catequese sacramental e catequese vivencial; catequese da situação e catequese doutrinal. Por não situar-se numa posição de justo equilíbrio, alguns têm caído no formalismo e outros no vivencial sem apresentação de doutrina; há os que passaram do memorismo à total ausência de memorização” (DP 988); c) “há catequistas que descuram a iniciação à oração e à liturgia” (DP 989); d) “por vezes, não se respeita a diferença entre certos assuntos que são da alçada dos teólogos e outros que cabem aos catequistas em sintonia com o magistério; devido a isso, tem sucedido difundirem-se, entre os catequistas, conceitos que não passam de meras hipóteses teológicas ou de estudo” (DP 990); e) “verifica-se certa desorientação das atitudes catequéticas no campo ecumênico” (DP 991).

Puebla apresenta, também, os critérios teológicos da evangelização e da catequese: a) comunhão e participação (cf. DP 992-993); b) fidelidade a Deus (cf. DP 994; c) fidelidade à Igreja (cf. DP 995); d) fidelidade ao homem latino-americano (cf. DP 996-997); e) conversão e crescimento (cf. DP 998); f) catequese integradora, que deve unir de modo inseparável o conhecimento da palavra de Deus, a celebração da fé nos sacramentos e a confissão da fé na vida cotidiana (cf. DP 999).

A catequese precisa, para se renovar e ser eficaz, ter bem presentes alguns objetivos: a) “formar homens pessoalmente comprometidos com Cristo, capazes de participação e comunhão no seio da Igreja e dedicados ao serviço da salvação do mundo” (DP 1000); b) “tomar como fonte principal a Sagrada Escritura, lida no contexto da vida, à luz da Tradição e do Magistério da Igreja, transmitindo, além disso, o símbolo da fé; portanto, dará importância ao apostolado bíblico, difundindo a palavra de Deus, formando grupos bíblicos etc.” (DP 1001); c) “dar prioridade pastoral à formação adequada dos catequistas, em diversos institutos, atendendo à sua especialização em função das diversas situações, idades e áreas em que vivem os catequizandos, p. ex. crianças, jovens, camponeses, operários, forças armadas, elites, enfermos, deficientes, presidiários etc.” (DP 1002); d) “nos institutos de formação dos sacerdotes e dos religiosos e religiosas, adaptar a Ratio studiorum, como algo urgente para que se intensifique o sentido da transmissão adequada e atualizada da mensagem evangélica” (DP 1003).

Por sua vez, os catequistas devem procurar: a) “a integridade do anúncio da Palavra, para superar dualismos, falsas oposições e a unilateralidade” (DP 1004); b) “iniciar os catequizandos na oração e na liturgia; no testemunho e no compromisso apostólico” (DP 1005); c) “ministrar uma catequese vocacionalmente orientadora, explicando também a vocação leiga, suscitando um compromisso adaptado às diferentes idades, desde a infância até a idade adulta” (DP 1006); d) “como educadores da fé das pessoas e das comunidades, empenhar-se numa metodologia que inclua, sob forma de processo permanente, por etapas sucessivas, a conversão, a fé em Cristo, a vida em comunidade, a vida sacramental e o compromisso apostólico” (DP 1007); e) “ministrar uma educação integral da fé, que inclua os seguintes aspectos: a capacitação do cristão para ‘dar razão de sua esperança’; a capacidade de dialogar ecumenicamente com os outros cristãos; uma boa formação para a vida moral, assumida como seguimento de Cristo, acentuando-se a vivência das bem-aventuranças; a formação gradual para uma ética sexual cristã positiva; a formação para a vida política e a doutrina social da Igreja” (DP 1008).

No que tange à metodologia (cf. DP 1009),

os catequistas tenham em consideração a importância da memória, conforme o que afirma o papa Paulo VI: “Memorizar as mais importantes sentenças bíblicas, mormente as do Novo Testamento, e os textos litúrgicos que se usam para a oração em comum e para tornar mais fácil a confissão da fé”; e deem importância às técnicas audiovisuais: desenho, fotopalavra, minimídia, dramatização, canto etc.

Quanto à ação catequética (cf. DP 1010), Puebla recomenda: a) “deverá dirigir-se de forma simultânea aos grupos e às multidões. Para estas últimas, são de muita eficácia as missões populares, convenientemente renovadas numa linha evangelizadora”; b) “favoreça-se a catequese permanente, desde a infância até a velhice, integrando-se entre si as comunidades ou instituições que catequizam, a saber, a família, a escola, a paróquia, os movimentos e as diversas comunidades ou grupos”.

4.4. Quarta parte – Igreja missionária a serviço da evangelização na América Latina

O Documento de Puebla traz riquíssima reflexão, com orientações práticas, sobre a ação missionária da Igreja no continente. Imprescindível para a renovação da catequese é a confirmação da Igreja na América Latina e no Caribe das grandes decisões de Medellín, tão combatidas por seus opositores: a opção preferencial pelos pobres (cf. DP 1134-1165); a opção preferencial pelos jovens (DP 1166-1205); a ação da Igreja junto aos construtores da sociedade pluralista (DP 1206-1253); a ação da Igreja em favor da pessoa na sociedade nacional e internacional (DP 1254-1293).

4.5. Quinta parte – Sob o dinamismo do Espírito: opções pastorais

A última parte do Documento de Puebla traz extensa lista de opções pastorais para a Igreja atuar profeticamente na realidade do continente. O ponto de partida é um ato de fé: “É o testemunho de Jesus que nos envia, como missionários com a Igreja, a dar testemunho dele entre os homens” (DP 1294), mas também uma decisão generosa da Igreja: “Desejamos ser dóceis […], buscamos a comunhão, pretendemos ser servidores do homem”, respondemos sim à nossa missão no mundo para transformá-lo (cf. DP 1295) com a criatividade do Espírito e o seu dinamismo (cf. DP 1296). Desejamos formar o “homem novo, à imagem do Cristo ressuscitado, portador da nova esperança para seus irmãos” (DP 1296). Para isso a Igreja opta por ser: a) uma Igreja sacramento de comunhão (cf. DP 1302); b) uma Igreja servidora (cf. DP 1303); c) uma Igreja missionária (cf. DP 1304); d) uma Igreja em permanente processo de evangelização, que denuncia as situações de pecado, chama à conversão e se compromete, especialmente por meio dos leigos e leigas, na transformação do mundo (cf. DP 1305).

Os últimos parágrafos do Documento de Puebla, ao mesmo tempo que elencam, com otimismo e ação de graças, evidentes sinais de muita vitalidade evangelizadora no continente (cf. DP 1309), fazem contundente profissão de fé: “Ele [Jesus Cristo] é a plenitude de todo ser. É somente em Cristo que o homem encontra sua alegria perfeita” (DP 1310).

À guisa de conclusão

À luz desse amplo panorama do riquíssimo Documento de Puebla, que se baseou em Medellín (1968) e no contexto da época (fins da década de 1970), podemos elencar alguns pontos para a renovação continuada da catequese: a) a necessidade de integração entre vida e fé, cultura e fé, assim como entre história humana e história da salvação, para o favorecimento da visão integral do ser humano, sujeito partícipe da sua verdadeira libertação em Jesus Cristo; b) a proposição de uma pedagogia catequética que parta da realidade humana e caminhe, à luz da Palavra, da convivência fraterna e do clima orante, rumo ao encontro pessoal com Jesus Cristo, assim como rumo à inserção na comunidade eclesial e ao compromisso com a missão da Igreja; c) o embasamento da vida nova em Cristo, tanto na Sagrada Escritura, como fonte principal da catequese, quanto na liturgia – celebração dos mistérios da fé cristã –, no compromisso com a vida da Igreja e com a sua missão; d) atenção especial à promoção de uma educação dos catequizandos no sentido crítico e construtivo da pessoa, da comunidade e da sociedade, segundo os valores cristãos; e) ênfase na dimensão comunitária da catequese e no compromisso da comunidade eclesial com a formação dos catequizandos e com a acolhida fraterna deles; f) esforço decidido para ultrapassar a catequese entendida como “curso”, com ponto de chegada – os sacramentos –, para assumi-la como processo dinâmico, gradual, criativo e permanente de educação da fé, da esperança e do amor.

O Documento de Puebla alertou, outrossim, para a necessidade de promover decididamente a formação de catequistas e a elaboração de textos segundo os critérios de uma catequese renovada, em conformidade com as orientações do Concílio, de Medellín e da própria 3ª Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe.

Referências bibliográficas

CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Catequese renovada: orientações e conteúdo. São Paulo: Paulinas, 1983. (Documentos da CNBB, 26).

DOCUMENTOS DO CELAM: conclusões das Conferências do Rio de Janeiro, Medellín, Puebla e Santo Domingo. São Paulo: Paulus, 2004.

PAULO VI. Evangelii Nuntiandi. Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 1975.

SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO. Ritual da iniciação cristã de adultos. Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 1972.

Irmão Nery, fsc

Irmão Nery, fsc, natural de Machado-MG, é membro do Instituto dos Irmãos das Escolas Cristãs (Irmãos de La Salle). É formado em Filosofia e Teologia pela Universidade Lateranense (Roma, Itália), com especialização em Catequese. Foi assessor nacional de catequese (de 1983 a 1987) e presidente da Sociedade de Catequetas Latino-Americanos (Scala). É escritor, com 70 livros publicados, conferencista e presidente da Sociedade Brasileira de Catequetas (SBCat). Reside em São Paulo-SP. E-mail: [email protected]