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Publicado em março-abril de 2021 - ano 62 - número 338 - pág.: 04-13

O serviço da autoridade

Por Douglas Alves Fontes

1. Radicalidade do chamado para o serviço da autoridade

Quando falamos de autoridade, de superior e/ou formador, é normal, lembra-nos Anna Bissi, reconhecermos um serviço, um ministério que vem diretamente de Deus, uma missão a ser vivida dentro de uma comunidade de fé. Em um primeiro momento, ao nos remeter ao próprio Deus e à sua autoridade, essa função desempenhada serve como instrumento de transmissão do amor e da vontade do Pai.

O chamado de Deus nos toca no mais íntimo de nós. Assim, fica claro que seu chamado, atualizado em nossa existência, nos alcança plenamente, e não apenas uma dimensão da nossa vida. Nosso ser inteiro se vê atingido pelo mistério da vocação divina. Dessa maneira, somos atingidos como pessoas concretas, com tudo o que somos e temos. Essa integridade da vida é, muitas vezes, um dos nossos desafios!

Na caminhada vocacional, deparamos com a missão da autoridade. Segundo Bissi, há uma qualidade radical do chamado a exercer tal convite, para cumprir um serviço cada vez mais desafiador e, ao mesmo tempo, necessário e insubstituível, na vida de uma comunidade religiosa.

Por sermos filhos de uma sociedade “sem pai” ou “sem pai nem mãe”, é cada vez mais difícil falar de autoridade a nossos formandos (RISÉ, 2007, p. 77). Outrossim, uma visão espiritualista e superficial da autoridade tende a encará-la como manifestação da vontade de Deus, mas só em alguns momentos especiais parece ser considerada desse modo.

Um terceiro desafio que encontramos no exercício da autoridade é o modelo educacional comumente proposto na sociedade, no qual o diálogo é tudo (e deve ser). A questão é que se busca uma obediência tão dialogada, que parece já não existir autoridade e, por consequência, obediência. Um último desafio, fruto da nossa era, é a busca do prazer e da satisfação a todo custo. Desse modo, não há obediência que sobreviva se custa algo, se exige desapego e sofrimento. Muitas vezes parece que as palavras evangélicas de Jesus estão entrando em desuso (Mc 8,34; Lc 14,25-33) (Suma Teológica, II-II, q. 104, a. 2).

Bissi propõe o exame de dois princípios, para que possamos falar em autoridade: o princípio da obediência e o do instinto gregário (BISSI, 1987, p. 14).

A palavra “obediência” deriva do latim ob audire, ou seja, “escutar”. Podemos, então, perceber que essa atitude ou disposição de escuta já está presente no nível biológico de cada pessoa capaz de escutar o ambiente, observá-lo e responder a ele. Falamos de uma “obediência natural”, presente nos diversos seres vivos. Não obstante, o ser humano vai além de uma obediência natural, por conta de sua racionalidade.

Já o princípio do instinto gregário diz respeito à nossa capacidade e/ou impulso de estarmos juntos, uns com os outros, formando grupos de influências mútuas, em que há uma liderança seguida e/ou obedecida por todos. A capacidade e, ao mesmo tempo, a necessidade de viver em grupo nos apresentam as bases biológicas da vida social e comunitária.

2. Significados simbólicos da liderança

Qualquer um que entra na vida religiosa, em um seminário, aceita submeter-se a um guia, a quem estará ligado e a cuja autoridade se submeterá, independentemente dos dotes, capacidades e qualidades daquele a quem foi confiada a missão de servir como autoridade.

Bissi esclarece que a pessoa ingressante, “embora declarando-se disposta a acei­tar o líder da comunidade, pode experimentar, interior­mente, reações psicológicas que escapam à sua lucidez, sem deixar de influir, negativamente, no seu comportamen­to” (BISSI, 1987, p. 15).

Tudo se passa como se ao termo “superior” ou “mes­tre” fossem atribuídos, inconscientemente, significados di­versos. Como isso ocorre? Lembra-nos a autora que “toda e qualquer realidade pode evocar significados diversos em cada um de nós”.

Logo, é claro que uma realidade, em uma primeira etapa, é percebida de forma emotiva, até inconsciente, gerando uma avaliação inicial, marcada por gostos pessoais. Em seguida, parte-se para um juízo de ordem racional, com critérios de valor, sobre tal realidade. Bissi enfatiza que diversas realidades da nossa vida vocacional são, primeiramente, encaradas de determinada maneira e, depois, de maneira mais racional-espiritual.

3. O seminarista diante da autoridade

A Ratio Fundamentalis atual nos lembra que o sujeito da formação é sempre o seminarista. Este se apresenta como um mistério para si mesmo. A missão formativa consiste em ajudar o candidato a fazer um processo de integração, sob o influxo do Espírito Santo. O tempo de formação será sempre um tempo de prova, de amadurecimento e de discernimento por parte do candidato e do seminário (CONGREGAÇÃO PARA O CLERO, 2017, n. 28).

Nesse processo formativo, deparamos com o desafio da missão de ser formador. Será no cumprimento dessa missão que precisaremos lidar com a autoridade: a própria e a de nossos superiores. Ao mesmo tempo, precisaremos refletir sobre o exercício dessa autoridade naquilo que toca a nós e àqueles que nos estão confiados, que é o que faremos a seguir.

3.1. A autoridade como “ameaça” contra a qual é preciso revoltar-se

Nesse contexto, o formador e, particularmente, o reitor podem ser inconscientemente percebidos pelo formando/seminarista como ameaça potencial à sua autoestima. É possível, diante de qualquer ordem ou pedido, sentir-se agredido, desvalorizado, não amado, tratado como criança, incapaz. A ordem acaba sendo entendida como um ataque pessoal, do qual é preciso defender-se sobretudo com revolta, a qual pode se manifestar de várias formas:

• uma forma mais aberta, de raiva declarada, manifesta­da por meio de brigas, “cenas” e ataques diante de uma or­dem do superior, de um pedido seu ou de um lembrete;

• uma forma mais sutil, muito frequente nas comunida­des femininas: o vitimismo. Neste caso, a agressividade se exprime sobre­tudo sob a forma de crítica, de contínua lamúria, de insi­nuações;

• uma maneira ainda mais sofisticada de revolta é a que toma a forma de resistência passiva: uma oposição silen­ciosa.

É comum, por exemplo, no contexto esportivo do seminário, percebermos a raiva declarada. Da mesma maneira, na relação formando-formador, sobressaem o vitimismo e a resistência passiva. Percebe-se o vitimismo sobretudo nos candidatos afetivamente mais imaturos. Já a resistência passiva se manifesta nos candidatos mais inteligentes e perspicazes.

3.2. A autoridade como “dominação” da qual é preciso se livrar

Nesse processo relacional, o formador pode também ser visto como um “fiscal”. Diferentemente da manifestação anterior, que girava em torno do campo da rebelião, esta se encontra no campo da autonomia.

O formador líder é aceito, respeitado, obedecido apenas de uma maneira externa e aparente. Ao mesmo tempo, ele passa a ser visto como ameaça, até mesmo como uma barreira na procura da independência. O formando acaba encarando a autoridade do formador como dominação, contra a qual é preciso reagir, criando espaços de liberdade nos quais busca levar sua própria vida, independente e isolado dos outros.

Assim, uma autonomia imatura, como reação à presença do outro – particularmente dos superiores/formadores –, encarada como controle, pode se manifestar de algumas formas: o formando é incapaz de expor ao formador seus planos e desejos para um discernimento comum, diante de compromissos a serem assumidos; não se mostra disposto a partilhar com os irmãos e com o formador as novidades da sua vida.

3.3. A autoridade como “fonte de afeto e de apoio”

Um risco que corremos é pensar que a visão da autoridade como fonte de afeto e de apoio seria mais comum nas comunidades femininas. O fato é que tem sido cada vez mais comum percebermos essa postura nas comunidades masculinas. Tal atitude sobressai principalmente em candidatos imaturos, que ingressam nas comunidades com forte dependência. Como se não bastasse, essa relação ainda gera outro conflito: o ciúme dos formandos entre si, por conta do formador.

O formando reveste sua obediência com uma visão espiritual, vendo no formador a vontade de Deus. É claro que, em um primeiro momento, a visão estaria corretíssima, mas a questão afetiva é que vai oferecer a tônica necessária para o discernimento. Na verdade, o formando obedece, esperando, inconscientemente, o afeto do formador.

Bissi recorda que, em linguagem psicológica, estamos diante de um formando que age por “identificação”. Sua postura tem a finalidade de uma relação gratificante, manifestada na relação do formando com o grupo e/ou com o formador. Ele não obedece por um valor internalizado e assumido, mas com o intuito de ser gratificado afetivamente. E, quando isso não acontece, ressente-se (BISSI, 1987, p. 19).

Na verdade, o formando está esperando, com sua obediência, receber a estima e o amor do formador. Com isso, o ato de obedecer assume uma postura utilitarista, um meio para alcançar amor, atenção e estima de alguém. Obviamente, é normal a satisfação dos desejos afetivos dos formandos; o problema surge quando se gera dependência e a relação não fica marcada pela liberdade e pela responsabilidade. De todo modo, é sempre necessário que a relação afetiva permaneça.

3.4. A presença do inconsciente como convite a usar de misericórdia

A autora nos leva a perceber como essas reações, contrárias à maturidade vocacional, nos questionam sobre suas causas e nos levam a um discernimento sempre mais aprofundado sobre aqueles que as manifestam. Sem dúvida, reconhece Bissi, a psicologia nos ajuda a compreender e não julgar tais comportamentos, que frequentemente nascem de motivações inconscientes, escapando, assim, do controle do sujeito. Com isso, percebemos que essas atitudes nascem de limitações humanas, e não tanto da má vontade ou deslealdade dos candidatos (BISSI, 1987, p. 20).

Cabe-nos uma atitude mais compreensiva e misericordiosa, mas não omissa e permissiva. Motivados pelo Evangelho, buscamos compreender melhor os outros e reconhecer nossa incapacidade de compreender as profundezas do nosso coração e da nossa mente.

Bissi nos propõe uma aproximação das limitações dos outros com respeito, para que consigamos ultrapassar a ideia do erro e chegar às feridas do coração que todos trazemos. É preciso, de nossa parte, a capacidade de reconhecer que as atitudes de muitos formandos não são direcionadas a nós, mas são consequências de experiências passadas que foram ocasião de dor e de dificuldades. Em tudo isso, precisamos continuar a nos esforçar para verificar sinais de vocação dos formandos, exortá-los e estimulá-los a um contínuo crescimento humano e espiritual.

Para que esse processo formativo ocorra de forma sadia e produtiva, faz-se necessário que nós, formadores, assumamos a proposta evangélica de tentar compreender a trave que temos nos próprios olhos, de modo que assim possamos constatar que muitos problemas não surgem do desinteresse ou da má vontade, mas da falta de lucidez. Diante de tal exigência, Bissi reforça que a psicologia acaba sendo, nesse contexto, um convite implícito à misericórdia.

A proposta de Jesus é reagir à crueldade dos outros, com um exercício constante do ministério da misericórdia. “A ciência, a partir da grande descoberta de Freud a respeito da presença do inconsciente, não fez outra coi­sa senão comprovar aquilo que Jesus já havia dito na cruz: não sabemos aquilo que fazemos” (BISSI, 1987, p. 22).

4. A responsabilidade diante da própria autoridade

A autoridade precisa ser sempre encarada como um serviço à comunidade, que, por sua vez, serve o Reino. O papel da autoridade pode favorecer ou não o crescimento da fraternidade. Portanto, cabe séria responsabilidade àqueles que exercem autoridade nas comunidades formativas (CONGREGAÇÃO PARA OS INSTITUTOS DE VIDA CONSAGRADA E AS SOCIEDADES DE VIDA APOSTÓLICA, 2008, n. 17; 20).

4.1. O exercício da autoridade como “fonte de ameaça”

Bissi ressalta que o chamado a ser responsável por uma comunidade como superior ou formador pode, às vezes, ser considerado “perigoso”. No nosso contexto, muitas vezes essa realidade parece ser parte do “inconsciente coletivo”, quando os seminaristas herdam essa herança ou a assumem, no contexto de uma Igreja particular. A figura do reitor é, frequentemente, temida, e se propõe uma distância de sua pessoa (BISSI, 1987, p. 22).

Entre os motivos para tanto, costuma figurar a noção de que uma função de tanta responsabilidade exige muita com­petência; além disso, “o papel de responsável expõe não só pelo que diz respeito ao já mencionado aspecto das maiores capacidades necessárias, mas também pelo papel central na vida comunitária” (BISSI, 1987, p. 23).

A função do formador é sentida, não raro, como ameaçadora, sobretudo por pessoas inconscientemente tão vulneráveis, que não podem aceitar em si limitações. Ademais, algumas pessoas que assumem a função de autoridade podem se mostrar tão ansiosas, que passam a adotar “atitudes rígidas, quase ‘onipotentes’, como reação à amea­ça incerta no novo cargo: a de vir a exibir diante de todos a própria fragilidade” (BISSI, 1987, p. 24).

4.2. Exercício da autoridade como “meio de poder”

No campo da política ou da economia, podemos encontrar a liderança como meio de controle e de poder. Contudo, na vida religiosa, a autoridade precisa ser assumida como serviço. Sendo assim, não é possível conciliar o desejo de dominação com uma vida consagrada de doação aos outros, por causa do Reino. A vida de Jesus nunca concordará com uma postura dominadora.

Bissi reforça que, frequentemente, podemos enfrentar um grande desafio, que se apresenta quando nossa insegurança, aliada à falta de confiança em Deus, acaba nos levando a nos comportarmos como verdadeiros “sargentos”, como pessoas de tal forma apavoradas dian­te da perspectiva de perder a estima, que nos propomos controlar tudo e todos, sempre e em qualquer situação. Podemos enfrentar até casos de adoecimento por conta dessa postura de vida (BISSI, 1987, p. 24).

Com isso, formandos e formadores podem assumir a atitude de querer “mandar sempre e em toda parte, jogando fora o princípio de corresponsabilidade (considerado apenas uma bela ideia para levar para as reuniões da comunidade, contanto que, ‘na prática, a teoria seja outra’)” (BISSI, 1987, p. 24). Normalmente, essa vontade de poder não passa de compensação: o superior/formador procura impor-se nos campos em que se sente mais seguro, deixando de lado aqueles em que se sente mais vulnerável.

Para que o formador esteja atento e não caia numa lógica doentia a respeito da sua função na comunidade, é fundamental que adote uma escala de valores bem clara, a fim de verificar os âmbitos da sua competência, “quais os aspectos a respeito dos quais intervir e aque­les, ao contrário, que convém ignorar como irrelevantes para um crescimento humano e espiritual das pessoas que lhe estão confiadas” (BISSI, 1987, p. 25).

Bissi propõe algumas questões que favorecem o cumprimento da missão com simplicidade e alegria de coração: As minhas intervenções teriam sido realmente necessá­rias? Omiti intervenções, que teriam sido indispensáveis, por medo da crítica, da recusa, da agressividade que teriam provocado em meus irmãos/ãs? Em que baseio a estima?

4.3. O exercício da autoridade como “procura de compensação afetiva”

É o caso do superior/formador “que, percebendo seu papel cen­tral na comunidade, vê nisso um meio de conseguir mais atenção, mais afeto, maior interesse pela própria pessoa” (BISSI, 1987, p. 27). Algumas reações especiais são percebidas: o permissivismo; uma atitude de vaidade muito sutil.  Contudo, essa realidade não quer dizer que a amizade, as relações afetuosas devem ser proscritas dos nossos ambientes. A meta é sempre “cons­truir comunidades evangélicas, cujos membros procuram, em primeiro lugar, crescer no amor a Deus e aos irmãos” (BISSI, 1987, p. 28).

5. O exercício da autoridade como convite à transcendência

O chamado de Deus ao serviço da autoridade atinge a pessoa por inteiro “e encontra a sua resposta mais acabada e a adesão mais total na capaci­dade humana de autotranscendência, que torna a pessoa disponível para acolher o convite de Deus ao serviço dos irmãos/ãs, com atitudes de total adesão à sua vontade” (BISSI, 1987, p. 29). Dessa forma, é possível criar equilíbrio e harmonia interior, para colocar todo o ser nas mãos de Deus.

É ascese que exige “passos interiores”: do desejo de dependência à solidão criativa; da insegurança e medo à capacidade de dizer aberta­mente a própria opinião; do desejo de dominação à capacidade de deixar que todos colaborem; do vedetismo à capacidade de deixar emergir os dotes e os talentos dos formandos com os quais se vive.

Dessa maneira, é normal que exista contínua tensão entre a realidade psicossocial e a espiritual-racional. No fundo, a diferença entre duas concepções de autori­dade (como fonte de poder ou como dom de Deus para o serviço dos irmãos) poderá determinar muitas atitudes no interior das comunidades.

O caminho será sempre uma renovação permanente, de forma que formandos e formadores busquem se compreender, empenhando-se para alcançar um coração convertido e a disponibilidade para servir os irmãos. Bissi recorda alguns “meios” capazes de ajudar o caminho de crescimento: “capacidade de propor para si mesmo metas realis­tas, seja no que diz respeito ao próprio papel, seja no que diz respeito às tarefas da comunidade” (BISSI, 1987, p. 30). Nesse caso, faz-se necessário estar atento a certos superiores que são mais agitados e, na prática, fazem pouco. Estes, sempre e em toda parte, são disponí­veis, com uma disponibilidade excessiva, mas, na verdade, mascaram inconsciente busca de segurança.

“Outro meio importante é o conhecimento de si e, por consequência, o uso de meios psicológicos apropriados, como a consulta e a psicoterapia” (BISSI, 1987, p. 31). É bom recordar que existem diversas abordagens psicológicas e que algumas estão em aberta contradição com a visão antropológica bíblica, com o conceito de pessoa tal como é apresentado pelo cristianismo. Nesse sentido, já é tempo de superar o conceito de psicologia enten­dido como “ajuda para casos de perturbação”. Em todo esse caminho, reconhece Bissi, o meio insubstituível para um amor cada vez maior a Deus e aos irmãos é a oração: como ausculta do Espírito, que chama a pessoa a ser sua humilde colaboradora; como atitude de confiança para com Deus; como consciência da própria pobreza diante de Deus e, ao mesmo tempo, como fé corajosa na ajuda oferecida por ele.

Na caminhada da vida comunitária, o momento da revisão de vida pode favorecer o esclarecimento, pelo formador, dos conflitos comu­nitários, “sem envolver-se com os dinamismos psicológicos, mas também sem fechar os olhos diante dos problemas” (BISSI, 1987, p. 32). A revisão de vida deve ser enfrentada num clima evan­gélico!

Assim, o Evangelho nos convida a ser francos, nos limites da caridade (Lc 10,27b); a tomar consciência das nossas limitações pessoais, a fim de nos corrigirmos (Lc 6,42); quer-nos capazes de enfrentar os problemas com abertura, sinceridade, firmeza, coragem (Mt 5,37); finalmente, diante dos nossos temores, lembra-nos que “quem age na verdade, vem a conhecer a luz” (Jo 3,21) (BISSI, 1987, p. 33).

“Um último meio de crescer na capacidade de amar é a vida comunitária como lugar de reconciliação recíproca e constante” (BISSI, 1987, p. 33). O papel do superior – que, como lembráva­mos atrás, está, na maioria das vezes, no centro dos confli­tos comunitários – torna-se ocasião proporcionada pelo Se­nhor para exercitar-nos no perdão misericordioso e no humilde pedido de perdão àqueles que, sem que o quiséssemos, podem ter sido ofendidos.

CONCLUSÃO

Concluindo esse percurso, podemos afirmar que a missão daqueles que exercem a autoridade dentro das comunidades formativas – no nosso caso, nos seminários – é não apenas de suma importância e de grande valia, mas também um instrumento formativo de forte incidência na vida dos seminaristas. A primeira conclusão a que Ana Bissi nos conduz é que a missão da autoridade, no que concerne aos formadores, é de guia da comunidade e daqueles que lhes foram confiados. Por isso, cabe às autoridades uma busca atenta do simbolismo da sua função, para superar tantos entraves que surgem no processo formativo.

Em segundo lugar, Bissi nos possibilita enxergar os formandos de forma diferente. Eles precisam ser compreendidos mais profundamente e auxiliados a superar as muitas dificuldades surgidas na relação – tão necessária e exigente – com os formadores. Por isso, cabe aos formadores atenção para perceber as diversas reações imaturas à sua autoridade. Principalmente, os formadores são chamados a serem misericordiosos, diante de tantas fragilidades e imaturidades que os formandos carregam, e, ao mesmo tempo, serem auxílios eficazes, para que aqueles superem suas imaturidades. A reflexão da autora nos ajuda a entender a responsabilidade daquele que exerce a autoridade dentro da comunidade. Se ele não estiver atento a si, à sua história, o exercício da autoridade pode ser causa de muitos conflitos e vários problemas.

Por último, e não menos importante, a reflexão de Bissi nos mostrou como a autoridade do formador pode ser uma ponte para a passagem do formando de um nível de imaturidade para a maturidade, marcada pela transcendência. Nesse sentido, é preciso que os formadores percorram esse caminho de amadurecimento e de transcendência, para que não sejam um obstáculo aos formandos, mas auxílio à superação de suas limitações – muitas das quais inconscientes –, e estes possam viver uma integração sadia na caminhada formativa. Assim, será possível, para os formandos, um futuro ministério maduro e o exercício da autoridade como um serviço importante e necessário em meio ao povo de Deus e para o bem desse mesmo povo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BISSI, A. Minhas origens remontam a ti, Senhor. São Paulo: Paulinas, 1987.

CONGREGAÇÃO PARA O CLERO. O dom da vocação presbiteral: Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalis. Brasília: CNBB, 2017.

CONGREGAÇÃO PARA OS INSTITUTOS DE VIDA CONSAGRADA E AS SOCIEDADES DE VIDA APOSTÓLICA. O serviço da autoridade e a obediência. São Paulo: Paulinas, 2008.

RISÉ, C. A inaceitável ausência do pai. São Paulo: Cidade Nova, 2007.

Douglas Alves Fontes

é doutor em Teologia pela PUC-Rio. Reitor do Seminário São José, da arquidiocese de Niterói. Professor do Instituto Filosófico e Teológico do mesmo seminário. Secretário executivo do Regional Leste 1 da CNBB. E-mail: [email protected]