Carta do editor

julho-agosto de 2010

Graça e paz!

“Lugar de padre é na sacristia”, diziam muitos que eram contra o envolvimento de padres e bispos na luta contra a ditadura militar no Brasil. Hoje muitos repetem essa ideia, acreditando que a Igreja não deve “se meter em política”. Trata-se de ponto de vista reacionário e deslocado do cerne da vida cristã e do evangelho de Jesus Cristo. Lugar de padre e de toda liderança cristã é “onde o povo está”, exercendo o tríplice múnus de profeta, sacerdote e pastor. O cuidado com o rebanho implica o cuidado integral da vida humana e não apenas de um aspecto espiritual desligado das outras dimensões da vida.

O cristianismo, fundado na encarnação de Deus na realidade humana, não pode deixar de interessar-se pela integralidade da vida. Uma espiritualidade cristã que pensa que basta cuidar da “alma” não é tão cristã, pois o próprio Deus teve também um “corpo” e se inseriu na história, criticou as injustiças e os poderes de seu tempo.

Tudo isso não tem nada que ver com a danosa união entre Igreja e Estado que vigorou durante algum tempo na História. A Igreja deve ser independente do Estado para que possa apoiar o que é bom e criticar o que é ruim, sem segundos interesses de nenhuma das partes. O Estado deve ser independente da Igreja e não deve usar a autoridade eclesiástica para legitimar-se. Sua legitimação deve emanar do bom funcionamento das instituições democráticas e do respeito ao povo.

A salvação é integral e começa nesta vida, e não apenas em outra dimensão, embora saibamos que o reino de Deus compreende o “já e ainda não”. Ele começa a ser construído aqui, mas nenhuma realização intramundana o esgota, pois chegará à plenitude apenas quando Deus vier escatologicamente ao nosso encontro para completar a caminhada desde o ponto que conseguirmos alcançar na história.

Cientes do direito e do dever da Igreja de colaborar no cuidado integral da vida humana, oferecemos nesta edição diversos artigos sobre a conjuntura brasileira, às vésperas da importante eleição de 2010. Nos artigos faz-se, sobretudo, uma avaliação do governo Lula e, de um ponto de vista cristão, se vislumbram alguns desafios para o próximo governo. Nossa intenção é que as reflexões ajudem a nortear, neste período, a postura de nossas lideranças, que não podem pautar-se apenas pela mídia hegemônica e suas posturas cegas e manipuladoras. Ainda que apresentem visões diversas, os artigos, de forma geral, reconhecem que o atual governo realizou parte de importantes anseios de nossa população, aspirações que muitos de nós, como cristãos, víamos como urgente necessidade. Certamente sonhávamos com que as mudanças fossem maiores.

Entretanto, a correlação de forças existente em nossa sociedade e as vicissitudes da vida política, carente de uma reforma profunda – o que envolve as forças conservadoras da ordem social vigente –, não permitiram avanços maiores.

De acordo com a nossa linha editorial, de fé cristã encarnada na realidade, acreditamos que não devemos encerrar esse processo de transformação; é hora de avançar mais, e um passo significativo nesse sentido pode ser dado por meio das próximas eleições. Omitir-se nessa tarefa, com a ilusão de que fazê-lo significa não envolver-se com política, é a pior forma de envolver-se com ela.

 

Pe. Jakson Ferreira de Alencar, ssp

Editor