Carta do editor

julho-agosto de 2012

Graça e Paz!

“Eis o meu segredo: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos. Os homens esqueceram essa verdade, mas tu não a deves esquecer.” Esse célebre pensamento de Antoine de Saint-Exupéry, chamando a atenção para as coisas mais profundas e essenciais da vida, ajuda-nos a entender o sentido da fé, da história da salvação, da sacramentalidade da Igreja e da liturgia. De fato, há forte tendência a esquecer o essencial. Em decorrência das revoluções da modernidade, existe uma mentalidade difusa que identifica a realidade apenas com o que é visível, palpável, material, técnico. Com isso se reduz a realidade, que é muito mais ampla que o meramente visível.

O sentido da vida e do universo e o enigma de sua origem se encontram muito além do palpável. Muitas vezes se deduz essa ausência de uma suposta preponderância de sentido das teorias científicas, mas sem conhecê-las bem ou até mesmo o fazendo de maneira bastante leviana. O renomado cientista Albert Einstein dizia que “a opinião comum de que sou ateu repousa sobre grave erro. Quem a pretende deduzir de minhas teorias científicas não as entendeu”. Para ele, “a mais bela e profunda emoção que se pode experimentar é a sensação do místico. Este é o semeador da verdadeira ciência. Aquele a quem seja estranha tal sensação, aquele que não mais possa devanear e ser empolgado pelo encantamento, não passa, em verdade, de um morto. Saber que realmente existe aquilo que é impenetrável a nós, e que se manifesta como a mais alta das sabedorias e a mais radiosa das belezas, que as nossas faculdades embotadas só podem entender em suas formas mais primitivas, esse conhecimento, esse sentimento está no centro mesmo da verdadeira religiosidade”.

Deus se revelou de muitas formas no universo e ao longo da história. Temos o registro disso nos testemunhos que a história da salvação nos legou. Encontramos um resumo dela nos primeiros versículos da carta aos Hebreus (1,1-4): nos tempos antigos, muitas vezes, de muitos modos, Deus falou aos antepassados por meio dos profetas. No período final em que estamos, falou-nos por meio de seu Filho, que é a irradiação de sua glória e aquele em que Deus se expressou tal como é em si mesmo.

O Filho é o sacramento primordial do Pai, e sua encarnação, vida, morte e ressurreição – a plenitude da revelação – expressa, com uma riqueza sacramental incomensurável, quem é Deus. Nele o invisível se faz visível. O Jesus histórico, embora visível, também revela a realidade transcendente, o essencial, e os aspectos da vida que só podem ser vistos com os olhos da fé e do coração, pois os sentidos e a razão podem ajudar a enriquecer sua adequada compreensão, mas não podem esgotá-los.

A sacramentalidade da Igreja e da liturgia brota desse sacramento primordial e dele recebe luz. Da mesma forma que Jesus é o sacramento do Pai, a Igreja se entende como sacramento do Cristo; procura ser, na imperfeição e limitações das realidades humanas, sinal e continuadora de sua missão; aponta para uma realidade divina, transcendente e salvífica. Os sinais litúrgicos recebem sua eficácia da ação do Espírito Santo em nós; eles nos conectam com o transcendente que significam. A Igreja e a liturgia refletem a luz de Cristo como a lua reflete a luz do sol, conforme ensinavam os santos padres do início do cristianismo.

A Igreja, portanto, não tem luz própria, recebe-a de Deus; não deve buscar a glória terrena, mas refletir a glória de Deus. Ela não esgota o reino, mas é sinal dele e procura vivenciá-lo no hoje da história, sabendo que a sua realização plena não se limita a nenhum modelo histórico. Caminhamos para o reino, mas só Deus completará nossa caminhada.

A comunicação sacramental e litúrgica nos move interiormente. Ela está intimamente ligada ao sentido de comunhão, partilha, participação. Deus está em comunhão/comunicação conosco e nós com ele na globalidade da liturgia. As celebrações litúrgicas não se reduzem ao que nós realizamos, mas são a ação das três pessoas divinas em nós, da qual somos convidados a tomar parte. É ação/comunicação sinergeticamente humano-divina.

Essa comunicação litúrgica vem sendo confundida com barulhos; discursos doutrinários e moralistas; agitação; centralidade do ego de alguns ministros que, conquanto muitas vezes bem-intencionados, parecem ser sinais mais de si mesmos que de qualquer outra coisa; gestos espalhafatosos que entretêm, enquanto se descuida do verdadeiro mistério. Em meio a tanto barulho, frenesi e egos em disputa, o mais difícil é conseguir ver o essencial, entrar em sintonia com Deus e rezar.

Pe. JaksonFerreirade Alencar,ssp

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