Carta do editor

Julho-Agosto de 2022

200 anos da Independência do Brasil: uma reflexão à luz da fé

Prezadas irmãs, prezados irmãos, graça e paz!

Um famoso verso de nossa música popular brasileira diz assim: “O Brazil não conhece o Brasil. O Brasil nunca foi ao Brazil”. As letras “z” e “s” não estão dispostas aí de forma gratuita. O Brasil escrito com “z” poderia representar um país que não conhece a si mesmo, é colonizado, dependente, deslumbrado. É constituído por grupos poderosos, que sugam o suor e o sangue de tantos, do Brasil escrito com “s”. Um exemplo disso são os recorrentes e trágicos rompimentos de barragens de mineração no estado de Minas Gerais, particularmente o da barragem B1 da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, no dia 25 de janeiro de 2019, provocado pela incúria da poderosa Vale.

O Brasil com “s”, ao contrário, é o país dos que insistem em fazer deste o melhor lugar do mundo, apesar de todas as dificuldades impostas pelos representantes daquele “Brazil”.

Considerando os desmandos recentes e de outrora que têm marcado nosso país, a comemoração dos 200 anos da independência é momento oportuno para revisarmos a história. O que significaria aquele grito em 7 de setembro de 1822, às margens do riacho Ipiranga? A pintura de Pedro Américo, que mostra o príncipe regente montado em um cavalo, de espada em riste, apresenta uma versão de Dom Pedro envolta em heroísmo e triunfalismo. Contudo, a representação não espelha muito bem a realidade. Não houve cavalo como o de Bonaparte. Na verdade, não haveria problema nenhum em representar nosso príncipe montado em uma mula, animal esperto, que tanto peso carregou pelo bem da “pátria amada”.

Obviamente, a proclamação da independência é resultado de um processo complexo que constituiu a relação entre Portugal e Brasil. E não se deu da noite para o dia. A separação entre ambos, de alguma forma, começaria desde 1808, quando da vinda da família real para cá. Dom João VI mudou o status do Brasil. O grito de seu filho, D. Pedro, em 1822, decorre de um emaranhado de fatores, mas sobretudo da pressão das elites brasileiras. Em todos os tempos, as elites se unem para manter seus privilégios. Não foi diferente naquele momento. Há quem diga que nossa independência foi uma revolução conservadora – o Brasil mudou para continuar igual. Naquele momento, continuamos sob a monarquia e com um contingente grande de negros escravizados. A mão de obra escrava era a base da economia, e a elite não abriu mão disso. Nosso país foi o último do continente americano a abolir o trabalho escravo. Isso só vai ocorrer mais tarde, em 13 de maio de 1888, sem um projeto de inserção social das massas escravizadas.

Esta edição de Vida Pastoral quer ser um olhar para nossa história à luz da fé. O prof. André Miatello discute a contribuição da Igreja católica para a independência do Brasil e para o fortalecimento do Estado imperial e das instituições públicas, bem como o papel da Igreja na oposição política ao regalismo do imperador e ao próprio regime monárquico. O prof. Maurício Abdalla, por sua vez, lança um olhar crítico sobre nossa independência, utilizando-se da categoria conceitual de “independência” e dos conceitos a ela relacionados e contrastando-os com a realidade histórica do país. Aponta, em conclusão, que a independência brasileira é meta ainda a ser conquistada, para a qual a Igreja tem muito a contribuir. Com o título “O índio e a independência do Brasil: uma questão ambígua”, o prof. Orlando Garcia põe em cena a participação dos índios nas comemorações desse evento histórico, considerando a política indigenista implementada pelo Estado português e pelo Império brasileiro. O prof. Eduardo Brasileiro faz uma síntese, à luz da conjuntura política, econômica e cultural atual, dos reflexos destes 200 anos na sociedade brasileira e analisa como os desafios deverão ser interpretados do ponto de vista pastoral e eclesial. Nesse sentido, o autor discute saídas a partir da 6ª Semana Social Brasileira. Por fim, Ir. Izabel Patuzzo nos oferece suas reflexões bíblico-pastorais nos roteiros homiléticos, para iluminar nossa experiência com a Palavra de Deus – afinal, vivemos neste mundo, pátria passageira, com suas tensões sociais e políticas, preparando-nos para a Jerusalém celeste, nossa pátria definitiva.

O Espírito Santo, que delicadamente conduz a história, nos impulsione, como comunidade eclesial, a trabalhar por um Brasil justo e solidário.

Boa leitura!

Pe. Antonio Iraildo Alves de Brito, ssp
Editor