Carta do editor

setembro-outubro de 2012

Graça e Paz!

Quem é Jesus para a comunidade do Evangelho de Marcos e para nós hoje? Aparentemente, uma pergunta com resposta evidente. Mas a questão não é tão óbvia assim. Na comunidade desse evangelho, uns diziam que Jesus era João Batista, outros, que era Elias, um dos profetas e o Messias. E na categoria “messias” cabiam muitas concepções diferentes da proposta de Jesus: poder dominador, glória, triunfalismo, violência. Hoje também, nas referências a Jesus e no interior do cristianismo, há muitas concepções diferentes e mesmo díspares: rei triunfante, sacerdote, psicólogo, economista, revolucionário, monge; espiritualidades voltadas apenas para a glória e para o transcendente, sem atenção à realidade social, e vice-versa.

O Evangelho de Marcos procura esclarecer quem de fato é Jesus para evitar distorções em seu seguimento. No mês da Bíblia deste ano, dedicado ao Evangelho de Marcos, temos a oportunidade de dar mais alguns passos no conhecimento e vivência desse evangelho.

O contexto da comunidade de Marcos era marcado pela dominação estrangeira, com suas consequências: número crescente de pessoas escravizadas, impostos abusivos, pedágios para circulação de pessoas e mercadorias, monopólio do comércio pelos romanos, muitas pessoas empobrecidas e doentes vagando pelas praças e mercados, repressão violenta das revoltas, incêndio e destruição de cidades. Enquanto isso, uma minoria de cerca de 5% da população esbanjava luxo e se beneficiava dessa situação. O sistema religioso, além da conivência com esse estado de coisas e do recebimento de impostos destinados ao Templo, promovia a teologia da retribuição e a lei da pureza, segregando e excluindo doentes e pobres e legitimando a riqueza injusta como bênção de Deus.

Em meio a essa realidade sofrida surgem muitos movimentos messiânicos voltados à libertação do povo, alguns violentos, e renasce o nacionalismo judaico, à espera de um Messias rei que instaure o reinado de Deus pela violência e dominação. Na comunidade de Marcos também havia atração por esse nacionalismo e pelos movimentos messiânicos. O evangelho recolhe as memórias sobre Jesus, mostrando que o messianismo dele é diferente.

Como poderemos aprofundar pela leitura dos artigos, o messianismo de Jesus não é o do poder e da glória; é o do Messias servo, que não veio mandar e dominar, mas conviver, solidarizar-se e libertar as pessoas exploradas e excluídas pelo império e pelo sistema religioso de então; um messianismo que passa pelo sofrimento da cruz por assumir as causas da justiça até o fim e se solidariza com os crucificados da história.

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Coincidentemente, antes de escrever este editorial, li a notícia de que um grupo de deputados iria se dirigir à CNBB para solicitar apoio a um projeto de lei que taxa grandes fortunas. A estimativa de arrecadação anual dessa taxação é próxima a R$ 14 bilhões, que, pela proposta, serão depositados no Fundo Nacional de Saúde (FNS) e destinados exclusivamente ao financiamento das ações e serviços públicos de saúde. Segundo a deputada Jandira Feghali, “o apoio de uma entidade séria e comprometida com a área social é fundamental para romper as barreiras e aprovar o projeto”.

Esta é boa possibilidade de, como Igreja, exercitarmos nossa solidariedade com os crucificados de hoje no Brasil e defendermos a vida numa perspectiva muito eficaz e concreta. Pois a morte prematura e injustificável de tanta gente por falta de tratamentos básicos de saúde – em contraste com a opulência em que vive pequena parcela da população brasileira – é gigantesco aviltamento da vida que brada por justiça. Certamente, o apoio da CNBB e de toda a Igreja pode dar uma força fundamental a esse projeto de lei, lembrando ter sido uma iniciativa da CNBB, com o recolhimento de 1,5 milhão de assinaturas, que desencadeou o processo de aprovação da lei da Ficha Limpa.

Pe. JaksonFerreirade Alencar, ssp

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