Roteiros homiléticos

Publicado em novembro-dezembro de 2022 - ano 63 - número 348 - pág.: 49-52

04 de dezembro – 2º domingo do Advento

Por Izabel Patuzzo*

O Reino de Deus está perto!

I. INTRODUÇÃO GERAL

A liturgia deste domingo apresenta a figura de João Batista, como o precursor de Jesus; sua pregação prepara o caminho para a chegada do Messias. Todas as leituras nos convidam a nos despojarmos dos valores egoístas e fugazes que às vezes orientam nossa vida, levando-nos ao distanciamento dos caminhos de Deus.

Na primeira leitura, o profeta Isaías fala do amor paternal do Senhor Deus e da resposta ingrata de Israel. Diante da indiferença do povo escolhido, o Senhor o corrige e educa com amor e misericórdia. Por isso, enviará um descendente de Davi, sobre quem repousa o Espírito do Senhor, e a missão desse personagem será reconstruir um reino de paz e justiça que não terá fim.

A segunda leitura dá continuidade à carta de Paulo endereçada aos romanos, recordando-lhes que cada cristão deve se esforçar para ser um rosto de Cristo visível no mundo. Quem segue a Jesus deve dar testemunho de união, de solidariedade e de caridade para com os necessitados, vivendo uma vida de harmonia com os outros, acolhendo e ajudando os irmãos e irmãs mais vulneráveis, conforme o ensinamento de Jesus.

O Evangelho nos apresenta a pregação de João sobre a vinda do Senhor, tema-chave do Advento. Assim como a mensagem de João preparou o caminho para Jesus no seu tempo, somos chamados a nos prepararmos. Respondemos à mensagem de João com nosso arrependimento e com a reforma de nossa vida. Também somos chamados a ser profetas de Cristo, que anunciam pela própria vida, como fez João, a vinda do Senhor.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (Is 11,1-10)

A primeira leitura retrata o período do rei Ezequias (714 a.C.), que, preocupado com o fortalecimento do Império Assírio, fez aliança com o Egito. Tal decisão política depositava toda a esperança de segurança no exército estrangeiro, à custa de submissão e pesados tributos, além de pôr em risco a segurança futura de seu próprio povo. O profeta Isaías era totalmente contra essa decisão política, pois tal iniciativa foi considerada uma afronta pelo poder assírio, que invadiu Judá, cercou Jerusalém e obrigou o rei Ezequias a se entregar à Assíria. Portanto, a realidade é desoladora e o povo está desiludido.

É nesse contexto que o profeta dirige a mensagem da primeira leitura, um oráculo em forma de poesia. Primeiramente, Isaías apresenta a chegada de uma pessoa que vem como mensageiro da paz. Essa personagem tem suas raízes em Jessé, da casa de Davi, pois Deus é fiel às suas promessas feitas à dinastia davídica. Tal enviado tem como missão reconstruir Israel e trazer a paz, porque nele repousa o Espírito do Senhor. O mesmo Espírito que esteve presente na criação, na ordem do universo, que animou todos os que estiveram à frente do povo escolhido e inspirou os profetas conduzirá também o novo enviado de Deus. O Espírito de Deus confere ao enviado todas as virtudes de seus antepassados que lideraram Israel: espírito de sabedoria e inteligência, como Moisés e Aarão, conselho e fortaleza, como Samuel, espírito de conhecimento e temor de Deus, como os patriarcas e as matriarcas, profetas, juízes e juízas.

A segunda parte do poema apresenta as características do Messias que virá. A aliança com Deus foi quebrada, mas o enviado vai trazer a paz de uma forma harmoniosa e surpreendente que envolverá toda a natureza, não apenas a criatura humana. Os animais domésticos irão conviver com os selvagens em completa harmonia e, como no paraíso, todos eles serão submetidos ao ser humano, representado pela criança, isto é, pelo ser humano na sua fragilidade e pequenez. Até mesmo a serpente, que provocou a desarmonia inicial no paraíso, se submeterá ao ser humano comprometido a reconstruir a harmonia. Todos os seres da natureza se empenharão para a superação total do desequilíbrio, das rivalidades, das divisões e de todo pecado. E, nessa parceria solidária, toda natureza se insere na dinâmica da construção de um mundo de paz.

2. II leitura (Rm 15,4-9)

Esta leitura proposta pela liturgia pertence à segunda parte da carta aos Romanos. Paulo apresenta o exemplo de Cristo, com o qual somos chamados a nos identificar. Na visão do apóstolo, a comunidade dos fiéis é formada de pessoas fortes, mas também de fracos. Por isso, os fortes são chamados a carregar as fragilidades dos fracos. Para edificar a comunidade, muitas vezes temos de nos dispor a carregar os fardos uns dos outros; exercitar a paciência para com a atitude imatura dos membros vulneráveis. A leitura nos apresenta a metáfora da edificação em sentido coletivo. O motivo para esse comportamento é que nosso Senhor Jesus Cristo carregou nos ombros o peso de nossos pecados. Ele é o único modelo que nos cabe imitar na vida.

Em sua mensagem, Paulo também exorta os cristãos a não fazer discriminações, mas acolher a todos a exemplo de Jesus, que incluiu no seu discipulado tantas categorias de pessoas desprezadas pela sociedade de seu tempo e consideradas desprezíveis. O comportamento sugerido pelo apóstolo sempre se fundamenta na pessoa de Jesus Cristo e nas Escrituras. Ele recorda que mesmo o Antigo Testamento já aponta para essa realidade, que Jesus levou à plenitude. Por fim, pede que o Deus da esperança cumule os fiéis de alegria, paz e fé.

3. Evangelho (Mt 3,1-12)

O evangelista Mateus, depois de apresentar os relatos da infância de Jesus, descreve a obra da pregação de João Batista. Este aparece, na tradição dos grandes profetas de Israel, pregando o arrependimento e a mudança de vida. De fato, a descrição de João encontrada nesta leitura lembra a descrição do profeta Elias em 2Rs 1,8. No texto da liturgia deste domingo, João dirige aos fariseus e saduceus – partidos dentro da comunidade judaica de seu tempo – um apelo particularmente contundente ao arrependimento.

O profeta faz forte apelo à conversão a todos os que o procuram, oferecendo-lhes o batismo de arrependimento. Provavelmente, aqueles que o procuravam faziam parte de um grande movimento de grupos que, na época, praticavam lavagens rituais para fins semelhantes. Ademais, o batismo de João pode estar relacionado com as práticas dos essênios, uma seita judaica do século I. Esse batismo pode ser entendido como uma antecipação do batismo cristão. Nessa passagem, o próprio João alude à diferença entre seu batismo e o que ainda está por vir: “Eu os batizo com água, para arrependimento. [...] Ele os batizará com o Espírito Santo e com fogo”.

João deixa bem claro que sua relação com o Messias ainda por vir (Jesus) é de serviço e subserviência: “[...] aquele que vem depois de mim é mais poderoso do que eu. Não sou digno de levar suas sandálias” (v. 11). No contexto do Evangelho de Mateus, a passagem deste domingo é seguida pelo batismo de Jesus por João, evento que é atestado em todos os quatro Evangelhos e parece ter marcado o início do ministério público de Jesus.

A figura de João Batista, por si só, questiona-nos e interpela-nos. Ele atua no deserto, lugar de escassez, de despojamento, de provações, mas também de proximidade com Deus. Nas Escrituras, é o lugar do encontro com Deus; de escutá-lo, de deixar-se conduzir por ele. João se veste de forma simples, contrastando com a suntuosidade das vestes dos sacerdotes do templo de Jerusalém. Seu modo de vida ressalta que ele não usufrui de nada da comunidade. Não é um homem só de palavras, mas também de atitudes bem concretas, que todos podem ver. Isso lhe dá autoridade para o chamado à conversão, porque ele é coerente com a mensagem que prega à multidão dos fiéis.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Para nós, cristãos, Jesus é o Messias que nos aponta o caminho da salvação. Ele iniciou uma nova comunidade de discípulos que se dispuseram a acolher sua proposta de fraternidade universal, fundamentada na prática da justiça, da harmonia e da paz. Jesus foi conduzido pelo Espírito Santo em tudo que fez e ensinou. Durante todo seu ministério público, convidou pessoas para viverem o amor, a solidariedade, a partilha, o compromisso com o bem comum, segundo a proposta divina. Nós, seus discípulos e discípulas de hoje, como estamos contribuindo para a continuidade de seu projeto?

Nossas comunidades devem ser, para o mundo, o rosto visível de um Deus amoroso, misericordioso, que propõe um estilo de vida pautado no acolhimento, no respeito a todas as pessoas e a todos os seres da natureza, mas, muitas vezes, presenciamos grandes divisões internas entre nós, faltando com o testemunho de unidade e harmonia; muitas vezes nos fechamos em círculos restritos a quem partilha nossas convicções, colaborando apenas com aqueles que concordam com nossa visão de mundo, estilo de vida, trabalho pastoral etc. O que podemos fazer para mudar essa realidade?

A pregação de João Batista, narrada por Mateus, é forte apelo à mudança radical de vida por causa do Reino dos céus. Essa mudança de mentalidade e de modo de agir é um retorno à proposta de fidelidade à Aliança que perpassa toda a Sagrada Escritura. Muitos ouvintes daquele tempo se converteram mediante o anúncio profético. Nós somos seus destinatários de hoje, pois fomos batizados em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Como filhos e filhas de Deus, esforçamo-nos para viver a comunhão com Deus e com os irmãos e irmãs? Vivemos a partilha com as pessoas que caminham ao nosso lado?

Izabel Patuzzo*

*pertence à Congregação Missionárias da Imaculada – PIME. Mestre em Aconselhamento Social pela South Australian University e em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. É licenciada em Filosofia e Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo. Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica. E-mail: [email protected]