Roteiros homiléticos

Publicado em maio-junho de 2022 - ano 63 - número 345 - pág.: 59-61

12º DOMINGO DO TEMPO COMUM – 19 de junho

Por Rita Maria Gomes, nj*

Cristo, fonte da purificação e da vida

I. INTRODUÇÃO GERAL

Passada a solenidade de Pentecostes, que encerra o tempo pascal, e a solenidade da Santíssima Trindade, voltamos para o Tempo Comum. Celebrando o 12º domingo do Tempo Comum, somos convidados a ver na vida de Jesus a promessa de salvação de Deus para cada um de nós. Na aparente contradição de sua paixão está a fonte que sacia nossa sede de Deus, expressa no Salmo 62.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (Zc 12,10-11; 13,1)

A profecia de Zacarias, aqui contemplada na primeira leitura, parece estranha nesta celebração, mas a aparente estranheza serve de alerta para que busquemos o essencial nesse trecho. O texto começa situando a ação de Deus, que chega como promessa a um destinatário: “Derramarei sobre a casa de Davi e sobre os habitantes de Jerusalém um espírito de graça e de oração, e eles olharão para mim” (12,10).

Deus vai preparar os judaítas para a chegada do Messias. O enigmático do texto, porém, é que o povo, a quem o enviado virá, só perceberá esse enviado diante do sofrimento e da morte, e então o chorarão como se chora pela perda de um primogênito. Esse texto de Zacarias parece ser devedor dos cantos do Servo de Isaías, porque a sequência do texto aponta para uma esperança que advém dessa situação mesma de sofrimento e morte: “Naquele dia, haverá uma fonte acessível à casa de Davi e aos habitantes de Jerusalém, para ablução e purificação” (13,1).

Esse trecho está construído de modo que a “a casa de Davi e os habitantes de Jerusalém” apareçam no início e no fim, em clara inclusão. Para o profeta, a promessa da ação de Deus – entenda-se, o envio do Messias – tem um destinatário certo, e este é o povo judaíta, representado emblematicamente pelas figuras da “casa de Davi”, na qual se assenta a expectativa messiânica da realeza, e, por extensão, pelos habitantes de Jerusalém. A promessa final ao povo, ainda enigmática, é a de uma fonte para ablução e purificação: o Messias padecente.

2. II leitura (Gl 3,26-29)

A segunda leitura, da carta aos Gálatas, fala sobre a condição daqueles que renunciaram a si mesmos e abraçaram a cruz de Cristo. A afirmação paulina é clara: em Cristo, todos os batizados se tornam filhos e filhas de Deus. Por isso, as categorias com as quais as pessoas eram classificadas e, assim, separadas perdem todo o sentido.

Daí o apóstolo poder dizer que já não existe nem judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher. Nenhuma dessas realidades deixou de existir de fato. A mudança se deu na valorização, ou não, das pessoas segundo essas distinções. Em Cristo, todos somos um só, e se somos de Cristo, somos da descendência de Abraão e temos direito à herança segundo a promessa de Deus a Abraão; ou seja, em Cristo todos somos abençoados.

3. Evangelho (Lc 9,18-24)

O trecho do Evangelho deste dia nos traz pelo menos três questões bem pertinentes. A primeira diz respeito à pessoa de Jesus, em relação com sua missão ou seu envio. Jesus interroga seus discípulos para saber o que o povo pensa e diz a seu respeito. As respostas são: João Batista, Elias ou um dos antigos profetas que ressuscitou (v. 19). Todas as respostas apontam para a tradição profética. Para o povo, Jesus é um profeta, e a discussão ou a incerteza consistem em saber qual deles Jesus é.

Jesus, contudo, não parece ficar satisfeito com a resposta incerta do povo e direciona sua pergunta aos discípulos: “E vós, quem dizeis que eu sou?” (v. 20). Não é de uma multidão distante que deve vir o reconhecimento de quem ele é, e sim daqueles que o acompanham de perto e, espera-se, o conhecem. Pedro responde, em nome dos outros discípulos e em seu próprio nome: “O Cristo de Deus” (v. 20). Sua resposta é simples e direta: “Tu és o Messias de Deus”, o ungido, enfim, o enviado por Deus. Dizer que Jesus é o Messias é dizer que ele é aquele esperado para resgatar o povo de Deus e trazer-lhe a salvação da parte de Deus.

No entanto, Jesus proíbe severamente que se divulgue essa informação. Tal proibição faz que o ouvinte entenda que a resposta de Pedro foi adequada, mas há algo mais. Esse algo mais é a segunda questão a ser considerada nesse texto: a chamada “predição da paixão”. Não é tempo ainda de falar, porque Jesus é Messias que passará pelo sofrimento, deverá ser rejeitado pelos anciãos, sumos sacerdotes e doutores da Lei – entenda-se, pela liderança religiosa de seu povo –, para depois ser morto e ressuscitar ao terceiro dia. O texto de Lucas é perspicaz: diz que Jesus deve “ser morto” (v. 22), não que “deve morrer”, indicando, assim, que a morte de Jesus não é natural nem desejada por Deus simplesmente, mas tem responsáveis por ela.

A terceira questão presente no Evangelho do dia não se relaciona diretamente com Jesus, e sim com seus seguidores – do seu e do nosso tempo. A questão agora versa sobre a adesão a Jesus Cristo. O Senhor nos diz quais as condições necessárias para sermos seus discípulos. A formulação de Lucas novamente impressiona, pois começa com um “se”, revelando a liberdade de decisão para o seguimento. O “se” acentua a possibilidade de acolhida livre do chamado ao seguimento de Jesus. Quem quer que decida segui-lo terá de “renunciar a si mesmo e tomar a cruz” (v. 23). A tomada da cruz exige a renúncia de si, pois quem se ocupa apenas de si não poderá nunca compreender a cruz, já que ela é o símbolo máximo da doação e da negação de si em vista dos outros.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

As leituras desta celebração convergem na figura de Jesus Messias padecente. Enquanto Messias que padece, morre e ressuscita, ele é a fonte para a purificação e salvação do povo, anunciada na profecia de Zacarias. Como fonte de purificação e salvação, ele é acessível a todos os que o buscam, uma vez que estejam preparados pelo “espírito de graça e oração” para assim reconhecê-lo.

Por isso, Paulo pode falar do batismo como revestimento do Cristo. A fonte da profecia de Zacarias dizia respeito à “ablução e purificação”, ou seja, tinha o aspecto de ritual de purificação para o encontro com o sagrado, prática habitual no mundo judaico. O batismo em Cristo, do qual fala Paulo, torna desnecessários os rituais de purificação, pois todos se revestem do Cristo. Isso significa que Cristo é a fonte de purificação e, portanto, de salvação.

No momento em que vivemos a negação de tantos direitos, conquistados a duras penas, e nos assaltam os fantasmas do desrespeito aos direitos de muitas categorias de trabalhadores, que a máxima cristão-paulina – “não há mais nem judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher” – ressoe em nossa mente e coração, e nos ajude a não nos deixarmos manchar pelas injustiças institucionalizadas que não revelam o Cristo, antes o crucificam novamente.

Rita Maria Gomes, nj*

*é natural do Ceará, onde fez seus estudos em Filosofia no Instituto Teológico e Pastoral do Ceará (Itep), atual Faculdade Católica de Fortaleza. Possui graduação, mestrado e doutorado em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje), onde lecionou Sagrada Escritura. Atualmente é professora na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). É membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém, que tem como carisma o estudo e o ensino da Sagrada Escritura. E-mail: [email protected]