Roteiros homiléticos

Publicado em maio–junho de 2020 - ano 61 - número 333 - pág.: 59-61

12º Domingo do Tempo Comum – 21 de junho

Por Pe. Francisco Cornélio Freire Rodrigues

A perseguição como consequência da fidelidade

I. Introdução geral

O tema central desta liturgia é a perseguição, como consequência da fidelidade aos propósitos de Deus. Isso está muito claro na primeira leitura e no evangelho. Na primeira leitura, em forma de desabafo, Jeremias confessa o seu drama de profeta perseguido e, ao mesmo tempo, renova sua confiança no Senhor. O evangelho apresenta Jesus instruindo seus discípulos para a missão e recordando que, inevitavelmente, eles serão perseguidos; portanto, faz três exortações contra o medo (cf. Mt 10,26.28.31). Isso torna evidente que uma das exigências da fé é a coragem. Por sinal, da relação entre a primeira leitura e o evangelho, podemos concluir que o profetismo e o discipulado de Jesus são inseparáveis, na medida em que convergem para um mesmo destino e comportam as mesmas exigências. Mais independente tematicamente, a segunda leitura contrapõe Adão a Cristo, evidenciando a vitória da vida sobre a morte e a superabundância da graça em relação ao pecado.

II. Comentários dos textos bíblicos

1. I leitura: Jr 20,10-13

O profeta Jeremias teve um dos ministérios proféticos mais longos em Israel, com duração de aproximadamente 50 anos. Foi chamado por Deus quando ainda era muito novo (cf. Jr 1,4-10), na época do rei reformista Josias (aproximadamente 627 a.C.). O livro que leva o seu nome é o que contém mais dados autobiográficos entre todos os livros proféticos do Antigo Testamento. Com muita frequência, o profeta é apresentado falando em primeira pessoa e expressando seus dramas pessoais, a ponto de algumas seções do livro serem chamadas de “confissões de Jeremias” (cf. Jr 11,18-12,6; 15,10-21; 17,14-18; 18,18-23; 20,7-18). A primeira leitura deste dia é tirada de uma dessas confissões, especificamente da quinta, e reflete uma perseguição sofrida pelo profeta, como consequência de um oráculo crítico que ele tinha proferido no Templo (cf. 20,14-15). Um sacerdote, de nome Fassur, escutou a sua pregação e mandou espancá-lo e prendê-lo imediatamente (cf. 20,1ss). Essa foi, aliás, a primeira violência física que o profeta sofreu por causa da sua pregação.

No trecho lido neste domingo, o profeta começa descrevendo a sua dramática situação (cf. v. 10): havia verdadeiro complô contra ele; por onde passava, era alvo de denúncias e escárnio. Como se não bastasse a oposição dos seus adversários, até mesmo os seus amigos passaram a vigiá-lo, procurando qualquer motivo para criticá-lo e armar ciladas contra ele. O profeta desabafa por sentir-se abandonado por todos, também pelos amigos, mas interpreta a situação como uma oportunidade para renovar a confiança no Senhor (cf. v. 11), acreditando que o bem vencerá o mal e os inimigos se envergonharão, derrotados. O pedido de vingança (cf. v. 12), aqui, não pode ser interpretado literalmente. O que o profeta deseja é que a justiça seja feita e o mal eliminado; não deseja a morte do inimigo, mas a conversão. O profeta confia tanto em Deus, que finaliza com um hino de louvor, cantando antecipadamente a sua própria libertação.

2. II leitura: Rm 5,12-15

Continuamos a leitura da carta de Paulo aos Romanos. No domingo passado, apresentamos alguns elementos do seu contexto, à guisa de introdução, e hoje damos prosseguimento, recordando que, além de ser a mais extensa, é a mais rica das cartas paulinas em conteúdo teológico. Devido à importância dos temas tratados, é o escrito de Paulo mais repercutido pela teologia cristã, constituindo, aliás, fonte das principais controvérsias e discordâncias entre a tradição católica e algumas Igrejas de tradição reformada.

O trecho utilizado nesta liturgia é considerado pelos exegetas um dos mais difíceis. Nele, Paulo emprega um dos seus recursos retóricos prediletos – a antítese – para contrapor as figuras de Adão e Cristo, a fim de evidenciar a superioridade de Cristo e a superabundância da graça de Deus derramada por intermédio dele (cf. v. 15), cujas consequências são infinitamente superiores às do pecado de Adão (cf. v. 12). Mesmo que retoricamente o apóstolo estabeleça a comparação, a graça de Deus e o pecado são incomparáveis (cf. v. 14). Está em jogo também a contraposição entre a Lei e a graça (cf. v. 13), um dos principais temas de toda a carta. A Lei não é capaz de eliminar o pecado, mas apenas de identificá-lo; por isso, ela não justifica. Somente a graça de Deus manifestada em Jesus é capaz de justificar, pois ele venceu a maior consequência do pecado: a morte. Enfim, a força de Cristo é superior ao mal, e esta certeza é sinal de grande esperança.

3. Evangelho: Mt 10,26-33

Este evangelho é tirado do segundo discurso de Jesus no Evangelho de Mateus, o chamado “discurso missionário”, cuja leitura iniciamos no domingo passado. Esse discurso é composto de um conjunto de instruções e advertências de Jesus aos seus discípulos quanto ao modo de apresentar-se e comportar-se num mundo hostil aos valores do Reino dos céus. Na verdade, o conteúdo desse discurso, especialmente o trecho lido nesta liturgia, reflete mais a situação das comunidades de Mateus do final dos anos 70 d.C., quando o evangelho foi escrito. Na época, além das perseguições e hostilidades empreendidas pelo judaísmo oficial, havia perseguição aos cristãos pelo Império Romano, sob o comando de Domiciano. Podemos dizer, então, que o evangelista atualizou o ensinamento de Jesus aos doze primeiros discípulos e aplicou-o à situação das suas comunidades. Recordemos que Jesus está preparando os discípulos para enviá-los em missão, com a finalidade de transformar a situação de abandono de um povo que estava sem rumo, como ovelhas sem pastor (cf. Mt 9,36ss). O desafio dos discípulos consiste exatamente em anunciar que “o Reino dos céus está próximo”, (10,7) onde predomina o “antirreino”, ou seja, projetos de morte e negação da vida, com as mais variadas formas de exploração. É uma missão bastante desafiadora. Por isso, a insistência de Jesus com o encorajamento dos discípulos, fazendo da exortação contra o medo uma espécie de refrão no evangelho deste dia (vv. 26.28.31). Como Jesus compartilhou com os discípulos as mesmas atribuições da sua própria missão (cf. 10,1.8), é óbvio que os discípulos receberiam hostilidades semelhantes, sofrendo as mesmas consequências.

A primeira exortação contra o medo (cf. v. 26) recorda que os discípulos não podem omitir nada do que lhes fora ensinado por Jesus (cf. vv. 26-27). O que havia de encoberto e escondido era o mistério do Reino, aquilo que até então somente os discípulos tinham aprendido com o Mestre, sobretudo o seu jeito de viver. Não se trata de planos secretos. O jeito de Jesus viver precisava ser conhecido por todos, já não podia ser privilégio de um grupo pequeno ou de uma comunidade exclusiva. No entanto, como a vida de Jesus ia de encontro ao que os sistemas da época propunham, tornava-se arriscado para os discípulos anunciar e, principalmente, viver como ele vivia.

A segunda exortação é impressionante, porque prevê a perseguição, até com violência física, como inevitável (cf. vv. 28-30). Pouco tempo antes, Jesus tinha alertado os discípulos de que seriam açoitados e entregues às sinagogas e tribunais (cf. 10,17), por isso pede que, mesmo assim, não tenham medo. De fato, quem tem medo da morte não está apto para o seguimento de Jesus. A oposição entre alma e corpo é a distinção entre uma vida restrita à dimensão biológica (corpo) e uma vida plena (alma), uma vida com sentido, própria de quem vive os valores do Reino. Esta ninguém consegue tirar. Não há aqui nenhuma relação com o dualismo grego corpo-alma. A alma, para a comunidade de Mateus, significa a totalidade do ser humano, que encontra sentido para a vida na experiência de amor-comunhão com Jesus.

A terceira exortação completa e aperfeiçoa a segunda (cf. v. 31), mostrando que a superação do medo passa pela confiança no Pai. Nesse sentido, Jesus usa dois exemplos de coisas aparentemente insignificantes: os pardais e o cabelo (cf. vv. 29-30). Os pardais eram os pássaros comestíveis comercializados por menor valor, e o cabelo a unidade do corpo mais insignificante. Se até essas coisas são merecedoras da atenção do Pai, muito mais será a vida do discípulo que levar a sério o seguimento de Jesus e a missão de fazer o Reino dos céus acontecer na terra.

A comunidade que levar a sério a mensagem de Jesus, superando dificuldades e medos, anunciando com determinação a chegada do Reino, transformando situações de morte em vida, terá, não como prêmio, mas como consequência, a certeza do testemunho do próprio Jesus diante do Pai (cf. vv. 32-33). De fato, receber o testemunho de Jesus diante do Pai é a certeza de que a vida foi levada a sério. Levar a vida a sério e conduzi-la de acordo com o evangelho é um ato de coragem.

III. Pistas para reflexão

Fidelidade ao projeto de Deus e perseguição são coisas inseparáveis. Ao comentar as leituras, é importante questionar e levar a comunidade a refletir sobre quais são, nos dias atuais, os sinais que evidenciam fidelidade da comunidade cristã aos propósitos de Jesus.

Pe. Francisco Cornélio Freire Rodrigues

é presbítero da Diocese de Mossoró-RN. Possui mestrado em Teologia Bíblica pela Pontificia Università San Tommaso D’Aquino – Angelicum (Roma). É licenciado em Filosofia pelo Instituto Salesiano de Filosofia – Insaf (Recife) e bacharel em Teologia pelo Ateneo Pontificio Regina Apostolorum (Roma). É professor de Antigo e Novo Testamentos na Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (Mossoró-RN). é presbítero da Diocese de Mossoró-RN. Possui mestrado em Teologia Bíblica pela Pontificia Università San Tommaso D’Aquino – Angelicum (Roma). É licenciado em Filosofia pelo Instituto Salesiano de Filosofia – Insaf (Recife) e bacharel em Teologia pelo Ateneo Pontificio Regina Apostolorum (Roma). É professor de Antigo e Novo Testamentos na Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (Mossoró-RN).