Roteiros homiléticos

Publicado em maio-junho de 2023 - ano 64 - número 351 - pp.: 39-41

14 de maio – 6º domingo da Páscoa

Por Marcus Mareano*

O Paráclito nos faz viver o amor

I. INTRODUÇÃO GERAL
O tempo pascal vai se concluindo, e as experiências com o Senhor ressuscitado devem ser praticadas e transmitidas. Cristo passa a ser visto e percebido por meio de seus seguidores. O testemunho de fé resplandece em meio às trevas da desesperança. A primeira leitura descreve a expansão da mensagem cristã entre os samaritanos e como eles recebem o dom do Espírito Santo (At 8,5-8.14-17). O texto de 1Pd 3,15-18 convida a comunidade a “dar razões de sua esperança” (3,5) diante de um meio adverso à fé cristã. Finalmente, no Evangelho (Jo 14,15-21), Jesus promete o Paráclito, como permanência dele nos discípulos para que vivam o amor. Os textos já nos aproximam do evento de Pentecostes. O Espírito Santo prometido nos faz viver o que Jesus ensinou. Façamo-nos disponíveis e dóceis para a ação de Deus que nos conduz!
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (At 8,5-8.14-17)
Continuamos a leitura dos Atos dos Apóstolos, apresentando os primórdios da comunidade de fé. O trecho deste domingo narra um “novo Pentecostes”, desta vez entre os pagãos na Samaria. A primeira parte da leitura (v. 5-8) conta como Filipe chegou à Samaria para anunciar o Evangelho e o que ele causou com isso. As multidões o ouviam e muitos sinais o acompanhavam, confirmando que Filipe continuava a missão de Jesus (curas, expulsões dos espíritos impuros etc.). A cidade se alegrava com a pregação do discípulo e com o conhecimento de Cristo. A alegria messiânica se realiza conforme a experiência de fé no Messias esperado (5,41; 8,39; 11,23; 13,48.52; 15,3.31). Enquanto isso, os outros discípulos em Jerusalém souberam da notícia e foram até a Samaria para conferir (v. 14). Pedro e João oraram e impuseram as mãos para que os samaritanos recebessem o Espírito Santo (v. 15-17), pois estes só tinham recebido o batismo em nome de Jesus. Os dois apóstolos confirmam a missão de Filipe e repetem o gesto comum da Igreja (imposição de mãos: Hb 6,2; Mt 19,15; At 6,6; 9,17; 19,6). O dom recebido pelos primeiros discípulos em Jerusalém agora se manifesta entre os samaritanos, considerados sincréticos pelos judeus daquele tempo. O Espírito Santo desacomoda os cristãos e os livra do acanhamento para ousarem na transmissão do Evangelho. A mensagem cristã não se restringe a um grupo ou lugar, mas se destina às pessoas de todos os tempos e lugares. Assim deve continuar a ser na contemporaneidade.
2. II leitura (1Pd 3,15-18)
A mensagem da primeira carta de Pedro indica à comunidade como expressar a fé cristã entre os pagãos. Essa vivência distingue os cristãos no ambiente plural do Império Romano. No início, o autor convida os cristãos a “santificar o Senhor”, isto é, testemunhar com a vida que ele é o Santo (1,16), estando sempre prontos a dar razão da própria esperança a todo aquele que lhes pedir (v. 15). A esperança de que 1Pd fala em 1,3.13.21 e 3,15 tem sua razão em Jesus Cristo, que Deus ressuscitou dos mortos. Por causa desse agir divino na história humana, esperamos a vida em plenitude para o futuro. Esperar não significa aguardar passivamente. Ao contrário, a esperança da fé não se contenta com aquilo que é, mas olha para um futuro melhor, impulsiona para a ação e move para a ética cristã. A esperança nos faz buscar sempre novos caminhos para possibilitar a realização do bem. Em seguida (v. 16-17), o autor explica como “dar razão” da esperança. Deve ser com respeito e humildade e conforme a consciência cristã. Assim, aqueles que difamam os cristãos por causa da boa conduta em Cristo ficarão com vergonha. É melhor sofrer praticando o bem do que praticando o mal, conforme Jesus mostrou com sua própria história humana. Por fim, o exemplo de Cristo é evocado (v. 18). Ele morreu pelos pecados da humanidade, o justo pelos injustos, a fim de nos conduzir a Deus. Uma morte “segundo a carne”, ou seja, à maneira dos homens, pois Jesus era verdadeiramente humano. Porém, foi revivificado pelo Espírito de Deus em sua ressurreição.
3. Evangelho (Jo 14,15-21)
Continuamos a leitura deste capítulo do Evangelho de João. O ensinamento de Jesus antes da morte deve se tornar o modus vivendi dos seus discípulos e dos cristãos de hoje. A confirmação do amor a Jesus é guardar seus mandamentos (v. 15). Assim, ele pede ao Pai uma instância que, na sua ausência, ajude seus discípulos: outro Paráclito – portanto, um continuador do primeiro paráclito, que é Jesus mesmo. Trata-se do Espírito da Verdade, que vem de Deus para nos conservar na verdade que Jesus nos dá a conhecer em sua própria pessoa. O mundo não é capaz de conhecê-lo, mas os fiéis o conhecem e o experimentam, porque permanece neles (v. 17). No Quarto Evangelho, o Espírito Santo possui, além das características comuns atribuídas a ele no Novo Testamento (sopro, dinamismo de Deus que inspira pessoas, poderes milagrosos etc.), algumas feições específicas. Ele permanece em Jesus (Jo 1,33) e nos fiéis (Jo 14,17). Não é uma inspiração passageira, mas realidade permanente. Ele é chamado de “paráclito”, que significa confortador ou defensor judicial (advogado de defesa). Jesus mesmo é chamado assim na tradição joanina (Jo 14,16; 1Jo 2,1). Todavia, enquanto Jesus é nosso defensor junto do Pai, o outro Paráclito é nosso defensor no processo contra o mundo (Jo 14,16-17; 14,26; 15,16; 16,7-14). Ele é o Espírito da Verdade (Jo 14,17; 15,26; 16,13), no sentido de que se opõe às forças da mentira e das trevas que tentam dominar o mundo. Por isso, ele nos conduz na plena verdade, também nas coisas por vir (Jo 16,13). Nesse sentido, o Espírito-Paráclito é o intérprete de Deus na história da comunidade cristã, cumprindo, por assim dizer, a missão dos profetas do Antigo Testamento. Jesus não abandona seus discípulos. Embora seja um discurso de despedida, ele promete um retorno (v. 18). Sua morte não é uma despedida para sempre. Jesus sai do mundo, mas os fiéis hão de vê-lo na vida gloriosa de Deus. Quem acredita nele participa da mesma vida e já passou da morte para essa vida (Jo 5,24). Assim, os discípulos reconhecerão que Jesus está no Pai e os discípulos em Jesus. Esse é o lugar que Jesus prepara para eles e para quem nele crê (Jo 14,3). Aquele que acolhe seus mandamentos e os guarda é quem o ama e vai ser amado pelo Pai. Essas pessoas são amadas por Jesus e ele se manifesta a elas (v. 21). Logo, a prática do amor nos faz encontrar o Cristo glorificado entre nós.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
Estamos próximos da celebração de Pentecostes, e a liturgia nos prepara para a acolhida do dom do Espírito Santo. A Igreja nascente não se contenta em permanecer em Jerusalém e arredores, mas expande a mensagem cristã entre os samaritanos, que acolhem com alegria e experimentam o dom de Pentecostes (cf. I leitura). Jesus, no Evangelho, explicita a vinda do Espírito Santo, o Paráclito, a seus discípulos. Este assegurará a permanência de Jesus com eles e deles com Jesus – consequentemente, com o Pai, na comunhão da qual todos somos chamados a participar. A fé em Cristo é uma vivência dessa comunhão com Deus em Jesus Cristo, manifestada aos irmãos. O Espírito em nós nos move para a caridade evangélica. A segunda leitura mostra a necessidade de testemunhar a fé cristã em um contexto adverso. A prática do amor, inspirada pelo Espírito Santo, é a melhor maneira de demonstrar a esperança cristã, pois, se esperamos em Cristo, vivemos como ele viveu e ensinou a viver. “Dar razões” – literalmente, fazer apologia – da esperança não significa discutir ideias, mas exprimir que nossa esperança está em Cristo Jesus. Para além das imagens e símbolos, é decisivo perceber a presença do Espírito de Deus dentro de cada um de nós. Ele provoca movimentos, ativa as brasas escondidas no coração, faz-nos fortes, alegres, valentes, apaixonados, audazes e sábios. Cabe-nos acolhê-lo com coração simples e confiante. Que ele atue em nós com liberdade, inspirando-nos e fazendo-nos mais criativos. Ele

Marcus Mareano*

*Pe. Marcus Mareano é bacharel em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará (Uece); bacharel e mestre
em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje); doutor em Teologia Bíblica com dupla
diplomação: pela Faje e pela Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica (KU Leuven); professor adjunto de
Teologia na PUC-MG e de disciplinas isoladas em diferentes seminários. Desde 2018, é administrador
paroquial da paróquia São João Bosco, em Belo Horizonte-MG. E-mail: [email protected]