Publicado em setembro-outubro de 2024 - ano 65 - número 359 - pp. 42-45
22 de setembro – 25º Domingo do Tempo Comum
Por Pe. Junior Vasconcelos do Amaral*
O Senhor é quem sustenta minha vida
I. INTRODUÇÃO GERAL
A liturgia deste domingo convida-nos a manter nossa fé viva em Deus. É o Senhor quem sustenta nosso caminho e refaz nossa esperança a fim de que possamos seguir os passos de Jesus, seu Filho, que teve sua vida consumada na cruz. Na primeira leitura, o livro da Sabedoria nos anima a confiar no Senhor: a vida dos justos está nas mãos de Deus. Os ímpios, por mais que queiram, não poderão destruir a vida dos justos. Na segunda leitura, Tiago provoca-nos a converter nossas comunidades: de lugares de rivalidade para espaços de comunhão. É necessário deixarmos de lado as paixões e vivermos o amor – tanto aos irmãos quanto a Deus. No Evangelho, Jesus ensina seus discípulos a serem humildes e a servir sem distinções – o primeiro na comunidade deve ser o servo de todos. Acolher os vulneráveis é um sinal de comunhão com ele e com o Pai, que o enviou.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (Sb 2,12.17-20)
Este texto do livro da Sabedoria faz parte da coleção sapiencial e apresenta o justo sendo molestado pelos ímpios, que desejam consumir e destruir sua vida. No v. 12, o autor nos leva a pensar nas maquinações presentes na cabeça do ímpio: “armemos ciladas ao justo porque sua presença nos incomoda...”. Três são as causas dessa oposição: 1) “ele se opõe ao nosso modo de agir”; 2) “repreende em nós as transgressões da lei”; 3) “nos reprova as faltas contra a nossa disciplina”. Na literatura sapiencial, há dois modos de viver a vida: justa ou injustamente; de forma sábia ou tola. Dessa maneira, os justos são perseguidos por sua conduta de justiça (tsedaqah, em hebraico). O v. 17 apresenta, nas maquinações do ímpio, o desejo de lhe armar uma cilada, pondo o justo à prova. Se este é filho de Deus, o Senhor o defenderá, desafia a astúcia do ímpio, no v. 18. Depois, fazendo uso do verbo “vamos”, o injusto deseja pôr à prova o justo e, em seguida, condená-lo a uma morte vergonhosa. A perversão do ímpio não tem limites: intenta testar a serenidade e a paciência do justo (v. 19) e condená-lo à morte, para ver se alguém virá salvá-lo. Essa narrativa da Sabedoria invoca a capacidade do justo de resistir a todo projeto de morte que o circunda.
2. II leitura (Tg 3,16-4,3)
Tiago reflete, no v. 16, que, onde estão a inveja e a rivalidade, aí está a causa de todas as desordens humanas. Esses maus sentimentos estão presentes na comunidade dos discípulos de Jesus – a Igreja. Por sua vez, a sabedoria de Deus, que vem do céu (v. 17), é pura, pacífica, modesta, conciliadora e misericordiosa, gera bons frutos, não tem parcialidade nem fingimento. A justiça gera seus frutos na paz (v. 18) para aqueles que a promovem. Em 4,1, o autor destaca que guerras e brigas são oriundas das paixões desordenadas, no interior dos corações humanos. No v. 2, a comunidade é acusada de atos de pecado: “Cobiçais, mas não conseguis ter. Matais e cultivais inveja, mas não conseguis êxito. Brigais e fazeis guerra, mas não conseguis possuir. E a razão está em que não pedis”. Todo esse descompasso tem como razão a forma de pedir, pois se trata de orações más, que não levam o ser humano à perfeita comunhão com Deus, mas apenas buscam a satisfação de seus desejos (v. 3). Tiago convida a comunidade dos fiéis a deixar de lado os sentimentos maus e a orar em vista da comunhão salvífica com Deus.
3. Evangelho (Mc 9,30-37)
O Evangelho deste domingo se passa na travessia do mar da Galileia. Seguindo a dinâmica do segredo messiânico, Jesus não queria que ninguém soubesse o que ele estava fazendo. O segredo messiânico faz parte da construção teológica de Marcos, que considera a cruz como o lugar da revelação plena de Jesus (Mc 15,39). Contudo, outra vez Jesus anuncia sua paixão, morte e ressurreição. É válido lembrar que, na perspectiva desse evangelista, Jesus realiza, antes da narrativa da paixão, três anúncios prévios (8,31; 10,32-34). Jesus estava ensinando seus discípulos (v. 30-31). Em Marcos, vale notar que o Senhor é verdadeiro mestre que ensina. Ele é o didáskaloi que vai, mistagogicamente, ensinando a seus discípulos o sentido daquilo que eles estão fazendo em seu seguimento. No v. 32, Marcos salienta que eles não compreendiam as palavras de Jesus e tinham medo de perguntar-lhe algo. Nesse Evangelho, um elemento significativo é a incompreensão por parte dos discípulos, que são lentos em discernir quem Jesus é. Eles acreditavam que o Senhor fosse para Jerusalém a fim de reinar. Jesus, porém, nesse prenúncio, afirma ir para morrer. Esvazia-se, assim, o sentido que os discípulos formaram a respeito do Messias. Jesus se propõe como um “Messias alternativo”, diferente e inesperado, que vai doar a vida na cruz, em resgate de muitos (Mc 10,45).
No v. 33, ao chegarem a Cafarnaum, na casa de Simão Pedro (Mc 1,29), Jesus pergunta-lhes: “O que discutíeis pelo caminho?” Eles, porém, calados, não disseram nada, pois pelo caminho tinham discutido quem era o maior (v. 34). Jesus sentou-se (v. 35) – posição daquele que é o mestre, daquele que ensina – e começou a dizer-lhes: “Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos”. Essa inversão de posições demonstra o sentido verdadeiro para Jesus: o primeiro é o que serve, e não aquele que é servido. Nos v. 36-37, o Senhor pegou uma criança, colocou-a no meio deles e, abraçando-a, disse: “Quem acolher em meu nome uma destas crianças é a mim que estará acolhendo. E quem me acolher, está acolhendo não a mim, mas àquele que me enviou”. É sabido que, na sociedade do tempo de Jesus, as crianças não tinham importância social de destaque. Ao fazer isso, o Senhor tira as crianças da periferia existencial e as coloca no centro, pois a vida de cada uma delas é imprescindível para o Reinado de Deus, simbolizando a abertura irrestrita ao Reino, por sua fragilidade, despojamento e autenticidade. Acolher uma criança é, a partir de agora, acolher o próprio Jesus; e acolhê-lo é acolher o Pai. Para o Senhor, as crianças têm uma dignidade imprescindível, pois retratam a absoluta abertura ao amor de Deus.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
Evidenciar que a comunidade dos cristãos, a Igreja, deve ser lugar de comunhão, de fé e de amor, a fim de superarmos as divisões e as rivalidades – frutos das paixões egoístas. Cultivar na comunidade eclesial a fé em Deus, que não abandona a vida do justo, mas o acompanha com amor. Perceber que o primeiro entre todos é aquele que serve sem distinções. Dessa maneira, a Igreja é lugar do serviço e da diaconia do Reino. A Igreja deve defender a vida, especialmente de nossas crianças, muitas vezes vítimas de abusos e desrespeito.
Pe. Junior Vasconcelos do Amaral*
*é presbítero da arquidiocese de Belo Horizonte-MG e vigário episcopal da Região Episcopal Nossa Senhora da Esperança (Rense). Doutor em Teologia Bíblica pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje), realizou parte de seus estudos de doutorado na modalidade “sanduíche”, estudando Narratologia Bíblica na Université Catholique de Louvain (Louvain-la-Neuve, Bélgica). Atualmente, é professor de Antigo e Novo Testamentos na PUC-Minas e pesquisa sobre psicanálise e Bíblia. E-mail: [email protected].