Roteiros homiléticos

06 de julho – 14º DOMINGO DO TEMPO COMUM

Por Pe. Johan Konings, sj

O MESSIAS HUMILDE E NÃO VIOLENTO

I. INTRODUÇÃO GERAL O profeta cristão deve ser um pequenino: a eficácia de sua mensagem se confirma na reação de bondade gratuita que ele provoca no coração dos que recebem a mensagem. No evangelho de hoje, contemplamos o modelo deste tipo de profeta: Jesus. Não apenas como mensageiro, mas como detentor de tudo o que o Pai lhe deu nas mãos, ele é humilde e livre de toda forma de violência (militar, política, intelectual, religiosa e cultural). Nele reconhecemos a plena realização da figura de Zc 9,9-10 (1ª leitura), o Messias humilde, que troca o cavalo militar por um jumentinho.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (Zc 9,9-10)

A primeira leitura apresenta o rei messiânico é humilde. É tirada da segunda parte do livro de Zacarias (Zc 9-14), que contém pregações do século IV a.C. Naquele tempo, os judeus já não tinham rei próprio. Os direitos régios, naquele tempo, estavam nas mãos de reis estrangeiros, Alexandre Magno e seu sucessores. Zacarias exprime a “saudade do futuro”, o anseio por um rei não violento e opressor, um rei que fosse justo e não recorresse à violência (é isso que o termo “manso” quer dizer). O profeta imagina este Esperado de Deus, o Messias, como um rei diferente: em vez de entrar na cidade sentado num cavalo guerreiro, está sentado num jumento, animal que simboliza, ao mesmo tempo, a mansidão e a paz, pois, sendo animal de carga, serve para o bem-estar do povo e não para a destruição. Esse rei acabará com os carros e os arcos de guerra e estenderá, como outrora Davi, um império de paz de um mar (o Mediterrâneo) a outro (o golfo de Ácaba). Este rei está na mesma linha que o justo oprimido por seu próprio povo (cf. Zc 12,10; 13,7-9), assim como, anteriormente, o Servo Padecente de Deus (cf. Is 42,1-4; 52,13-53,12). Ele é justo e dedicado a Deus, que o ajuda e faz dele o salvador do povo que tinha sido dispersado pelo exílio babilônico e por outras violências.

2. Evangelho (Mt 11,25-30)

O evangelho de hoje sugere que Jesus é quem leva à plenitude o “messianismo diferente” presente em Zc 9 (1ª leitura). Com maior clareza ainda, encontraremos essa realização da profecia de Zacarias em outro cenário do evangelho: a entrada de Jesus em Jerusalém, situada, significativamente, no começo da semana da Paixão (cf. Mt 21,1-10 e paralelos). Quanto ao evangelho de hoje, sua relação com o texto de Zc 9 está, sobretudo, no tema da mansidão. Jesus acolhe os humildes e revela a eles – e não aos sábios e entendidos – algo que não vem de instância humana, mas do Pai (cf. Mt 11,25-27). E, por causa de sua mansidão, seu “jugo” (= sua doutrina e orientação) é leve e suave (cf. Mt 11,28-30, festa do Sagrado Coração). O contexto em que a leitura do evangelho de hoje se situa é o seguinte: Jesus acaba de censurar as cidades da Galileia por causa de sua autossuficiência e orgulho (cf. Mt 11,20-24). Em oposição a esse orgulho, surge a figura do mestre humilde, do revelador de Deus que se dirige aos simples e “pequenos” (apelido aplicado aos discípulos-missionários cristãos). Aqui, o que vale não são os critérios de grandeza humana, mas o puro dom gratuito de Deus: Jesus é o Filho, aquele que conhece o Pai por dentro e pode dispor de tudo o que é do Pai (cf. Mt 11,25-27, o “júbilo de Jesus”). Concatenada com essas palavras de júbilo, segue outra sentença (v. 28-30): um convite aos humildes para que acolham o “jugo” do mestre humilde. Jesus é um mestre diferente. Seu jugo, à diferença do de outros rabinos, não pesa nem machuca: é suave, dá paz e descanso às almas. Jesus é o mestre humilde e manso de coração, porém não no estilo “água com açúcar”. Para compreender melhor o que se quer dizer com humildade e mansidão, veja-se o que é o contrário. O contrário da humildade (literalmente, “estado baixo”) são o orgulho e a ostentação, que caracterizam os “grandes” de todos os tempos. E o contrário da mansidão (ou mansuetude) de Jesus é a violência. Ora, se a missão de Jesus e do missionário cristão (posto em foco no 13º domingo comum) é abrir as portas dos corações, para que serviria a violência? A violência não converte ninguém. Da violência não se pode esperar resultado válido e duradouro. Mesmo que, às vezes, a ética nos obrigue a usar de pressão ou força (por exemplo, para proteger a vida de um inocente contra um criminoso), nunca se recorrerá à violência para comunicar uma convicção ou, como o fazia a Inquisição, impor a fé! Antes pelo contrário: na violência que se lhe opõe, o coração violento encontrará uma justificativa para si! Só a “mansidão” (no sentido de firmeza permanente) desmancha os argumentos da violência – lição do grande Mahatma Gandhi e, sobretudo, de Jesus crucificado.

3. II leitura (Rm 8,9.11-13)

Na segunda leitura, encontramos uma mensagem semelhante: viver conforme o Espírito. Fechado a Deus, o ser humano é “carne”, existência humana limitada, sem perspectiva. Se ele não se abre a Deus, também seu intelecto é “carnal”. Mas quem se abre ao Espírito (que vivificou o Cristo), até seu corpo se torna espiritual, destinado para a vida verdadeira. A oposição “carne-espírito” corresponde à oposição “morte-vida”. Toda a nossa vida – corporal, psicológica, intelectual – deve estar a serviço do Espírito; à “carne” (no sentido paulino de autossuficiência) não devemos nada. Os critérios da vida nova em Cristo, ou seja, da vida espiritual, são bem diferentes dos da vida antiga, carnal. O Espírito é a força vivificadora e transformadora que nos é dada em Jesus Cristo e da qual sua ressurreição é o sinal (v. 11). Não devemos nada aos critérios estreitamente humanos, fechados no egoísmo. É difícil convencer-nos disso. Estamos sempre prestando contas a critérios humanos, que nos são impostos sem a mínima “razão razoável”: moda, consumo, aparência, ditadura, medo. Parece até que temos medo de não ter algum poder ao qual prestar contas. Temos medo da liberdade do Espírito, da liberdade dos filhos de Deus. Ora, não estamos devendo nada àquilo que, nesses critérios mundanos, se opõe à vontade de Deus. Quantas vezes participamos ativa ou passivamente de atitudes e juízos injustos, de pressões exercidas sobre outras pessoas, de “proveitos” injustos e de egoísmo grupal! A tudo isso, não estamos devendo nada. Nosso compromisso é outro.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO: Jesus, a violência e a mansidão

Percebe-se, no mundo, violência crescente. O terrorismo e o banditismo suscitam nas pessoas a vontade de responder com violência. Está certo usar de violência para enfrentar a violência? Conforme o plano de Deus, não. Seu enviado é o mestre manso e humilde, cujo jugo é suave. O evangelho ensina a revelação da mansidão de Jesus aos pequeninos e mansos, aos não violentos. A pregação de Jesus provoca opção a favor ou contra seu modo de ver e de ser. Contra Jesus optam as ambiciosas cidades da Galileia (cf. Mt 11,20-24). A favor dele, os humildes que escutam sua palavra e a põem em prática (cf. Mt 11,25-30). Os que recebem sua revelação, não os que estão cheios de si, é que vão conhecer o íntimo de Jesus, seu coração iluminado pelo amor que ele recebe do Pai e que o leva a amar seus irmãos até o fim. Jesus é o mestre dos humildes, porque ele é, no sentido bíblico, manso, não opressor. E assim é também sua doutrina. Jesus mostra o sentido pleno da mensagem do profeta Zacarias que apresenta o Messias como rei pacífico, não violento e não opressor (1ª leitura). A missão do Messias não se realiza pela violência e pela opressão, mas pela mansidão de um pedagogo, que deixa penetrar nos humildes, gota por gota, o espírito de amor e solidariedade que faz crescer o verdadeiro Reino de Deus. É por isso que o mistério de Deus e de seu Filho se manifesta no coração dos humildes, enquanto os poderosos o rejeitam. Jesus convida os “cansados”. Estes são muitos, entre nós, hoje. Os que já não aguentam o arrocho salarial, a subnutrição, a degradação da vida social e pública, a violência econômica, a exclusão em todas as suas formas. Será que Jesus tem uma solução para esses “cansados”? Contrariamente à lei do poder do mais forte (aparentemente a “lei natural”!), a comunidade de amor e solidariedade lhes oferece coisa melhor do que o consumismo da tevê e dos shopping-centers, aquilo que os torna realmente felizes: valorização fraterna, sustento mútuo e, sobretudo, a certeza da sintonia com Deus. Aos cristãos cabe conscientizar o povo – pobres e ricos – de que a mera força e opressão não resolvem nada, pelo contrário, afastam as pessoas do espírito de Cristo. E perguntemo-nos: em nossas comunidades, existe verdadeira “mansidão” ou, ao invés, reinam práticas opressoras? Será que aplicamos uma “pedagogia da mansidão”? Convém cuidar da grama com paciência, para deixá-la crescer, em vez de “puxá-la” – como diz um provérbio – para fazê-la crescer mais rápido e, assim, arrancá-la? Jesus veio como libertador manso e humilde, não como revolucionário armado, porque o reino do amor fraterno não pode ser instaurado pela violência, mas somente pela convicção interior. Essa é sua resposta ao poder da força.

Pe. Johan Konings, sj

Nascido na Bélgica, reside há muitos anos no Brasil, onde leciona desde 1972. É doutor em Teologia e mestre em Filosofia e em Filologia Bíblica pela Universidade Católica de Lovaina. Atualmente, é professor de Exegese Bíblica na Faje, em Belo Horizonte. Dedica-se principalmente aos seguintes assuntos: Bíblia – Antigo e Novo Testamento (tradução), Evangelhos (especialmente o de João) e hermenêutica bíblica. Entre outras obras, publicou: Descobrir a Bíblia a partir da liturgia; A Palavra se fez livro; Liturgia dominical: mistério de Cristo e formação dos fiéis – anos A-B-C; Ser cristão; Evangelho segundo João: amor e fidelidade; A Bíblia nas suas origens e hoje; Sinopse dos Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas e da “Fonte Q”.