Roteiros homiléticos

Publicado em janeiro-fevereiro de 2023 - ano 64 - número 349 - pág.: 45-48

15 de janeiro – 2º DOMINGO DO TEMPO COMUM

Por Ivonil Parraz*

Ele tira o pecado do mundo

I. INTRODUÇÃO GERAL

O tema da vocação liga as três leituras deste domingo. Na primeira leitura, o servo é chamado, desde o ventre materno, a unir Israel e ser luz para todas as nações. Como servo, Deus o prepara para levar a salvação a todos os povos. Na segunda leitura, Paulo fala da vocação primeira à qual Deus nos predestina: a vocação à santidade. Somos chamados a ser santos! Quem nos santifica é o Filho de Deus! No Evangelho, João nos fala da vocação de João Batista para ser o precursor do Messias. Também revela, por meio do testemunho do Batista, que Jesus é aquele que nos mergulha no Espírito de Deus. Pelo batismo no Espírito Santo, somos chamados a nos conformar a Cristo Jesus.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. Evangelho (Jo 1,29-34)

Ressalta-se, no texto de João, o testemunho de João Batista sobre Jesus. Tal testemunho expressa-se em três assertivas distintas: Jesus como Cordeiro de Deus, o Espírito que desce e permanece em Jesus e Jesus, o Filho de Deus.

  1. a) O Cordeiro de Deus

Ao ver Jesus se aproximar, João diz que ele “é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (v. 29). O título “Cordeiro de Deus” que João dá a Jesus corresponde ao quarto cântico do profeta Isaías: “Como cordeiro levado ao matadouro ou ovelha diante do tosquiador” (Is 53,7). Pode-se dizer que, com o referido título, João declara que Jesus é o servo sofredor. Mas não só: João diz que o servo sofredor tira o pecado do mundo. Note-se que a afirmação está no singular: o pecado do mundo. Tirar significa levar embora. Jesus leva embora o pecado do mundo. Contudo, que pecado é esse? O pecado da não crença em Jesus, o pecado da incredulidade.

Em Jesus, não encontramos somente o perdão dos pecados; nele há também a possibilidade de ser tirado o pecado, a injustiça e o mal que nos dominam. Crer em Jesus não se limita a aceitar seu perdão! Crer em Jesus, seguir seus passos, consiste em lutar para o mundo se libertar do pecado que desfigura o ser humano.

Pecar não consiste simplesmente em violar as normas divinas ou ofender a Deus. O pecado ofende o ser humano, pois o atinge em seu ser mais profundo. Desumaniza-o não somente enquanto indivíduo, mas também socialmente. Pecar é recusar Deus como Pai e, consequentemente, não aceitar o outro como irmão.

Nesse sentido, pode-se definir o pecado como o fechamento do ser humano em si mesmo. Esse fechamento decorre da sua autoafirmação diante de Deus e do outro. Fechar-se em si redunda em recusar relação, ou seja, comunhão.

  1. b) O testemunho de João

João sustenta por duas vezes que não conhecia Jesus, mas professa sua fé nele. Esta se expressa em três afirmações: “Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (v. 29), “eu vi o Espírito Santo descer, como pomba, e permanecer sobre ele” (v. 32) e “ele é o Filho de Deus” (v. 34). Todavia, de onde vem essa fé do Batista? Ela vem de sua experiência de Deus: “Aquele sobre quem vires o Espírito descer e permanecer, é ele quem batiza com o Espírito Santo” (v. 33). A fé testemunhada por João não se limita ao ouvir dizer, mas se fundamenta em sua experiência de Deus. Ele ouve a voz de Deus e vê o Espírito sobre Jesus.

A Palavra de Deus é promessa que se realiza. Quem a ouve certamente verá. A fé que recebemos no batismo nos convida a ouvir a Palavra de Deus e ver as maravilhas que ela realiza em nossa vida e na vida da comunidade. A fé testemunhada por João o leva a aniquilar-se para que Cristo se manifeste: “vim batizar com água para que ele fosse manifestado a Israel” (v. 31).

A fé faz que deixemos Deus se manifestar a todos. Vivemos plenamente a fé não quando julgamos possuir um poder que nos faz ter Deus ao nosso serviço ou quando a vivemos de maneira intimista – estas são visões utilitaristas da fé, ou seja, visões burguesas da fé –, mas, sim, quando ela nos leva a nos pormos a serviço dos nossos irmãos. A fé verdadeira nos instiga a ter sempre jarro e bacia nas mãos! O avental é a veste mais bonita da fé! Desse modo, todos nós, batizados, somos, no mundo, precursores de Jesus, assim como foi João Batista.

  1. c) O Filho de Deus

João Batista declara que ele veio “batizar com água” (v. 31), mas Jesus, conforme a revelação do Pai, “é quem batiza com o Espírito Santo” (v. 33). O batismo do Batista é um mergulho purificador. Nas águas do Jordão, todos aqueles que aguardam o Messias purificam-se! O batismo de Jesus consiste num mergulho no Espírito Santo. Somos imersos no Espírito de Deus! Como reconhecê-lo em nós?

O Espírito Santo é Espírito de vida. Na criação, “o Espírito pairava sobre as águas” (Gn 1,2). Quando Deus criou o ser humano, “soprou o sopro da vida e ele se tornou um ser vivente” (Gn 2,7). Após a ressurreição, Jesus soprou sobre seus discípulos e disse: “Recebei o Espírito Santo” (Jo 20,22). Em Jesus, toda a humanidade é recriada. Assim, o Espírito de Deus age em nós todas as vezes que lutamos em favor da vida! O Espírito Santo nos move sempre que criamos condições para que a vida aflore e, com isso, expulsamos do meio de nós os reinos da morte.

O Espírito Santo é Espírito da verdade: “Quando ele vier, o Espírito da verdade vos guiará em toda verdade” (Jo 16,13). O Espírito da verdade age em nós, pois é ele quem nos remete a Cristo: faz em nós a memória de Cristo! Assim, quando agimos na verdade, quando a buscamos porque é nossa verdade, porque nos humaniza, estamos sendo inspirados pelo Espírito Santo!

O Espírito Santo é também o Espírito de amor: ele é o laço que entrelaça o amante (Pai) ao amado (Filho). Quando amamos, comungamos com o Deus Trindade. Entrelaçamo-nos à comunhão trinitária! Com efeito, praticamos a caridade porque o Espírito Santo nos move a sair de nós mesmos e ir ao encontro do outro! Amor exige relação, exige comunhão. Por isso, o amor sempre nos põe em saída, como o Pai e o Filho!

Enfim, o Espírito Santo é Espírito santificador. Deixando-nos conduzir pelo Espírito da vida, da verdade e de amor, vamo-nos santificando em nossa peregrinação da fé, ou seja, vamos nos tornando perfeitos como nosso Pai (Mt 5,48). Imersos no Espírito Santo, deixando-o agir em nós, testemunhamos, como João Batista, que Jesus é o “Filho de Deus” (v. 34).

2. I leitura (Is 49,3.5-6)

Desde o útero materno, Deus chama para ser seu servo aquele de quem fala o profeta Isaías. Sua vocação consiste em unificar Israel e ser luz para as nações: “quero fazer de ti uma luz para as nações” (v. 6). O servo de Deus não só unifica os dispersos de Israel, mas também é luz para todas as nações. Isso para que a salvação que vem de Deus “chegue aos confins da terra” (v. 6). O servo é portador da salvação de Deus, pois é modelo do Filho de Deus. No batismo, o próprio Deus revela a condição de Jesus: “Este é meu Filho amado” (Mt 3,17). O Filho de Deus, pelo seu Espírito, santifica todos os que creem em sua Palavra.

3. II leitura (1Cor 1,1-3)

Paulo sustenta que todos nós somos chamados por Deus Pai à santidade. A vocação primeira de todo ser humano consiste nesse chamado. Somos “predestinados” à santidade. Em nosso peregrinar na fé, optamos por modos de vida diferentes para responder a esse chamado: uns no matrimônio, outros na vida consagrada. Todas essas vocações configuram-se como respostas àquela vocação primeira e essencial.

Quem nos santifica é Cristo Jesus! E ele nos santifica porque nos imerge no Espírito Santo! Movendo-nos com o mesmo Espírito que moveu a Cristo, conformamo-nos a ele. Somos povo santo de Deus!

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Como respondo ao chamado de Deus à santidade? Deixo-me conduzir pelo seu Espírito? E a comunidade, apresenta-se como espaço no qual a santidade pode desabrochar ou vive fechada em si mesma? Todo aquele que mergulha no Espírito está sempre em saída, jamais preso em si mesmo. Toda comunidade que se deixa impregnar do Espírito de Deus se configura como comunidade em missão!

Jesus não só oferece o perdão dos pecados, mas também tira (leva embora) o pecado do mundo. Como vivemos a experiência do perdão? Quando recebo o perdão ou perdoo a meu irmão, faço-o com o propósito de extirpar o pecado do mundo? Caminhar na santidade consiste em oferecer e receber o perdão! A comunidade caminha na santidade?

Percebo o Espírito da vida, da verdade, do amor e da santidade agindo em mim e na comunidade? De que modo a comunidade defende a vida, busca a verdade, vive a caridade, reveste-se de santidade? Colaboro com isso?

Ivonil Parraz*

*presbítero da diocese de Botucatu, pároco da igreja Santo Antônio de Pádua, Botucatu-SP. Diretor de estudo do Seminário Arquidiocesano São José de Botucatu-SP. Coordenador de pastoral da Região Pastoral 1 da arquidiocese de Botucatu. Mestre e doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP); graduado em Teologia pela Faje, em Belo Horizonte-MG. E-mail: [email protected]