Roteiros homiléticos

Publicado em setembro-outubro de 2023 - ano 64 - número 353 - pp.: 56-58

15 de outubro – 28° DOMINGO DO TEMPO COMUM

Por Junior Vasconcelos do Amaral*

O Senhor prepara um banquete para o seu povo

I. INTRODUÇÃO GERAL
  Somos convidados ao banquete preparado pelo Senhor – uma mesa farta de esperança e solidariedade que ele mesmo partilha conosco. Contudo, para que haja comunhão perfeita nessa mesa, precisamos todos nos converter e nos arrepender de nossas atitudes: nem sempre somos bons, pois trazemos em nós atitudes más que não correspondem às vestes nupciais que o Senhor, o rei da parábola mateana deste domingo, deseja que vistamos. O banquete escatológico, para Isaías, vem estabelecer nova realidade sobre Sião, o monte santo de Jerusalém. Já para Paulo, viver em Cristo é a condição de possibilidade para conviver com as benesses e os infortúnios do discipulado. Cristo é aquele que providencialmente está junto com o apóstolo nas alegrias e nas adversidades. Desse modo, a liturgia deste domingo nos leva a acreditar no Reinado de Deus como um banquete preparado para todos, no qual Cristo é o alimento perfeito, que nos sacia para a eternidade.  
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
 
1. I leitura (Is 25,6-10a)
  Essa narrativa é sequência da cena da entronização descrita em Is 24,21-23, na qual se comemora o Reinado divino. Is 24,22 afirma que “serão todos amontoados e presos na cova e encerrados no cárcere, e depois de muitos dias, serão chamados às contas”. Trata-se de um juízo escatológico. Vale lembrar que o profeta Isaías inaugura, a partir do capítulo 24, seu próprio apocalipse; no capítulo seguinte, afirma que o Senhor dos exércitos prepara, nesse tempo escatológico, um delicioso banquete em seu monte santo. É narrativa que prefigura o advento do Reino. O banquete revela nova realidade, que antes estava encoberta com um véu que envolvia todos os povos: possivelmente um paralelo com a superfície da Terra encoberta com a morte (Is 26,21). Deus fará desaparecer a morte, tornando explícita a metáfora desse véu, como uma cobertura. O hino dos v. 8-10 evidencia a entronização de Adonai-Deus e do banquete, que começa em Is 24,23: “a lua ficará vermelha, e o sol envergonhado, pois o Senhor dos exércitos terá estabelecido o seu reino sobre o monte Sião e em Jerusalém, e manifestará a sua glória diante de seus anciãos”. Sobre o monte Sião, Isaías diz: “...repousará a mão do Senhor” (v. 10), concluindo a narrativa sobre o banquete do tempo final.
2. II leitura (Fl 4,12-14.19-20)
  O apóstolo Paulo testemunha à comunidade de Filipos que sabe viver bem em todas as situações, sejam elas boas ou más, seja no excesso ou na falta. O apóstolo confia na Providência divina, pois afirma: “Tudo posso naquele que me fortalece” (v. 13). Sente-se grato, pois os filipenses compartilham suas dificuldades, sendo solidários com ele. Paulo confia na Providência de Deus, que fará tudo por aqueles que estão passando por dificuldades. Essa passagem de Filipenses está inserida no fim da carta, na parte em que Paulo está agradecendo a todos aqueles que com ele foram bons. Toda ação divina, porém, no seu entender, será realizada por causa de Cristo. Ele estabelece ainda uma cristologia na qual Cristo é o Mediador de toda graça necessária para sua vida (v. 19). Termina o testemunho com breve doxologia: “Ao nosso Deus e Pai, a glória pelos séculos dos séculos. Amém” (v. 20).  
3. Evangelho (Mt 22,1-14)
  A parábola sobre o banquete de casamento prefigura, alegoricamente, o que acontecerá no futuro apocalíptico, segundo Mateus e sua perspectiva teológica. Trata-se de narrativa de cunho escatológico que visa responder aos anseios e questões sobre como será o futuro reservado para os fiéis e para os infiéis – incertezas que ficam pululando no inconsciente coletivo judaico e nas inquietudes humanas. Essa parábola é dirigida aos oponentes de Jesus da elite hierosolimitana (de Jerusalém). Tal consideração pode ser averiguada em Mt 21,23, na qual se diz que Jesus foi ao templo, e os sumos sacerdotes e anciãos do povo dirigiram-se a ele, enquanto ensinava, e perguntaram: “Quem te deu tal autoridade?” Em seguida, em Mt 22,1, lê-se: “Jesus tornou a falar-lhes em parábolas, dizendo: ‘O Reino dos Céus é como [semelhante]...’”. A parábola, dessa forma, faz parte de um longo conjunto de outras parábolas que explicam a escatologia, o fim e as realidades finais. Para os autores Bruce Malina e Richard Rohrbaugh, trata-se de um “cenário da vida na teocracia futura: como uma festa de casamento”. 6 Para esses exegetas, o cenário descreve os acontecimentos associados a um matrimônio régio (monárquico) em uma cidade régia (basileia, que pode ser traduzida por “reinado”). Um duplo convite é emitido nos v. 3-4, presumivelmente para outras cidades (v. 7). Esse convite duplo está testemunhado em um papiro antigo do Evangelho de Mateus, o qual é considerado importante para a narrativa, uma vez que o convite não é então restrito a um povo apenas, mas se estende a outros. Isso corrobora a ideia de que a salvação que Deus oferece por meio da imagem do banquete de casamento não excluioutras pessoas, mas, pelo contrário, as inclui. Tanto no v. 3 quanto no v. 5, encontramos as recusas ao convite para a festa de casamento. As desculpas são triviais: viagem para o campo, cuidado dos negócios; por fim, outros convidados agarraram os servos e os mataram. Esses últimos são os assassinos, que recusam, veemente e agressivamente, o convite para a festa. As desculpas “são uma forma mediterrânea indireta, mas tradicional, de mostrar desaprovação, da parte da elite que fora convidada, quanto aos preparativos para o jantar”. 7 O fato, porém, de assassinar um servo do rei é caso de desonra. A satisfação régia exigiria algo como o descrito no v. 7: “O rei ficou irado e mandou suas tropas matarem aqueles assassinos e incendiar a cidade deles”. No fim, os bons pagam pelos maus! A questão sobre o assassinato de servos e pessoas de prestígio não é incomum na narrativa de Mateus. Aqui, lembramo-nos da parábola anterior a essa, Mt 21,33-43, acerca dos agricultores assassinos. No bloco seguinte, v. 8-10, agora a não elite é convidada. Tanto os pobres quanto os bons e os maus foram convidados, e a sala de casamento ficou repleta deles. No próximo bloco, v. 11-14, ao entrar no recinto, o rei percebeu que um dos convidados da não elite estava desprovido do traje de festa. As roupas foram anteriormente providenciadas para eles, mas isso envergonhou o convidado. Este, indagado pelo rei – “Amigo, como entraste aqui sem o traje para o casamento?” –, ficou calado. O resultado previsível é que ele, impropriamente vestido, é envergonhado ao ser lançado fora pelos servidores. A parábola conclui com a máxima moral: “Com efeito, muitos são chamados, mas poucossão escolhidos”. A veste nupcial (v. 11) corresponde a uma vida convertida, que os maus, convidados no v. 10, devem agora assumir e vestir. Os pecadores são convidados, e o que o rei (imagem de Deus) espera é que se arrependam. A conduta ríspida descrita no v. 13 se encaixa no padrão da história da salvação, mas não parece se coadunar com a linha narrativa, embora festas grandes exijam a expulsão de penetras e arruaceiros. O v. 14 pode enfatizar que, na comunidade de Mateus, há uma distinção entre o chamado inicial para a salvação e a eleição e perseverança finais – estas não são automáticas, como atesta Benedict Viviano. 8
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
  Nesta liturgia, somos convidados a crer na providência de Deus e refletir que o Reinado de Deus não exclui ninguém. Contudo, para que dele participemos, é indispensável que nos arrependamos de nossos pecados e convertamos o coração, deixando as condutas que não formam comunhão nem geram caridade. Cumpre mostrar que a ação de Deus é futura, mas demanda de nós uma participação atual, no aqui e agora da história. Somos participantes do Reinado e do banquete celestial, prefigurado

Junior Vasconcelos do Amaral*

*Pe. Junior Vasconcelos do Amaral é presbítero da arquidiocese de Belo Horizonte-MG. Doutor em Teologia
Bíblica pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje – Belo Horizonte), realizou parte de seu doutorado
na modalidade “sanduíche”, estudando Narratologia Bíblica na Université Catholique de Louvain (Bélgica). É
professor de Antigo e Novo Testamentos na PUC-Minas e publicou vários artigos sobre o Evangelho de Marcos
e a paixão de Jesus em perspectiva narratológica. E-mail: [email protected]