Roteiros homiléticos

Publicado em julho-agosto de 2021 - ano 62 - número 340 - pág.: 42-44

15° DOMINGO DO TEMPO COMUM – 11 de julho

Por Marcus Mareano

Chamados e enviados para a missão

I. INTRODUÇÃO GERAL

O Tempo Comum é caracterizado como um tempo para o amadurecimento da graça batismal. Celebram-se os ensinamentos de Jesus, sua existência entre as pessoas e sua missão realizada no mundo por amor a Deus e à humanidade.

Este domingo constitui um chamado e um envio para participar efetivamente da vida de Cristo. Pelo batismo, somos inseridos no mistério da vida, paixão, morte e ressurreição de Jesus. Esse mistério não pode ser guardado, como um tesouro a esconder. Ao contrário, deve ser compartilhado, proclamado, acreditado e celebrado. Todos os batizados são chamados e enviados em missão.

No entanto, a missão não consiste apenas em uma ação ou na dedicação momentânea a uma atividade. Ela é o estado comum do ser cristão. Por nossa fé, tornamo-nos missionários de Cristo. Recusar-nos a viver essa dimensão da fé é desconsiderar o efeito batismal na pessoa humana.

O profeta Amós experimenta quanto a força para profetizar é mais potente do que a recusa, a expulsão do templo ou qualquer adversidade. A carta aos Efésios fala dessa palavra como selada pelo Espírito Santo em nosso coração. No Evangelho, Jesus envia os discípulos dois a dois, com recomendações para seguirem adiante e levarem a Boa-nova a muitas pessoas. Comprometamo-nos com o que celebramos, tornemos nossa vida uma missão!

II COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (Am 7,12-15)

O profeta Amós se apresenta como um cuidador de gado (Am 1,1; 7,14) que atua no Reino do Norte, no período anterior à dominação dos assírios (722 a.C.). Então, Israel vivia um tempo de sossego, mas já sentia as ameaças da dominação estrangeira.

O texto da leitura narra a expulsão de Amós por Amasias, sacerdote de Betel, porque as palavras do profeta incomodam o rei Jeroboão (Am 7,10). Amós não falava para agradar aos reis e sacerdotes, classes privilegiadas daquela sociedade, mas, fiel à palavra do Senhor, denunciava os desmandos da elite. A verdadeira profecia consiste em falar em nome de Deus, e dessa maneira Amós agia.

Por esse motivo, Amasias quer Amós em Judá, distante dele e do seu templo. Betel era um santuário edificado para o rei, e o sacerdote estava a seu serviço. Jeroboão o construíra para se opor aos privilégios de Jerusalém, o templo do Reino do Sul (1Rs 12,26-33). Portanto, Amós era rejeitado pelo rei e pelo sacerdote por sua fidelidade ao Senhor.

Entretanto, ele reage à expulsão de Amasias, lembrando sua vocação para profetizar. Recorda que não era profeta nem filho de profeta, não pertencia a um grupo que exercia essa atividade em Israel. O Senhor o elegeu para profetizar no meio do povo, e a isso ele obedeceu.

A missão de todos nós assume semelhanças com a de Amós. Somos escolhidos em meio às nossas tarefas ordinárias, enfrentamos adversidades em relação a pessoas e situações e somos fortalecidos pelo Senhor para continuarmos nossa vocação específica. Deus, que nos chama, capacita-nos para seguir adiante. A palavra do Senhor nos é dirigida constantemente para transmiti-la com alegria aos demais. Somos profetas do Senhor no mundo contemporâneo.

3. II leitura (Ef 1,13-14)

A carta aos Efésios, que acompanharemos nos próximos domingos na liturgia dominical, foi dirigida aos cristãos da Ásia Menor (hoje Turquia), província romana cuja capital era Éfeso, cidade de forte cultura helenista.

O trecho da segunda leitura  é a parte final de um hino de louvor a Deus (Ef 1,3-14). Ele possui características das orações de bênção usadas na liturgia judaica (2Cor 1,3; 1Pd 1,3). Deus é o sujeito dos verbos e age em Cristo. O autor recorda a eleição (v. 4-5), a libertação (v. 6-7), a recapitulação (v. 8-10), a herança prometida (v. 11-12) e, finalmente, os dons do Espírito Santo (v. 13-14).

Os efésios são exortados a recordar a Palavra de Deus ouvida (palavra da verdade, o Evangelho da vossa salvação – v. 13). Essa mensagem acolhida e acreditada é selada, como com um sinete (2Cor 1,22), pelo Espírito Santo. Ela é a garantia de uma herança incomensurável, eterna e prometida, já experimentada por meio da fé. A passagem se conclui com uma doxologia, completando o hino.

Essa leitura apresenta o efeito da pregação da Palavra de Deus na vida de uma pessoa. Olhando nossa história de fé em Cristo, como ouvintes de sua Palavra, podemos perceber a realização do que lemos. Da mesma maneira, contemplamos esses efeitos em outras pessoas e situações transformadas pela força do Evangelho.

3. Evangelho (Mc 6,7-13)

O Evangelho desta liturgia traz o envio dos discípulos para irem dois a dois, conforme o costume judaico repetido pelos pagãos (Lc 7,88; Jo 1,37). Um apoia o outro, e todos se comprometem com o anúncio e a prática da mensagem de Jesus: “O Reino de Deus está próximo, convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15).

Para a missão, não bastam discursos, sermões e pregações. Atos comunicam mais do que palavras. Por isso, Jesus dá aos seus enviados poder sobre os espíritos imundos (v. 7), pois portam consigo a presença divina, o Espírito Santo, que repele o mal e torna possível a comunhão do ser humano com Deus. O missionário não transmite nada de si, mas de Deus, que o inspira para aquela ação.

Jesus faz algumas recomendações práticas, próprias para aquele tempo. Não permite que eles levem algo pelo caminho, a não ser um bastão para apoio na caminhada e para espantar animais nas estradas. Não podem ter comida, nem bolsa, nem dinheiro, pois o objetivo é caminhar e percorrer os lugares recônditos das redondezas da Galileia. Para isso, ajuda um par de sandálias e uma túnica (duas atrapalham o missionário). O interesse da narrativa é demonstrar a dinâmica itinerante do missionário, que deve estar inquieto para transmitir o Evangelho.

Quando chegar a uma casa e for acolhido, ali deve permanecer. Se não encontrar acolhida nem quiserem ouvir sua mensagem, deve seguir adiante, sacudindo a poeira dos pés contra aquela rejeição (v. 10-11).

Por fim, o conteúdo do anúncio dos discípulos deve ser o mesmo do de Jesus: a conversão por causa do Reino de Deus (v. 15). Ademais, os que continuam a missão de Jesus assumem seu jeito de ser. Desse modo, tornam Deus presente por meio das suas ações (expulsando os demônios e curando os enfermos – v. 13).

O envio e as instruções do Evangelho proclamado continuam a valer para nossos tempos. As condições para a missão e o contexto sociocultural são diferentes, porém a recomendação da primazia da Palavra de Deus e as atitudes que acompanham a pregação servem de princípios para todas as atividades missionárias.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Qual apelo de Deus você sente em seu interior? Essa questão permanece em cada Eucaristia, especialmente, com base nas leituras deste dia. Cada pessoa experimenta de maneira particular o chamado de Deus e o envio em missão.

No imaginário de muitas pessoas, a missão é concebida como ida a um lugar para visitas e partilha da Palavra de Deus. Ela, na verdade, constitui o ser cristão no mundo. Por isso, a monja enclausurada em oração é tão missionária quanto o padre que parte para outro país para ajudar em alguma nova realidade. Todos somos convidados a assumir nossa realidade presente como missão, na qual devemos servir a Deus em cada pessoa necessitada de nós. Não só fazemos missão, mas “somos missão”.

Dom Helder Câmara possui um poema que se inicia assim: “Missão é partir, caminhar, deixar tudo, sair de si, quebrar a crosta do egoísmo que nos fecha no nosso Eu. É parar de dar voltas ao redor de nós mesmos, como se fôssemos o centro do mundo e da vida...”. A partida para a missão não consiste em um deslocamento de território, mas na conversão interior, na saída de uma existência em torno de si mesmo para uma vida oferecida, doada e significada na alteridade.

Sejamos corajosos em responder ao Senhor. Ele conta conosco! Recebemos seu Espírito Santo para agir conforme Jesus Cristo e torná-lo presente no mundo. Saiamos para evangelizar e, quando necessário, usemos as palavras.

Marcus Mareano

é bacharel em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará (Uece). Bacharel e mestre em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje). Doutor em Teologia Bíblica, com dupla diplomação, pela Faje e pela Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica (KU Leuven). Professor adjunto de Teologia na PUC-MG, também colabora com disciplinas isoladas em diferentes seminários. Desde 2018, é administrador paroquial da Paróquia São João Bosco, em Belo Horizonte-MG. E-mail: [email protected]