Roteiros homiléticos

Publicado em julho-agosto de 2023 - ano 64 - número 352 - pp.: 46-48

16 de julho – 15º DOMINGO DO TEMPO COMUM

Por Ir. Márcia Eloi Rodrigues*

A fecundidade da Palavra

I. INTRODUÇÃO GERAL

A Palavra de Deus tem uma força capaz de transformar as realidades segundo o projeto de Deus. No entanto, se o solo não for bem preparado, a semeadura da Palavra não terá êxito, não gerará frutos no tempo devido. Fruto eficaz da Palavra de Deus é a transformação da criação inteira, encabeçada pela humanidade redimida em Cristo, o qual lançou suas sementes e, no fim dos tempos, colherá seus frutos. É, pois, papel de cada cristão tornar essa Palavra fecunda na própria vida, mediante sincera abertura de coração à vontade de Deus.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (Is 55,10-11): A Palavra de Deus é eficaz

Esse trecho, que fala sobre a eficácia da Palavra de Deus, conclui o chamado “livro da consolação”, do Dêutero-Isaías, que anuncia a salvação ao povo no exílio. O profeta anima seu povo a pôr a confiança em Deus, buscando voltar-se para o Senhor. Em meio à descrença do povo, o Senhor afirma que seu modo de agir, seu caminho, é diferente do que se espera. Por isso, o texto usa duas imagens para explicitar essa verdade: a distância de Deus, que está muito acima da realidade terrestre (Is 55,6-9); e as imagens da chuva e da neve, que descem do céu e fecundam a terra (v. 10-11). Este último trecho procura insistir na mediação da Palavra, que desce do céu com um propósito: realizar e revelar a salvação de Deus.

Assim como a chuva realiza seu propósito – fecundar o chão e gerar vida –, a palavra que sai da boca de Deus terá resultados concretos, os quais, no contexto do profeta, se referem ao retorno dos judeus à sua terra. Em nossos tempos, mais do que nunca, faz-se necessário crer na fecundidade da Palavra do Senhor, dom ativo que produz abundante atividade em nossa vida, regando-a e gerando frutos.

2. II leitura (Rm 8,18-23): A criação anseia pela manifestação dos filhos de Deus

Nesse trecho da carta aos Romanos, Paulo desenvolve o tema da participação do cristão na ressurreição de Cristo, assim como ele participa do seu sofrimento (v. 17). Por maior que seja o sofrimento do tempo presente, pois o existir humano é padecimento, não há comparação com a revelação definitiva da glória, da abundância de toda graça que Deus concedeu aos seus filhos e filhas. Paulo enfatiza que não apenas a humanidade, mas também a criação inteira participa da esperança futura dos redimidos. Sua esperança é ser libertada da escravidão da corrupção, ou seja, da servidão da decadência e da destruição. Por causa do pecado humano, a criação inteira está sujeita a um constante processo de mudança e decadência, aumentada pelo trato egoísta e destrutivo do meio ambiente por parte dos seres humanos. Desse modo, a esperança da criação inteira é compartilhar “a liberdade da glória dos filhos de Deus”.

A imagem das “dores de parto” é muito apropriada para indicar a intensidade do sofrimento e, ao mesmo tempo, expressar que este não é sem sentido, mas produz fruto. As dores não são dores de morte, mas de novo nascimento, da nova criação. O mundo criado é libertado da escravidão da corrupção para entrar na gloriosa liberdade dos filhos e filhas de Deus. E a garantia dessa consumação definitiva é o Espírito Santo, que já possibilita aos filhos e filhas viver a experiência da ressurreição, enquanto aguardam, com esperança sempre renovada, a ressurreição definitiva.

3. Evangelho (Mt 13,1-23): A semeadura nos diversos solos

O Reino de Deus não é algo evidente, mas requer adesão, participação em sua dinâmica. Por isso, em Mt 13, parte central deste Evangelho, há sete parábolas do Reino de Deus. Parábolas são metáforas tiradas da vida cotidiana ou da natureza. Sua significação atrai a atenção do ouvinte, mas exige maior reflexão a respeito do significado exato. A realidade do Reino, nas parábolas, revela-se a quem crê e esconde-se para quem não crê.

A parábola do semeador, ou melhor, das sementes, seguida de sua explicação, abre o ensinamento de Jesus à grande multidão às margens do mar da Galileia. Na parábola, três espécies de sementes perdidas são comparadas com sementes férteis (v. 4-9). As primeiras sementes se perderam porque caíram em solos ruins, enquanto as sementes que caíram em terra boa deram grandes resultados. A interpretação da parábola concentra-se nas razões pelas quais as sementes falharam ou prosperaram. As terras ruins são a falta de compreensão (v. 19), a superficialidade (v. 21) e a divisão dentro de si mesma (v. 22). Nessas terras, diversos obstáculos impedem a semente de crescer: o “maligno” (v. 19), a tribulação ou a perseguição (v. 21) e o cuidado do mundo e a sedução das riquezas (v. 22). Na terra boa, entretanto, a mensagem de Jesus é recebida e produz resultados notáveis (v. 23).

Sobre o porquê de Jesus falar em parábolas, ele explica que o dom do entendimento é dado aos discípulos, e não aos outros, e que os discípulos são abençoados com olhos e ouvidos especiais, porque têm disponibilidade e abertura. As disposições espirituais dos discípulos (o solo fértil) os tornam capazes de ver e entender o mistério do Reino, enquanto os outros, obstinados em sua cegueira e endurecimento, permanecem absolutamente incapazes de ver e entender, porque suas disposições espirituais não permitem que a semente dê frutos.

No contexto da comunidade de Mateus, a parábola da semente jogada em vários solos não só explica por que a pregação do Reino dos Céus não tem sido universalmente aceita, mas também encoraja os que a aceitaram a continuar a dar fruto em boas obras. Os discípulos, bem-aventurados por sua abertura e disponibilidade para a revelação divina, constituem, para a comunidade cristã de todos os tempos, exemplos da força e da fecundidade da Palavra naqueles que a acolhem.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

O Evangelho ressalta as diversas disposições morais das pessoas que escutam a Palavra de Deus. Sem sincera abertura de coração para acolher a vontade de Deus, expressa em sua Palavra, a pessoa facilmente se deixa levar pelas forças externas que ameaçam a fecundidade dessa mesma Palavra. A catequese de Mateus nos oferece, neste domingo, clara reflexão acerca do tipo de ouvinte que o discípulo de Jesus quer ser.

Entender a Palavra de Deus significa ouvi-la, absorvê-la, assimilá-la em seu próprio pensar e sentir. Só assim a pessoa pode ser fecundada por essa Palavra, tornando-se, ela mesma, por seus atos, a Palavra de Deus. E só assim a pregação da Igreja será fecunda e produzirá frutos de vida nova.

Ir. Márcia Eloi Rodrigues*

*é religiosa do Instituto Religioso Nova Jerusalém. Possui graduação, mestrado e doutorado em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – Faje (Belo Horizonte-MG). É professora de Sagrada Escritura. E-mail: [email protected]