Roteiros homiléticos

Publicado em julho-agosto de 2022 - ano 63 - número 346 - pág.: 46-49

16º domingo do Tempo Comum – 17 de julho

Por Izabel Patuzzo*

A escuta da Palavra do Senhor conduz ao acolhimento e à hospitalidade

I. INTRODUÇÃO GERAL

As leituras propostas para este domingo nos convidam à hospitalidade e ao acolhimento. A primeira leitura, retirada do livro do Gênesis, descreve-nos como Abraão e Sara acolhem estrangeiros em sua casa. Os hóspedes se tornam grande bênção para a família, pois, no final, Abraão e Sara recebem a feliz notícia: terão o filho esperado. O patriarca Abraão e a matriarca Sara se tornam modelos de pessoas atentas a quem passa e precisa ser acolhido como irmão, como um membro da família. O hóspede se torna um dom, pois Deus não deixa de recompensar quem acolhe o outro com amor.

A segunda leitura nos apresenta outro aspecto da hospitalidade: Paulo recorda a necessidade de receber os outros e os sofrimentos que nos advêm como consequência de nossa opção por Jesus Cristo. Dessa forma, completamos em nós as aflições do próprio Cristo. Construir nossa comunhão com Cristo nos leva à comunhão com as pessoas que nos rodeiam e com nossa comunidade de fé.

No Evangelho, contemplamos o acolhimento de Jesus por parte de Marta e Maria. No diálogo com as duas irmãs, Jesus nos ensina que o agir cristão não deve se configurar como um ativismo excessivo, mas é preciso dedicar tempo para sentar aos pés do Mestre, escutar sua Palavra, sua orientação, acolhendo tudo o que ele nos sugere. A ação deve brotar da escuta ao que ele nos diz; do contrário, o agir desenfreado pode nos levar à frustração de Marta. Para o cristão, ouvir a Deus e executar suas obras supõe um equilíbrio, a fim de que nosso fazer não seja apenas desenvolver uma série de ações que nós mesmos achamos indispensáveis.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (Gn 18,1-10a)

A primeira leitura nos conta como Abraão e Sara, em sua bondade, recebem em sua tenda três estrangeiros que passavam perto de sua morada. É um texto provavelmente muito antigo, inspirado em um conto cananeu sobre um homem que havia recebido três divindades perto do santuário de Mambré. Como recompensa por ter acolhido bem os deuses que vieram visitá-lo, foi recompensado com um filho. Essa lenda conhecida foi posteriormente aplicada a Abraão e Sara, em resposta à sua fidelidade ao Senhor Deus.

A catequese dos autores, que retomam uma lenda antiga, atualizando-a e aplicando-a aos antepassados israelitas, é recordar Abraão e Sara como modelos de vida e de fé. Os três estrangeiros são recebidos com todas as honrarias e cuidados que um israelita poderia oferecer. Além de oferecer-lhes água e lavar-lhes os pés, o casal prepara-lhes um banquete com tudo o que possuíam. Assim, o patriarca e a matriarca são lembrados pelos seus descendentes como pessoas bondosas, acolhedoras, íntegras, humanas, atentas às necessidades dos peregrinos em viagem. O banquete culmina com a boa notícia com que o casal anfitrião tanto sonhava: ter um filho, um herdeiro na casa que pudesse suscitar uma descendência. Esse filho será dom de Deus; uma recompensa pela gratuidade generosa do casal, que vive segundo a proposta de vida divina. O texto nos ensina que a generosidade divina vai além de nossas expectativas. O Senhor olha com agrado para tudo que fazemos por amor a ele.

2. II leitura (Cl 1,24-28)

A liturgia deste domingo dá continuidade à leitura da carta aos Colossenses, iniciada no domingo passado. Conforme recordamos, Paulo se encontra na prisão e tem como objetivo, nessa carta, esclarecer questões acerca do sincretismo religioso, particularmente o culto aos anjos e certos rituais praticados por membros da comunidade que se deixaram influenciar por outras seitas.

Para ajudar a comunidade a superar esses impasses, Paulo recorda sua própria caminhada de fé. Fala de sua experiência, que todos conhecem. Recorda quantos sofrimentos teve de enfrentar por conta de ter abraçado a fé em Cristo. Sua situação atual na prisão é consequência de sua fidelidade ao chamado do Senhor. Apesar de ter passado por tanto sofrimento, Paulo é feliz, sabe que nada foi em vão, pois são sofrimentos que deram muitos frutos e possibilitaram que muitas pessoas pudessem conhecer Cristo e aderir a ele.

O apóstolo considera que todas as provações pelas quais passou vêm a seu favor para completar no seu corpo o que falta à paixão de Cristo. Ele tem consciência de que foi chamado a viver o mistério de anunciar Jesus Cristo. E isso abriu caminho para que tantas outras pessoas também experimentassem a graça de serem transformadas pela fé, a seu exemplo. A mudança de vida depois da fé foi tão radical para Paulo, que ele se tornou outra pessoa. Por isso, acredita que o mesmo acontece com todo aquele ou aquela que se tornam discípulos de Cristo.

3. Evangelho (Lc 10,38-42)

Depois de narrar a parábola do bom samaritano, o evangelista Lucas nos chama a atenção para a continuidade da viagem de Jesus para Jerusalém. Em seu caminho, Jesus entra em uma aldeia para visitar Marta e Maria. Essa passagem tem como foco a escuta da Palavra do Mestre. Jesus não desqualifica o serviço de Marta, porém insiste que todas nossas preocupações podem estar fora de lugar. Uma diakonia que não parte da escuta da Palavra, das Escrituras, não tem garantia nenhuma de continuidade efetiva. Maria, de sua parte, põe-se na atitude de escuta, e essa graça jamais lhe será retirada. Não se trata de compreender a vida contemplativa como superior à vida ativa apostólica, mas de compreender a Palavra de Deus como fonte de nossa vida.

A narrativa lucana difere da joanina, que situa geograficamente esse episódio em Betânia e salienta que Marta e Maria são irmãs de Lázaro. O foco de Lucas é o caminho para Jerusalém, e nele Jesus é acolhido por essas duas irmãs. Ambas o acolhem e servem de maneiras diferentes. A resposta de Jesus a Marta deixa entrever que ele veio para servir, e não para ser servido. A postura que espera do discípulo é a escuta de sua Palavra como algo essencial, que deve preceder todas as nossas ações. Sentar-se aos pés de Jesus para ouvir seus ensinamentos é atitude que ele louva e não retira de quem opta por isso.

Outro aspecto importante nessa leitura é a atitude de acolhida por parte de Jesus, que difere dos mestres de seu tempo: ele acolhe as mulheres no seu discipulado e lhes atribui diversas diaconias. Do ponto de vista sociológico, é algo surpreendente, pois dedicar-se aos afazeres da casa seria tarefa muito habitual para mulheres. Jesus abre espaço para nova diaconia: o estudo da Palavra, para que depois Maria possa anunciá-la aos irmãos. Todos os serviços na comunidade supõem a escuta da Palavra de Jesus, nosso Mestre.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Vivemos mergulhados na cultura do fazer desenfreado. Tempo é dinheiro! Somos estimulados, por todos os lados, a produzir coisas em uma velocidade cada vez maior. Arriscamos a vida para ganhar tempo no trânsito e em outras circunstâncias. Pensemos na vida frenética de nossos grandes centros urbanos. E, no final, para ganhar tempo, terminamos estressados, cansados e irritados. Podemos dizer que são as exigências de nossa época. Como é possível encontrarmos tempo para sentar aos pés do Mestre, a fim de ouvir e partilhar sua Palavra? Como podemos diminuir o ritmo de nosso fazer para escolher a melhor parte, a exemplo de Maria?

Em nossas comunidades, nas pastorais e grupos de que participamos, que espaço reservamos à escuta da Palavra, tendo-a como fonte de nosso serviço à Igreja? É necessário nos pormos em ação, pois a missão exige doação e entrega em serviços muito concretos, para atender à necessidade da comunidade e das pessoas a quem servimos. Porém, precisamos encontrar tempo para escutar Jesus, para deixar que sua Palavra penetre em nossas atividades. Do contrário, nosso ativismo corre o risco de perder o sentido. Corremos o risco de nos esvaziarmos e fazer coisas mais por hábito, por profissionalismo, do que servir por amor a Jesus e aos demais.

Em resposta a essas leituras, que convidam à hospitalidade e ao acolhimento, somos desafiados por Jesus a compreender que não basta abrirmos a porta de nossa casa para que ele possa entrar. A verdadeira acolhida é dar toda nossa atenção ao hóspede, ir ao seu encontro para escutá-lo e estabelecer com ele uma relação de partilha de vida. Esse é o exemplo que Maria nos deixa.

Izabel Patuzzo*

*pertence à Congregação Missionárias da Imaculada – PIME. Mestre em Aconselhamento Social pela South Australian University e em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. É licenciada em Filosofia e Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo. E-mail: [email protected]