Roteiros homiléticos

16º Domingo do Tempo Comum – 21 de julho

Por Zuleica Aparecida Silvano

Acolher e hospedar o outro em nosso coração

I. Introdução geral

O tema central das leituras é a acolhida gratuita e generosa de todos, pois quem acolhe as pessoas está acolhendo o Deus da vida (I leitura). Essa temática também perpassa o evangelho, em que Jesus apresenta a importância de dar prioridade à pessoa e aponta para a superação dos preconceitos impostos pela sociedade, ao discriminar o estrangeiro, o peregrino, a mulher. Esse acolhimento universal e a abertura da mensagem salvífica para todos constituem o “mistério escondido por séculos e gerações” e plenamente revelado em Jesus Cristo (II leitura).

II. Comentários dos textos bíblicos

1. I leitura: Gn 18,1-10a

O texto de Gn 18,1-10a descreve uma teofania, uma manifestação de Deus, tendo como primeiro tema a hospitalidade (cf. vv. 1-8), que se conclui com o anúncio do nascimento de Isaac (cf. vv. 9-10a). No relato percebe-se uma ambiguidade, porque primeiramente se diz que o Senhor apareceu a Abraão, mas este vê, na verdade, três homens. Como o tema é a hospitalidade, podemos afirmar então que quem acolhe o irmão é como se acolhesse o próprio Deus. Por outro lado, a leitura também nos ensina que Deus é imprevisível, revela-se de forma insólita e aparece nas horas mais “impróprias”, do ponto de vista do ser humano.

Abraão – estrangeiro, ancião e casado com uma mulher estéril – é o homem ao qual Deus promete terra e descendência. O relato se inicia com Abraão quase cochilando na entrada da tenda, no momento mais quente do dia, após sua circuncisão (cf. Gn 17). Contudo, ao ver os viajantes, corre-lhes ao encontro e se apresenta como um servo. Os três homens aceitam a oferta de acolhida e passam a saborear a hospitalidade do anfitrião. Este lhes oferece o que há de melhor, um banquete, mesmo inicialmente prometendo tão pouco: água para lavar os pés, uma árvore para descansar e um pouco de pão (cf. vv. 4-5). Apesar de sua condição de ancião convalescente e de a hora ser a de maior calor do dia, Abraão põe-se totalmente à disposição dos hóspedes. Isso é expresso pelo seu movimento constante a fim de proporcionar a melhor acolhida, numa rapidez invejável, movimentando também sua esposa e seus servos. Por fim, o anfitrião permanece em pé junto aos hóspedes, em sinal de disponibilidade. É nesse momento que o Senhor anuncia o nascimento de Isaac, concedendo a Abraão e Sara o que era impossível. É uma cena familiar, mas a sua solenidade está na disponibilidade de Abraão, que faz tudo rápido, na sua cortesia e na qualidade da comida oferecida. E é nessa sobriedade, simplicidade, que Deus anuncia algo solene, importante, fundamental para a vida do casal: o cumprimento da promessa, o nascimento de um filho.

Abraão só pode receber bem esses hóspedes porque é seu costume receber assim as pessoas, é alguém sempre disposto a acolher. A imagem de Abraão como paradigma da hospitalidade se encontra também num Midrash (contos judaicos) que diz o seguinte: “A casa de Abraão estava sempre aberta para todas as pessoas, para as pessoas em passagem, para os imigrantes e refugiados. Sempre chegava alguém para comer e beber à sua mesa. A quem chegava com fome, ele dava de comer, e a pessoa comia e bebia e ficava saciada. Quem chegava sem veste em sua casa era revestido, e todos aprendiam a conhecer a Deus, criador de todas as coisas”. Na literatura judaica, também se diz que a tenda de Abraão tinha quatro saídas, por causa dos quatro pontos cardeais, acolhendo, portanto, qualquer um que vinha e de qualquer lugar. Abraão não somente acolhe, mas intui quais são as necessidades do seu hóspede, sabe o que lhe faz sofrer e tenta encontrar formas de eliminar o seu sofrimento.

Deus se revela na simplicidade, conversa com o patriarca, acolhe a delicadeza de Abraão. O Senhor se apresenta como um hóspede, um estranho, sem identidade, um anônimo, um peregrino. É interessante notar que os elementos escolhidos para descrever essa teofania são completamente diferentes daqueles que poderíamos esperar de uma experiência espiritual ou mística, pois Deus se manifesta no rotineiro, na cotidianidade, sem efeitos cinematográficos.

2. Evangelho: Lc 10,38-42

Ao mencionar a entrada de Jesus num povoado e a acolhida que ele recebeu, o autor nos recorda que Jesus continua a sua viagem rumo a Jerusalém. Num vilarejo, Jesus é acolhido por duas mulheres: Marta e Maria. O “sentar-se ao pé de Jesus para escutar” é expressão típica de Lucas para referir-se à atitude do discípulo. A tradição rabínica proibia ensinar a uma mulher os segredos de Deus, bem como a leitura e a explicação dos textos da Torá (sobretudo o texto do Pentateuco) e da tradição judaica. Às mulheres somente cabia conhecer os preceitos negativos, ou seja, o que elas não deveriam fazer. Jesus parece não se importar com essa proibição, dado que não discrimina, considerando todos dignos do amor de Deus e de seus ensinamentos. É uma cena paradigmática, na qual Maria representa a discípula, sentada aos pés do Mestre, e Marta simboliza aqueles/as preocupados com o serviço, em exercer a diaconia. Jesus reprova Marta não por causa da diaconia, do serviço em si, mas pela ansiedade em realizá-lo. O importante é a escuta do Mestre, é procurar antes o Reino de Deus, pois tudo mais será acrescentado (cf. Lc 12,31).

A única coisa necessária é acolher o dom enviado por Deus para revelar seu plano: Jesus. Desse modo, Jesus não critica o comportamento de Marta nem justifica a atitude de Maria, mas evidencia que o que importa é a escuta da sua Palavra, a total disponibilidade e docilidade para acolher o Reino de Deus; o restante não é condenado, mas relativizado. O importante é acolher o dom que é Jesus Cristo. É hospedar suas palavras em nosso coração e assim poder construir o Reino, que acolhe a todos, sobretudo os marginalizados, os excluídos.

3. II leitura: Cl 1,24-28

Este trecho da carta aos Colossenses dá continuidade ao tema presente no hino cristológico da segunda leitura do domingo passado. Como já foi mencionado, essa carta não é considerada protopaulina, ou seja, não foi escrita por Paulo, mas provavelmente por um discípulo seu. O v. 24 apresenta a missão de Paulo, que consiste em anunciar o evangelho. A frase “procuro completar na minha própria carne o que falta das tribulações de Cristo” não deve ser interpretada como se o apóstolo precisasse completar algum sofrimento na paixão de Cristo, como se o sofrimento enfrentado por Jesus fosse incompleto; Paulo deseja dizer que é necessário completar ou levar até o fim seu próprio itinerário, que ele chama de “tribulação de Cristo em minha carne”. A “tribulação de Cristo” não se refere, portanto, ao sofrimento de Jesus nem à sua paixão, mas à participação no mistério pascal por meio da perseguição e dos conflitos enfrentados pela fidelidade ao seguimento de Cristo e pela perseverança na missão.

Outro tema de necessário aprofundamento é o “mistério escondido por séculos e gerações”. Esse mistério é a revelação de Deus em Jesus Cristo, o evento histórico-salvífico de sua paixão, morte e ressurreição; mas é também o anúncio da salvação e do evangelho a todas as nações – ou seja, todos são acolhidos e a mensagem salvífica deve ser dirigida a todos (cf. v. 27). O autor continua a afirmar que a missão é constante, pois sua meta final é a comunhão com Cristo no fim dos tempos.

III. Pistas para reflexão

A hospitalidade, para a cultura judaica, é um mandamento, um dever religioso vinculado à caridade, uma herança dada por Abraão. O hóspede é alguém sagrado, e acolhê-lo é acolher o próprio Deus. Ser responsável pelo outro é ser representante da gratuidade de Deus. Por conseguinte, negar a hospitalidade é negar o encontro com o Senhor. Para nós, cristãos, é um valor evangélico. Hospedar não é somente dar um prato de comida, um local para dormir, ou abrir as portas de nossa casa, de nossa paróquia, mas é acolher o outro em nosso coração, reconhecê-lo como alguém, como a presença de Deus, que vem ao nosso encontro. Isso exige uma mudança do nosso modo de pensar, exige compartilhar nossa vida, dar espaço para estarmos juntos, ser tolerantes, sair do nosso comodismo, das nossas justificativas, enfrentar o desconhecido, ter o acolhimento como um estilo de vida, a exemplo de Abraão (I leitura). É aprender a hospedar o peregrino, o migrante, as pessoas que sentimos maior resistência a acolher. É também acolher Jesus e a novidade de sua Palavra, que nos desacomoda, interpela (evangelho), e anunciá-la com a nossa vida em todo tempo e lugar (II leitura). Além dessas interpelações, podemos nos perguntar: o acolhimento, a hospitalidade, são para nós um estilo de vida? O acolhimento e a hospitalidade são características do nosso grupo, da nossa pastoral, da nossa comunidade? Como estamos acolhendo a novidade do evangelho, que é dado para todos?

Zuleica Aparecida Silvano

Ir. Zuleica Aparecida Silvano, religiosa paulina, licenciada em Filosofia pela UFRGS, mestra em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico (Roma) e doutora em Teologia Bíblica pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje), onde atualmente leciona. É assessora no Serviço de Animação Bíblica (SAB/Paulinas) em Belo Horizonte. E-mail: [email protected]