Roteiros homiléticos

16º Domingo do Tempo Comum – 22 de julho

Por Johan Konings

I. Introdução geral

A liturgia de hoje é marcada pela condescendência quase pedagógica de Jesus – e de Deus nele – com o povo que, esperançoso, de todos os lados, acorre até ele. A preparação de sua chegada pelos discípulos – assunto de domingo passado – teve efeito. O povo procura Jesus. Esse povo é como ovelhas que não têm pastor, e Jesus lhes ensina muitas coisas. Dá-lhes o ensinamento do reinado de Deus. Que significa isso para o nosso tempo tão desorientado?

II. Comentário dos textos bíblicos
  1. Evangelho: Mc 6,30-34

No domingo passado, ouvimos como Jesus enviou os Doze a preparar sua chegada para anunciar o Reino de Deus. Hoje encontramos os discípulos voltando de sua missão-estágio, impressionados com o que experimentaram. Certamente conheceram momentos bonitos, mas também outros preocupantes, como a notícia que colheram a respeito da morte de João Batista, decapitado por Herodes Antipas (cf. Mc 6,14-29). Jesus lhes propõe então um momento de descanso, na solidão. Decerto lhes quis ensinar o valor da solidão e da interiorização, assim como ele mesmo procurava encontrar-se com o Pai na solidão (cf. Mc 1,35). Entrando no barco, procuram um lugar deserto (cf. 6,31-32). Mas a vontade do Pai é imprevisível: quando chegam ao lugar desejado, encontram a multidão, que, por terra, tomara a dianteira. Aí, Jesus, obediente à sua missão, deixa-se mover pela “compaixão”, característica primeira de Deus (cf. Ex 34,6 etc.), pois reconhece na multidão as ovelhas que precisam do pastor. Realiza-se, veladamente, mais uma vez, uma figura do reinado de Deus (como o “esposo” em Mc 2,19): a reunião do rebanho escatológico, vindo “de todas as cidades” (Mc 6,33). De fato, a reunião de todo o rebanho de Israel e Judá é uma feição do sonho da salvação definitiva do povo (cf. Jr 23,3; Ez 34,13). Mas o leitor sabe que a visão universal de Jesus e do evangelista vai além das tribos de Israel; para nós, esse rebanho que converge em torno de Jesus significa todos os povos, todos os membros da humanidade, os excluídos: as “ovelhas que não têm pastor” (Mc 6,34).

O sentido bíblico desse tema se esclarece com a primeira leitura.

  1. I leitura: Jr 23,1-6

O tema das ovelhas que não têm pastor lembra imediatamente a insuficiência dos líderes de Israel. Em suas origens, Israel era um povo principalmente de pastores, que migravam com seus rebanhos pelas terras do Próximo e Médio Oriente. Espontaneamente chamavam de “pastor” a quem exercia a liderança, também no plano militar. Josué é indicado para ser o sucessor de Moisés para que o povo não seja como um rebanho sem pastor (cf. Nm 22,17). Quando o profeta Miqueias de Jim­la prediz a derrota do rei Acab, tem uma visão do povo como ovelhas sem pastor (cf. 2Rs 22,17). Moisés mesmo é chamado pastor de Israel (cf. Is 63,11) e também o rei Davi, criado no ambiente pastoril (cf. Ez 34,23; 37,24). Mas o verdadeiro pastor de Israel é Deus mesmo (cf. Gn 49,24; Is 40,11; Jr 31,10; Ez 34,12-13 etc.; e Sl 23, salmo de resposta na liturgia de hoje). Ele é completamente fidedigno, como também Jesus, o “pastor excelente”, que não abandona as ovelhas (cf. Jo 10,11.14).

O profeta Jeremias, nesta primeira leitura, faz uma proclamação sobre os maus pastores e o verdadeiro pastor de Israel. Os reis de Judá foram maus pastores para o rebanho; por isso, serão castigados (cf. Jr 23,1-2). Mas Deus reunirá novamente seu rebanho, de todos os lugares, e lhe dará um bom pastor (cf. Jr 23,3-4), descendente de Davi, que poderá chamar-se “Javé nossa justiça”. Este título (Iahweh Sidqênu) inverte o nome do rei-fantoche, contemporâneo de Jeremias, chamado Sedecias (Sedeqiáhu, “Justiça de Javé”). O rei messiânico (assinalado pela figura de Davi) realizará, por assim dizer, o pastoreio de Deus mesmo. É nesse sentido que o evangelista Marcos apresenta Jesus reunindo em torno de si o povo, que é como “ovelhas que não têm pastor” (Mc 6,34).

  1. II leitura: Ef 2,13-18

A segunda leitura, embora escolhida para continuar a leitura da carta aos Efésios, iniciada no domingo passado, não deixa de enriquecer o pensamento principal da liturgia de hoje. Fala da unidade de gentios e judeus em Jesus Cristo. Do ponto de vista do judaísmo, os gentios estavam longe de Deus. Cristo, porém, trouxe-os para perto. Mediante aqueles que Paulo chama de gentios, Deus chamou a todos. Já não há discriminação. De judeus e gentios, daqueles que estão perto e dos que estão longe, Deus fez, em Jesus Cristo, nova realidade humana: o “homem novo” (Ef 2,15).

Reconciliados com Deus pela adesão a Jesus Cristo, que por amor deu sua vida por nós, somos unidos a Deus, a Jesus e também aos nossos irmãos e irmãs, venham de onde vierem.

III. Pistas para reflexão

O tema das ovelhas que não têm pastor (e o encontram em Cristo) merece toda a nossa atenção nos tempos atuais. A propósito, muitos que formalmente são considerados cristãos, porque batizados, na realidade não se sentem atendidos pela “religião” cristã em sua forma tradicional ou mesmo modernizada. Tampouco no campo social e político encontram direção firme. A sociedade exibe um aspecto caótico, e não vemos, de imediato, um ponto de referência que una as pessoas e as faça conviver em harmonia. Diante disso, o evangelho deste domingo nos mostra Jesus tendo compaixão dessa multidão, que é como ovelhas sem pastor. E o que é que ele faz? “Pôs-se a ensinar muitas coisas” (Mc 6,34).

No Antigo Testamento, pastor é aquele que orienta e conduz. Vai à frente das ovelhas para conduzi-las a pastar. Assim, chamavam-se pastores os chefes do povo de Israel: os reis, Moisés, o Messias e, sobretudo, Deus mesmo (cf. Jr 23,1-6: primeira leitura). Deus se apresenta em contraposição aos maus pastores. Estes dispersam o rebanho, o bom pastor reconduz os dispersos.

O projeto de reconduzir o povo recebe sua plena realização em Jesus de Nazaré. Vendo a multidão carente de pastor, tem compaixão dela e começa a ensinar-lhe as coisas do Reino. Temos aí a origem da “pastoral”. A pastoral consiste em pôr em prática a “compaixão” pelo povo. Não a compaixão de chamar alguém de coitado, sem fazer nada, mas a “paixão” que nos faz sentir (e até sofrer) “com” o povo.

Acolhê-lo, ensinar-lhe as coisas do Reino, tudo o que Jesus faz ao povo com vista ao Reino é “pastoral” em proveito de Deus, é cuidar de seu rebanho. Por isso, Jesus dará até a vida (cf. Jo 18,11-18). O que faz algo ser pastoral não é uma ou outra atividade determinada, mas o intuito com que é assumida: transformar um povo sem rumo em povo conduzido por Deus.

Por isso, na atualidade, o importante não é multiplicar atividades, chamando-as de pastoral, mas providenciar para que os que as realizam tenham alma de pastor, atitude de pastor: acolhida, liderança e amor até a doação da própria vida.

Pastoral é conduzir o povo pelo caminho de Deus. É inspirada não pelo desejo de poder, mas pelo espírito de serviço. Jesus não procurou arrebanhar o povo para si. Tanto que, ao constatar, depois de oferecer o pão multiplicado, o entusiasmo equivocado, ele se retirou (cf. Jo 6,14-15: evangelho do próximo domingo). Jesus procura levar o rebanho ao Pai, só isso, mas isso é tudo. Ser pastor não é autoafirmação, mas o dom de orientar carinhosamente o povo eclesial para Deus.

Daí a importância de enriquecer nossa pastoral, não multiplicando a organização, mas incrementando o carinho da “com-paixão”, que é também o carinho do ensinamento, não tanto doutrinal, mas pedagógico, paciente, como o da mãe que se curva para orientar o seu filhinho.

Johan Konings

Pe. Johan Konings, sj, nascido na Bélgica, reside há muitos anos no Brasil, onde leciona desde 1972. É doutor em Teologia e mestre em Filosofia e em Filologia Bíblica pela Universidade Católica de Lovaina (Bélgica). Atualmente é professor de Exegese Bíblica na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje), em Belo Horizonte. Dedica-se principalmente aos seguintes assuntos: Bíblia – Antigo e Novo Testamento (tradução), evangelhos (especialmente o de João) e hermenêutica bíblica. Entre outras obras, publicou: Descobrir a Bíblia a partir da liturgia; A Palavra se fez livro; Liturgia dominical: mistério de Cristo e formação dos fiéis – anos A-B-C; Ser cristão; Evangelho segundo João: amor e fidelidade; A Bíblia nas suas origens e hoje; Sinopse dos Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas e da “Fonte Q”. E-mail: [email protected].