Roteiros homiléticos

Publicado em julho-agosto de 2022 - ano 63 - número 346 - pág.: 49-52

17º domingo do Tempo Comum – 24 de julho

Por Izabel Patuzzo*

Perseverar na oração

I. INTRODUÇÃO GERAL

As leituras desta liturgia nos falam sobre o poder da oração em nossa vida. A primeira leitura, retirada do livro do Gênesis, transmite-nos antiga tradição sobre o patriarca Abraão. Ele tinha uma relação muito íntima com Deus. A oração, para ele, não era apenas uma petição, mas também uma forma de interceder pelos outros junto a Deus. Essa narrativa retrata quanto, na tradição judaica, as pessoas que se deixavam conduzir por Deus tinham uma prática de oração. A oração de Abraão nos desafia e nos questiona sobre até que ponto oramos para a salvação do mundo.

A segunda leitura, continuando a carta aos Colossenses, faz uma reflexão acerca das consequências de abraçar o batismo. Quando recebemos o sacramento do batismo, morremos para o pecado e recebemos a vida nova em Cristo. Ao receber essa vida nova, temos a força de viver em Cristo. Deus, na sua infinita misericórdia, concede-nos a dignidade de sermos seus filhos e filhas adotivos. O Senhor Deus nos criou para a liberdade, e não para vivermos sob o peso de nossos pecados; isto é, criou-nos para uma vida de santidade.

O Evangelho nos apresenta uma das versões da oração que Jesus nos ensinou: o pai-nosso. Jesus nos ensina a sermos perseverantes na oração; a insistir em bater à porta do Senhor. Persistindo na oração, como forma de apresentar a Deus nossas necessidades e intercessões, obteremos resposta. Nosso Pai celeste responde a quem pede com sinceridade e fé. Jesus nos convida a dialogar com o Pai com atitude de confiança.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (Gn 18,20-32)

O texto da primeira leitura é sequência do proclamado no domingo anterior. Narra os eventos ocorridos depois da visita dos três estrangeiros à casa de Abraão e Sara. O episódio se refere à antiga cidade de Sodoma, que parece ter existido às margens do mar Morto. Segundo as antigas narrativas, essa cidade foi destruída, o que deixou na memória do povo um ensinamento: seu destino foi aquele porque a conduta das pessoas que ali viveram não era de acordo com as propostas de Deus. Essa foi a explicação que os povos antigos encontraram para justificar sua destruição. Tal história, narrada de geração em geração, serviu de base para que se acrescentasse um ensinamento novo para o povo de Israel: a oração dos fiéis pode mudar o curso dos acontecimentos. O texto marca a transição da mentalidade de um Deus que castiga e destrói para um Deus misericordioso, que ouve a súplica daqueles que pedem coisas boas, motivados pela fé.

O diálogo entre Deus e Abraão é uma catequese sobre o pecador e o justo, na qual os autores bíblicos estabelecem uma relação entre o santuário de Mambré e histórias sagradas antigas sobre a destruição de Sodoma e de outras cidades vizinhas. A grande pergunta que o texto faz é se o justo merece o mesmo destino do pecador. Será que um pequeno grupo de justos vale mais que uma multidão de pecadores?

Na mentalidade da época, todos os membros de uma comunidade deveriam ser solidários no bem, pois o mal poderia fazer que todos sofressem castigos. O erro, o mal praticado por um teria como consequência o sofrimento de todos. Assim, a catequese do texto busca refletir sobre a intercessão dos justos para mudar o curso da história. O texto retrata uma mentalidade ainda muito distante da retribuição individual da prática do bem ou do mal.

O diálogo entre Abraão e Deus é descrito como um encontro face a face, no qual Abraão se põe em atitude de humildade diante do Senhor Deus. Ele acredita na benevolência divina, num Deus capaz de ouvir a súplica sincera que brota do coração. Dessa oração nasce a confiança em insistir por diversas vezes. É um diálogo familiar, confiante, ousado, pois Abraão acredita que Deus vem ao encontro do ser humano e estabelece conosco uma relação de comunhão, de amor sem temor.

2. II leitura (Cl 2,12-14)

Pela terceira semana consecutiva, a segunda leitura nos proporciona uma reflexão sobre a comunidade dos colossenses e os desafios pastorais que enfrentavam. No texto proposto para este domingo, o autor da carta menciona o problema dos falsos doutores que estavam influenciando os cristãos nessa comunidade. Eram pessoas que se infiltraram na comunidade depois que foram evangelizados por Paulo.

O apóstolo Paulo exorta os cristãos a colocar Jesus Cristo no seu devido lugar na fé: Cristo é a cabeça da Igreja e, pelo batismo, o discípulo lhe dá sua adesão e se identifica com ele. Portanto, em Jesus encontramos a vida em plenitude. Quem abraçou a fé nele não precisa recorrer a nenhuma outra divindade, rito ou prática religiosa, como ensinavam os falsos doutores. Somente Cristo basta.

Para exemplificar a supremacia de Cristo, o que significa morrer para os pecados e renascer nele para uma vida nova, o autor usa a linguagem do “documento de dívida”, o qual, pela morte de Cristo, foi anulado. Tal documento refere-se à Lei de Moisés, cujas prescrições, exigências, leis e regras eram impossíveis de ser cumpridas na totalidade. Jesus, por sua morte de cruz, anulou todas as nossas dívidas perante a Lei. Libertou-nos e nos concedeu nova vida a partir do batismo.

3. Evangelho (Lc 11,1-13)

O relato da última subida a Jerusalém agora é enriquecido com novo episódio, no qual os discípulos pedem a Jesus que os ensine a orar. O que Jesus põe no início da oração do pai-nosso se enquadra perfeitamente no contexto dos episódios precedentes, como a multiplicação dos pães, quando Jesus invoca o Pai, dando-lhe graças; o exemplo do amor ao próximo, resumido na parábola do bom samaritano; a escuta da Palavra na visita a Marta e Maria. Todas essas ações, no seu conjunto, são atitudes características de quem se insere no caminho do discipulado, culminando com a oração, que deve brotar naturalmente do coração que busca a intimidade com Deus.

A oração do pai-nosso, no relato de Lucas, é a mais breve. Também é precedida de um contexto no qual Jesus ensina como Mestre. O evangelista o apresenta sempre em oração, e agora os discípulos, olhando para essa prática constante na vida de Jesus, pedem-lhe que os ensine a rezar do mesmo modo. Não é por acaso que o evangelista inseriu esse episódio no momento da subida a Jerusalém. A função dessa passagem consiste em destacar que é diante de uma situação concreta que o Mestre ensina um dos comportamentos mais essenciais para aqueles que o seguem: a relação de intimidade e comunhão do discípulo com o Pai. Impressionados com o exemplo de Jesus, que está sempre em oração, eles desejam imitá-lo.

O mais importante é perceber que Jesus não está oferecendo uma fórmula fixa, mas sim um modo de orar. Mesmo porque o texto de Lucas é muito diferente do texto de Mateus, o que pode explicar o motivo de as primeiras comunidades terem diversas tradições litúrgicas. O evangelista quer recordar que Jesus nos ensinou a nos dirigirmos a Deus como ele mesmo fazia: como filhos e filhas. Chamar Deus de Pai supõe ter uma atitude filial com o Senhor e, em relação aos demais, se fazer irmão e irmã. Implica reconhecer que a fraternidade nos leva a uma solidariedade com dimensão universal e superar todas as barreiras que nos impedem de amar uns aos outros como irmãos e irmãs.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

A oração de Abraão é paradigmática para todos os fiéis, por constituir um diálogo com Deus na humildade, na confiança e na reverência à transcendência divina. Não é uma repetição de fórmulas que sabemos desde a infância. É um diálogo sincero, espontâneo, no qual expomos a Deus nossas profundas necessidades, petições e louvor. Em minhas orações, como me coloco diante de Deus?

Lucas nos mostra como a oração ocupava um lugar essencial na vida de Jesus e de seus discípulos. Antes de tomar decisões importantes, Jesus passava noites em oração. Ele estava sempre em diálogo com o Pai. Seus discernimentos eram feitos em momentos de longas orações, na busca contínua da vontade do Pai. Que espaço a oração ocupa em minha vida? Como coloco diante do Senhor os acontecimentos que me preocupam? Quais são as inspirações da atitude de Abraão e de Jesus para melhorar meu diálogo com o Pai? Minha oração é um encontro amoroso de diálogo com Deus ou de negociação a partir de meus interesses? Apenas de promessas: se recebo isso, ofereço aquilo? O que Jesus ensina é fazer da oração um encontro com o Pai misericordioso, a quem amo e com quem partilho minhas preocupações, sonhos e esperanças.

Izabel Patuzzo*

*pertence à Congregação Missionárias da Imaculada – PIME. Mestre em Aconselhamento Social pela South Australian University e em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. É licenciada em Filosofia e Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo. E-mail: [email protected]