Roteiros homiléticos

Publicado em julho-agosto de 2020 - ano 61 - número 334 - pág.: 50-52

17º DOMINGO DO TEMPO COMUM – 26 de julho

Por Ir. Rita Maria Gomes

Deus reina sobre seu povo

I. Introdução geral

O Evangelho do domingo anterior continuava o discurso parabólico de Jesus por meio das chamadas “parábolas do Reino”. A liturgia deste domingo dá continuidade tanto ao discurso parabólico quanto ao tema do Reino no discurso de Jesus. Nas parábolas, narradas no Evangelho de hoje, o acento é levemente modificado em relação às do domingo passado, embora a questão principal continue. A primeira e a segunda leituras se ligam ao Evangelho pela relação que se estabelece entre os justos e o Reino, apoiada na consideração da Lei do Senhor, sobre a qual o salmista declara: “Como amo, Senhor, a vossa Lei, vossa Palavra!” (Sl 118,97).

II. Comentários dos textos bíblicos

1. Evangelho (Mt 13,44-52)

O Evangelho deste domingo traz mais três parábolas do Reino. Duas delas apresentam o mesmo esquema e modelo e uma terceira é distinta, à semelhança das da liturgia do domingo anterior. Em comparação com as do domingo passado, percebemos a inversão da ordem das parábolas. Antes tínhamos uma parábola na qual o caráter escatológico era mais central, seguida de duas parábolas mais voltadas para a “essência” do Reino. Agora temos, primeiro, duas considerando o “ser” do Reino, seguidas por outra de caráter mais escatológico.

As duas primeiras parábolas da leitura deste domingo concentram-se no grande valor do Reino: um tesouro escondido num campo e uma pérola de grande valor. As duas obedecem à mesma lógica: o bem precioso encontrado gera em quem o encontra a decisão de “vender tudo” para adquirir o que encontrou. Diante do Reino, tudo mais perde valor.

A terceira parábola da leitura deste domingo segue, bem de perto, a mensagem da liturgia do domingo anterior, no tocante ao caráter escatológico. Nela, o Reino dos céus é comparado com uma rede de pesca que, ao ser lançada, pega “todo tipo de peixe”. A rede lançada não faz a distinção entre os peixes bons para consumo e os que não servem. A triagem é feita pelos pescadores na praia. A imagem da triagem dos peixes é um espelho da separação entre “joio e trigo” feita pelos ceifeiros (Mt 13,30). O final dessa parábola é praticamente idêntico ao final da parábola do “joio”: no fim dos tempos, os anjos virão para separar os homens maus dos justos, e os maus serão lançados na fornalha de fogo (Mt 13,40ss). O Reino dos céus supõe um julgamento último e a separação entre aqueles que seguem a Deus e fazem sua vontade e os injustos, que não seguem sua Palavra, sua Lei.

Curiosamente, o Evangelho não termina aí, e sim com a afirmação: “todo mestre da Lei que se torna discípulo do Reino dos céus é como um pai de família que tira de seu tesouro coisas novas e velhas”. Essa fala final de Jesus funciona como uma espécie de resumo de todo o ensino parabólico. Ele retoma a questão do Reino dos céus, da Lei e do tesouro, presente nas duas primeiras parábolas. Jesus não fala de quem se torna discípulo seu, mas do Reino dos céus; não fala de seus discípulos, mas de “todo mestre da Lei” e do tesouro destes. Com isso, está dizendo que o conhecedor da Lei, uma vez que se torna discípulo, tira do tesouro da Lei mais que “velhos” ordenamentos: tira o espírito que anima cada lei e mandamento do Senhor. Entre os peixes bons também haverá “mestres da Lei”.

2. I leitura (1Rs 3,5.7-12)

A primeira leitura traz o texto conhecido como “oração de Salomão”. A narrativa é muito solene, porque é construída como um tipo muito particular de teofania: Deus aparece a Salomão em sonho e lhe oferece o que desejar. Salomão, antes de dizer o que deseja que Deus lhe conceda, faz um reconhecimento de sua incapacidade para a missão de governar o povo, por conta de sua juventude e inexperiência. Só depois ele pede a Deus um coração capaz de discernir entre o bem e o mal para poder governar como convém, ou seja, com justiça.

Esse pedido de Salomão, que foi atendido por Deus, tem estreita ligação com o final do Evangelho, pois a sabedoria para governar com justiça é o tesouro do coração. A expressão “Reino de Deus”, em Marcos, e seu correspondente “Reino dos céus”, em Mateus, significam simplesmente “Deus reina”, Deus é que governa. Assim, todo aquele que se torna discípulo do Reino dos céus tira do tesouro de seu coração “coisas velhas e novas”, a sabedoria para julgar e governar com justiça.

3. II leitura (Rm 8,28-30)

A segunda leitura se volta para a condição dos seguidores de Cristo. O lugar dos cristãos estava no coração de Deus desde o princípio, como projeto salvífico. Os cristãos são vocacionados, gratuita e eficazmente, a ser imagem do Filho, e este é, entre outras coisas, justo. Por isso, Deus tornou justos os que foram chamados, à imagem de seu Filho. O chamado de Deus a nós dirigido é para que correspondamos ao projeto de amor que ele tem para cada ser humano: ser imagem e semelhança de seu Filho, o primogênito de uma multidão de irmãos.

III. Pistas para reflexão

Um primeiro tema a ser explorado nas leituras deste domingo é o aspecto do julgamento final. Não podemos esquecer que, no Evangelho, as parábolas são todas sobre o Reino dos céus e, na última, o acento é claramente o julgamento no fim dos tempos. Isso significa que, uma vez que a realidade do Reino dos céus se faz presente, necessariamente se dá o julgamento, pois esse Reino é incompatível com maldade, injustiça, desigualdade etc. O julgamento do fim dos tempos indica que tudo o que não corresponde ao projeto divino de salvação deve desaparecer. O Reino dos céus é incompatível com a maldade, com a injustiça.

Disso decorre que consideremos outro tema presente nesta liturgia: a justiça. Esse tema aparece de modos distintos em cada leitura. Na primeira, aparece como a característica do rei que governa segundo a vontade de Deus. Salomão é o rei a quem Deus deu um coração capaz de discernir entre o bem e o mal, para que governasse com justiça. No Evangelho, o tema surge na separação do fim dos tempos: os anjos irão separar as pessoas más das justas. E, na segunda leitura, a justiça é primeiramente uma característica do Filho e a vocação dos seus seguidores, uma vez que são vocacionados a serem conformes à imagem do Filho, no qual, além de redenção, temos a plena realização do humano.

Ir. Rita Maria Gomes

é natural do Ceará, onde fez seus estudos de Filosofia no Instituto Teológico e Pastoral do Ceará (Itep), atual Faculdade Católica de Fortaleza. Possui graduação, mestrado e doutorado em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje), onde lecionou Sagrada Escritura. Atualmente é professora na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). É membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém, que tem como carisma o estudo e o ensino da Sagrada Escritura.