Roteiros homiléticos

Publicado em maio-junho de 2024 - ano 65 - número 357 - pp.: 42-45

19 de maio – PENTECOSTES

Por Ir. Izabel Patuzzo, pime*

O Espírito Santo: dom do Ressuscitado a todos os povos!

I. INTRODUÇÃO GERAL

Com a celebração da solenidade de Pentecostes, concluímos o tempo pascal. Em Pentecostes, celebramos a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos reunidos em oração com Maria no cenáculo, em Jerusalém. Esse evento marca o início da Igreja. A vinda do Espírito Santo, segundo o relato da primeira leitura, reinterpreta a festa judaica das Colheitas, que recordava a entrega da Torá ao povo escolhido. Desse modo, Lucas sugere que o Espírito Santo confirma a Nova Aliança. Na segunda leitura, o apóstolo Paulo se dirige à comunidade de Corinto por meio de uma linguagem simbólica; a comunidade é como um corpo harmonioso, no qual cada membro recebe do Espírito Santo dons particulares para se pôr a serviço de todos. O Evangelho segundo João nos narra o encontro do Ressuscitado com os discípulos. Jesus Cristo sopra sobre eles o Espírito Santo, o Consolador, que os ajudará a recordar tudo o que Jesus lhes ensinou e lhes permitirá ser testemunhas dele no mundo inteiro.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (At 2,1-11)

Na primeira leitura, Lucas situa a experiência da vinda do Espírito Santo sobre os apóstolos e Maria no cenáculo no contexto da celebração judaica de Pentecostes. Essa festa era celebrada cinquenta dias depois da Páscoa. Originalmente, era uma festa agrícola, na qual se agradecia a Deus pelos frutos da terra, sobretudo o trigo e a cevada, alimentos fundamentais para as pessoas se manterem no dia a dia. Num momento posterior, a festa passou a recordar também a entrega do Decálogo no monte Sinai, quando Israel se torna o povo de Deus. Lucas faz uma nova leitura dessa festa, vinculando o dom do Espírito Santo com a Nova Aliança selada por Jesus Cristo com todos os seus discípulos. O Espírito Santo unge a nova comunidade do povo de Deus para uma missão universal.

O propósito do dom de línguas concedido pelo Espírito Santo a todos os que estavam reunidos em oração é que a glória de Deus possa ser proclamada e todas as pessoas possam entendê-la. Desse modo, o Espírito Santo é descrito com a imagem de línguas de fogo, para evocar sua força e sinalizar que ele, de fato, aquece os corações. A simbologia das línguas de fogo ressalta que o batismo no Espírito Santo torna a comunidade dos discípulos capaz de criar laços duradouros, que vão além da comunicação em linguagem compreensível aos interlocutores. A língua não é somente uma expressão de identidade cultural de um grupo humano, mas pode ser também motivo de separação, segregação e preconceitos. Em Pentecostes, falar em línguas significa falar a linguagem do amor que Jesus revelou.

A manifestação do Espírito Santo leva os discípulos a se comunicarem de um modo novo, a estabelecer novos laços entre as pessoas de diversas raças e culturas – laços de fraternidade, solidariedade e compreensão que superam todas as formas de preconceito. É o Espírito Santo que possibilita a todos ouvir a proclamação das maravilhas de Deus segundo o horizonte de compreensão de sua língua, de sua cultura e de seu modo de pensar, enriquecendo a todos. Os povos convocados pelo Espírito divino atingem os representantes de todos os povos circunvizinhos até chegar aos confins do mundo. A comunidade de Jesus é, assim, capacitada pelo Espírito para criar nova humanidade, sem divisões.

2. II leitura (1Cor 12,3b-7.12-13)

Na segunda leitura, Paulo se dirige à comunidade de Corinto, que, apesar de viva e fervorosa, tinha dificuldades de acolher judeus, prosélitos e gentios. Por isso, não era uma comunidade exemplar, e havia divisões entre os membros. O apóstolo, diante disso, fala dos dons do Espírito Santo como carismas que devem ser postos a serviço de todos. E o grande dom ou carisma consiste em confessar que Jesus é o Senhor. De resto, é preciso que os membros da comunidade tenham consciência de que, apesar da diversidade de dons espirituais, é o mesmo Espírito que atua em todos; ele é a origem dos carismas, e não os méritos pessoais.

Paulo conclui sua reflexão comparando a comunidade a um corpo com muitos membros. Essa metáfora ajuda a compreender que, apesar da diversidade de membros, cada um tem uma função específica: o corpo é um só, e todos devem colaborar, de modo harmonioso, para que todo o corpo seja saudável. Em todos os membros circula a mesma vida, pois todos receberam o mesmo Espírito no batismo. O Espírito Santo é, pois, apresentado como aquele que alimenta e dá vida a todo o corpo. Dele emana toda força de coesão e unidade entre os diversos membros; ele é a fonte que faz brotar a fraternidade e a unidade entre todos os membros da comunidade.

3. Evangelho (Jo 20,19-23)

O texto do Evangelho segundo João nos apresenta o relato da aparição de Jesus ressuscitado no centro de sua comunidade. O Ressuscitado é para ela a fonte de vida, o ponto de referência e o vínculo de unidade. Sua saudação – “A paz esteja convosco” (v. 19) – está em perfeita continuidade com sua oração de despedida na última ceia, quando declarou: “Deixo-vos a paz! Minha paz vos dou” (Jo 14,27). Jesus revela que está vivo e presente no meio deles, assegurando a mesma paz que havia desejado antes de sofrer a paixão.

O efeito do encontro com Jesus ressuscitado é a alegria, como ele próprio havia anunciado: “Não vos entristeçais, pois vossa tristeza se converterá em alegria” (Jo 16,20). Para designar a nova missão dos discípulos, Jesus repete a mesma saudação. Antes de sofrer a paixão, pretendia libertar os discípulos do medo de sua condenação e morte na cruz; agora, assegura-lhes a vitória sobre a morte. Essa coragem e segurança devem acompanhá-los na missão que estão iniciando; e essa missão deve ser cumprida como Jesus cumpriu a sua, amando-os até o fim.

Ao soprar o Espírito Santo sobre os discípulos, Jesus infunde neles seu alento de vida. O Espírito é o princípio vital para que o plano salvífico de Deus se realize na história. O Espírito que receberam é quem lhes assegurará a força para serem testemunhas fiéis perante o mundo. Eles são revestidos da força do alto para dar continuidade à obra de Jesus. A comunidade dos discípulos é chamada a fazer brilhar no mundo a glória do amor do Pai pelo Filho e do Filho pelos seus.

Dessa maneira, a comunidade cristã constitui-se ao redor de Jesus, vivo, presente, crucificado e ressuscitado. Ele está no meio deles, revestindo-os de confiança ao lhes mostrar os sinais de sua vitória sobre a morte. Sua presença é ativa, e do dom do Espírito Santo concedido a todos os que se encontram reunidos brota a força de vida que anima os discípulos na missão. A experiência comunitária desse amor, expresso na morte de Jesus e em sua vitória sobre a cruz, dá-se agora na celebração da Eucaristia. Portanto, a comunidade que a celebra acha-se, assim, revestida do Espírito Santo, para que também cada um de seus membros faça de sua vida um dom para os outros, a exemplo de Jesus Cristo.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

No contexto da festa de Pentecostes, as leituras nos lembram da conexão integral entre os dons da paz, da unidade, do perdão e a ação do Espírito Santo. No Evangelho, Jesus saúda seus discípulos com o presente da paz. Em seguida, envia-os a continuar o trabalho que ele começou: “Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio”. Ele sopra o Espírito Santo sobre os discípulos e os envia para continuar seu trabalho de reconciliação mediante o perdão dos pecados. O ato de Jesus de soprar o Espírito Santo sobre os apóstolos espelha o ato de Deus de soprar vida em Adão. Na verdade, tanto a palavra grega quanto a hebraica para “espírito” também podem ser traduzidas como “respiração”. A celebração de Pentecostes nos lembra de que a Igreja é chamada a ser uma presença reconciliadora no mundo. A presença reconciliadora de Cristo é celebrada na vida sacramental da Igreja. No sacramento do batismo, somos purificados do pecado e nos tornamos nova criação em Cristo. No sacramento da penitência, a Igreja celebra a misericórdia de Deus por meio do perdão dos pecados. Essa presença reconciliadora também deve ser um modo de vida para os cristãos. Em situações de conflito, cabe-nos ser agentes de paz e harmonia entre as pessoas.

A comunidade cristã só existe de forma consistente se está centrada em Jesus Cristo e se deixa conduzir pelo Espírito Santo. É nele que superamos todos os medos, tribulações, inseguranças, limitações, falta de unidade, para assumir, com compromisso radical, a missão que ele nos confia. As leituras deste domingo nos interrogam: nossas comunidades se organizam e se estruturam em torno de Jesus? Jesus é nosso modelo de referência? Deixamos que o Espírito Santo nos anime na missão?

Ir. Izabel Patuzzo, pime*

*pertence à Congregação Missionárias da Imaculada. Mestre em Aconselhamento Social pela South Australian University e em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Licenciada em Filosofia e Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção. Doutora em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. E-mail: [email protected]