Roteiros homiléticos

Publicado em novembro-dezembro de 2023 - ano 64 - número 354 - pp.: 42-46

19 de novembro – 33º DOMINGO DO TEMPO COMUM

Por Izabel Patuzzo*

Quem permanece em mim produz muitos frutos

I. INTRODUÇÃO GERAL

Ao nos aproximarmos do fim do ano litúrgico, a liturgia nos proporciona uma reflexão acerca dos frutos que produzimos para o Reino e para nossa vida no decorrer do mistério que celebramos o ano todo. Por isso, todas as leituras deste domingo recordam que cada discípulo(a) de Jesus Cristo tem a missão de, no tempo em que vivemos, ser testemunha ativa e comprometida com o projeto de Deus para a salvação de todos.

A primeira leitura apresenta a figura da mulher virtuosa que cuida de sua família, atenta às tarefas cotidianas, assegurando a felicidade e o bem-estar de cada membro familiar, como sábia fiel que organiza a vida com base nos valores sagrados da tradição judaica. Na perspectiva bíblica, isso é viver sabiamente. É ser capaz de conjugar a responsabilidade do trabalho com o compromisso de ser membro da comunidade de fé, na generosidade que vem do temor de Deus. Na segunda leitura, o apóstolo Paulo exorta a comunidade dos tessalonicenses a esperar a segunda vinda do Senhor mediante o trabalho intenso, a fim de cumprir com as responsabilidades de cidadãos e membros da comunidade cristã. No Evangelho, a parábola dos talentos apresenta duas atitudes opostas de quem espera pela vinda do Senhor. Jesus louva aqueles que ativamente se esforçam para produzir frutos, pondo à disposição dos outros os dons que Deus lhes concede, e rejeita a atitude de comodismo daquele que pauta sua vida pelo medo e pela apatia e não se arrisca a assumir compromissos de servir a comunidade, enterrando assim seus talentos. Portanto, a parábola nos convida a uma reflexão sobre quanto nos esforçamos para desenvolver os talentos que Deus nos confia, cuidando para não desperdiçá-los ou cairmos no comodismo.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (Pr 31,10-13.19-20.30-31)

O livro dos Provérbios é uma coletânea de ditos, máximas e provérbios de caráter didático e ético-moral, nos quais se cristalizaram a sabedoria popular de Israel. Esses escritos fazem parte da literatura sapiencial do Antigo Testamento. Os escribas que se dedicaram a escrever esses ditos tinham como objetivo instruir e exortar os membros das comunidades de fiéis em vista de estabelecer uma vida social ordenada, harmoniosa, e desse modo contribuir com a família e a comunidade.

Um provérbio caracteriza-se por uma afirmação incisiva que visa expressar determinada verdade de um modo impressionante e memorável. Por isso, os provérbios bíblicos são curtos, para facilitar sua memorização. Entre os vários tipos de provérbios apresentados no livro, muitos são simples observações sobre a vida, ensinamentos adquiridos na arte do bem viver. Portanto, a natureza dessa sabedoria não é a do conhecimento científico, reservado a poucos, mas a de algo que pode ser buscado por todos.

O texto proposto pela liturgia é uma citação do final do livro dos Provérbios. No idioma originário em que foi composto, apresenta-se como um poema, seguindo a sequência alfabética do hebraico.  A primeira letra de cada verso segue essa ordem para falar da mulher virtuosa, isto é, de como ela organiza com sabedoria sua casa. O poema reúne uma série de atitudes que, na concepção judaica, melhor descrevem a mulher sábia. Ela consegue criar um ambiente familiar que proporciona bem-estar e felicidade a seus filhos e a seu marido. O retrato da mulher sábia descrito nessa leitura apresenta a mãe de família que dirige com eficiência, dedicação e empenho sua casa, sendo corresponsável com seu marido não apenas na administração da casa, mas também na de todos os bens da família.

2. II leitura (1Ts 5,1-6)

A missão de Paulo e Silas em Tessalônica passou por quase todas as sinagogas judaicas, concentrando-se em provar para os judeus, com base nas Escrituras, que Jesus era o Messias, o enviado de Deus anunciado pelos profetas. Entre os convertidos ao cristianismo, incluíam-se alguns judeus e grande parte de gentios simpatizantes do judaísmo. Em Tessalônica, Paulo encontrou forte oposição por parte dos judeus, que consideravam o cristianismo uma seita que estava desviando as pessoas do verdadeiro ensinamento da tradição. Por isso o apóstolo é obrigado a deixar a cidade e acompanhar pastoralmente a comunidade por meio de suas cartas.

O texto desta liturgia é uma continuação do texto do domingo passado. Um dos grandes problemas para os tessalonicenses era a compreensão teológica da segunda vinda de Jesus Cristo, denominada “dia do Senhor”. A concepção do “dia do Senhor” referia-se à última intervenção divina de Deus na história humana, para restaurar definitivamente o caos instaurado na terra pela corrupção do pecado. Os fiéis esperavam que finalmente o Reinado de Deus iria começar. Segundo essa concepção, Deus derrotaria os maus e conduziria os bons para a vida plena. Seria o começo da última etapa da história da humanidade, na qual Deus eliminaria todas as forças do mal existentes no mundo.

É nesse contexto que os cristãos de Tessalônica se interrogam sobre qual seria a sorte dos cristãos que haviam morrido sem ver o “dia do Senhor”. Como poderiam entrar nesse Reino definitivo, se já se encontravam no reino dos mortos? Paulo responde a essa questão, dizendo que não se preocupassem com quando o Senhor viria, e sim em como estavam vivendo, para se prepararem bem para o encontro definitivo com Deus.

3. Evangelho (Mt 25,14-30)

A parábola dos talentos, tal como apresentada no Evangelho segundo Mateus, é narrada por Jesus, que se dirige aos seus discípulos pouco antes de sua condenação, morte e ressurreição. No contexto em que é inserida por Mateus, seu enredo favorece uma reflexão sobre o estilo de vida a ser adotado até que o Filho do Homem retorne, convidando os discípulos a um responsável uso dos bens de Deus, em vista do julgamento que está por vir. Um talento equivalia a 6 mil denários. O denário correspondia ao pagamento de um dia de trabalho. Portanto, um talento era uma quantia significativa de dinheiro. Jesus, porém, usa essa quantidade valiosa de dinheiro para falar de outra realidade: o bem valioso de produzir frutos para o Reino de Deus. A quantia de talentos mencionada por ele era apenas um atrativo para chamar a atenção de seus ouvintes.

O evangelista Mateus leva em conta, em sua catequese, a realidade de sua comunidade cristã. Na ausência física do Senhor Jesus Cristo, o discípulo é convidado a se esforçar continuamente para dar frutos em abundância para o Reino dos Céus. O retorno do Senhor é certo como na parábola. Deus não exige proezas, por isso não dá a mesma quantia a cada um de seus servos. Ele conhece os limites e as capacidades de cada um. Não julga pela quantidade, mas pelas atitudes, pelo esforço, pelo empenho e dedicação de cada um.

Os dois primeiros servos representam aqueles que recebem os talentos e deles cuidam com responsabilidade, porque o Senhor lhes confiou algo de precioso. O terceiro servo representa aquelas pessoas que não têm responsabilidade com os outros e, assumindo uma atitude fria e egoísta, se dedicam apenas ao que é seu. Essa parábola se fundamenta em um ensinamento judaico segundo o qual Deus não confia grandes coisas a quem não prova ser fiel no pouco. Deus só pode confiar grandes coisas a quem é fiel nas pequenas coisas que ele concede.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Na perspectiva das leituras deste dia, a imagem da mulher sábia e virtuosa retrata todas as pessoas que conduzem a si próprias de acordo com o bem comum, com as virtudes da generosidade e do temor de Deus, estabelecendo valores que visam proporcionar vida digna e verdadeira felicidade para si e para os outros. Em sintonia com essa temática, atualizando a segunda leitura para nossa realidade de hoje, vemos que a esperança de nosso encontro definitivo com o Senhor após a morte aponta para uma vida de vigilância e sobriedade, pois fomos criados para a eternidade junto com Deus e com todos os que compartilham da vida eterna.

O Evangelho nos apresenta duas atitudes opostas, que nos ajudam a estabelecer um confronto com nós mesmos, a fim de examinarmos qual é nosso perfil de servos e servas de Deus, com que responsabilidade assumimos nossos compromissos pessoais, familiares e sociais. A missão e os dons que o Senhor nos confia não são para serem enterrados, e sim para darem frutos para o Reino, em vista da felicidade nossa e também daqueles que nos rodeiam.

Izabel Patuzzo*

*pertence à Congregação Missionárias da Imaculada - PIME. Mestre em Aconselhamento Social pela South Australian University e em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é licenciada em Filosofia e Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção. Doutoranda em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. em São Paulo. E-mail: [email protected]