Roteiros homiléticos

Publicado em julho-agosto de 2022 - ano 63 - número 346 - pág.: 54-57

19º domingo do Tempo Comum – 7 de agosto

Por Izabel Patuzzo*

Tende sempre vossa lâmpada acesa

I. INTRODUÇÃO GERAL

As leituras da liturgia deste domingo nos convidam a permanecermos sempre vigilantes. Como discípulos do Senhor, dispomo-nos ao serviço do Reino, atentos aos apelos de Deus, às diversas manifestações de sua presença em nossa vida.

A primeira leitura, retirada do livro da Sabedoria, recorda a história de libertação de Israel, quando o povo escolhido foi duramente desafiado pela imposição da cultura pagã por parte do poder estrangeiro que o dominava. É nesse contexto de imposição cultural e religiosa que o autor desconhecido do livro convida a comunidade dos israelitas a ser vigilante e buscar os valores duradouros, segundo a sabedoria das Escrituras.

A segunda leitura apresenta o patriarca Abraão e a matriarca Sara como modelos de fé para todas as gerações. Eles foram atentos à presença do Senhor na própria vida, por isso responderam aos apelos divinos. A vigilância é fundamental para que percebamos quando o Senhor passa, quando nos fala, nos chama e nos interpela.

As instruções de Jesus sobre como nos prepararmos para o julgamento vindouro continuam no Evangelho deste domingo. Não podemos ser como o homem rico e ganancioso do domingo passado, que planejou armazenar sua colheita nos celeiros sem se preocupar em partilhar com quem nada tinha. Somos convidados, antes, a compartilhar o que temos com quem mais necessita. O antídoto para a ansiedade provocada pelo julgamento futuro é abrir a mão aos irmãos e irmãs necessitados.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (Sb 18,6-9)

O livro da Sabedoria provavelmente foi escrito por volta do século I a.C., em Alexandria, por um autor desconhecido, pertencente ao grupo dos sábios rabinos judeus que defendiam a identidade e a tradição judaica diante da dominação política, econômica, cultural e religiosa estrangeira. Esse grupo de sábios sucedeu os profetas na liderança de Israel, apegando-se às Escrituras como forma de resistência. Dirigindo-se aos judeus mergulhados em um ambiente de idolatria e de imoralidade para conseguirem usufruir dos benefícios oferecidos pelo poder colonizador, o autor faz o elogio da sabedoria israelita, que se fundamenta nos escritos sagrados.

Tal elogio implicitamente convida a comunidade dos fiéis a tomar cuidado com a sabedoria da filosofia helênica, que se propunha como superior à sabedoria judaica, fundamentada nas Escrituras. Muitos se encantaram com a sabedoria da Macedônia. O texto proposto nesta liturgia pertence à última parte do livro, na qual o autor sagrado, apresentando os fatos concretos, ressalta figuras da história de Israel como modelos de pessoas sábias. Dessa forma, o autor mostra como a própria natureza, divinizada pelos ímpios, se volta contra eles. O cenário construído nessa narrativa é uma reflexão que compara os eventos precedentes ao êxodo: os egípcios foram castigados, enquanto Israel foi em tudo protegido pelo Senhor Deus. A história nos ensina a tirar lições de sabedoria, por isso o povo de Deus mantém viva na memória sua história, passando-a de geração a geração.

2. II leitura (Hb 11,1-2.8-19)

A carta aos Hebreus foi escrita pouco antes da segunda destruição do templo de Jerusalém, por volta do ano 70 d.C. Não sabemos quem é seu autor. Provavelmente, destina-se aos cristãos de origem judaica que estão perdendo o entusiasmo dos primeiros tempos, por se encontrarem diante de perseguições e hostilidades provenientes do mundo pagão. As comunidades dos fiéis estavam expostas à indiferença das autoridades locais; tratadas como uma seita ilegal, a tendência foi se deixarem abater pelo desânimo e pelo cansaço.

A linguagem da carta recorre à teologia judaica, apresentando Cristo como o verdadeiro e único sacerdote que intercede pelo povo. Dessa forma, insere os discípulos na comunhão real e definitiva com Deus. Apoiando-se nessa tradição teológica, o autor ajuda a comunidade a refletir sobre as implicações dessa fé. Posta em relação filial com o Pai por meio de Cristo sacerdote, a comunidade dos fiéis passa a fazer parte do povo sacerdotal, tornando a própria vida um contínuo sacrifício de louvor, entrega e amor.

O texto recorda duas figuras importantes na história de Israel: Abraão e Sara, que, na fé, acolheram o chamado de Deus. Deixaram seu lugar de origem e partiram para um lugar desconhecido, movidos pela fé. Foram abençoados com a posse de uma terra e com descendência numerosa. Para que a promessa de Deus se realizasse, assumiram a condição de peregrinos e estrangeiros, caminhando em direção à pátria definitiva. É precisamente esse modelo de fé que o autor da carta retoma, para inspirar os cristãos a não desanimar diante da real situação em que se encontram.

3. Evangelho (Lc 12,32-48)

Nessa passagem do Evangelho, Jesus continua sua exortação aos discípulos, com uma recomendação extremamente radical de como devem agir com os bens materiais para que estes se convertam em um tesouro imperecível.

O que Jesus propõe com essas exigências a respeito da posse de riquezas está profundamente relacionado com a atitude que o discípulo deve adotar diante de toda a realidade de sua existência: a partilha solidária, sobretudo com os mais necessitados. Somente por meio dessa prática de desapego é que os discípulos irão adquirir tesouros inesgotáveis para os céus. A prática da caridade nas primeiras comunidades cristãs demonstra que esse ensinamento de Jesus foi vivido de forma radical por muitos membros.

O ponto central do ensinamento desse texto é a afirmação de Jesus de que, onde está nosso coração, aí estará nosso tesouro. Os bens e os recursos que construímos neste mundo devem ser postos em benefício de toda a humanidade. Nisso consiste o dito de Jesus: “Fazei bolsas que não envelheçam”. Os tesouros que ajuntamos para o Reino de Deus nenhum ladrão pode retirar de nós, pois nossas boas obras permanecem para sempre, como sinal de nosso testemunho.

A parábola que se segue ao discurso de Jesus continua a exortação acerca da vigilância e da fidelidade. Em primeiro lugar, ensina que os discípulos devem estar vigilantes e disponíveis para as realizações escatológicas. A presente condição daqueles que seguem Jesus é apenas a de servos que, na ausência do seu Senhor, devem perseverar no cumprimento de suas obrigações, porque o Senhor pode voltar a qualquer momento. Seremos recompensados segundo nossa vigilância. Por isso nos é pedido que mantenhamos nossas lâmpadas acesas. Assim, seremos convidados ao banquete eterno.

A pergunta de Pedro – a respeito de para quem Jesus narra a parábola – serve para esclarecer que esse ensinamento é de fato para os discípulos que abraçaram o caminho do discipulado. Jesus vai introduzindo novos personagens na trama, para exemplificar seu discurso. O protagonista da parábola é o administrador que não se comporta bem na ausência de seu Senhor. Ele será severamente castigado, pois não irá conseguir esconder sua negligência durante a ausência do Senhor. O mal revela-se por si mesmo. O abuso de autoridade será descoberto quando o Senhor regressar.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

A vida dos discípulos de Jesus deve ser de vigilância atenta, pois o Senhor está permanentemente presente em nossa vida. Ele sempre vem ao nosso encontro para nos desafiar para o desapego de tudo aquilo que nos distancia dele. O apego aos bens materiais pode nos escravizar, mas Deus nos criou para a liberdade. O que nos distrai, nos prende, nos aliena e nos impede de construir os tesouros para a vida eterna?

As leituras apontam que ser discípulo do Senhor não é atividade de horário comercial ou distração para fins de semana, mas é compromisso de todos os dias, em todas as circunstâncias. Estou consciente de que isso requer uma postura diante da vida, um conjunto de atitudes que devo testemunhar sempre?

A Palavra de Deus contém um questionamento especial para todas as pessoas que exercem algum serviço ou ministério na Igreja. As leituras nos convidam a assumir com responsabilidade as tarefas ou funções a nós confiadas. Independentemente de nossas tarefas ou funções, todos somos chamados a servir na humildade e na simplicidade. Sobretudo, a estarmos dispostos a servir os mais necessitados sem apego ao que temos e na fidelidade à autoridade ou responsabilidade que exercemos.

Izabel Patuzzo*

*pertence à Congregação Missionárias da Imaculada – PIME. Mestre em Aconselhamento Social pela South Australian University e em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. É licenciada em Filosofia e Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo. E-mail: [email protected]